O abril, que deveria ser primaveril (cá, por nos tirar do “Inferno”; lá, por fazer brotar os cravos) fechou com o lamentável “precisamos do bolsonarismo moderado”, do desorientado colunista Joel Pinheiro da Fonseca.
A própria “Folha” apresentou réplicas ao oximoro “fascista moderado”, mas receio que nenhuma tenha sido muito didática. Ofereço, então, um exemplo instrutivo.
Fascista moderado é aquele que, sabendo se portar em sociedade e envergando um belo traje Hugo Boss, recebe as vítimas recém-saídas dos vagões de gado, em Auschwitz, mais ou menos assim:
“Boa tarde, Senhoras e Senhores. Lamento muitíssimo as bárbaras condições da viagem, mas precisamos todos nos organizar, não é mesmo? Então, por gentileza, os cavalheiros queiram se dirigir às salas de banho “A” e “B” e as damas às salas de banho “C” e “E”. Lá encontrarão a última palavra em purificação de corpos. Como? As crianças? Ah, por favor, devem acompanhar as mães ou os pais, conforme a conveniência. Não somos selvagens, por certo!”
E em seguida ao fechamento das câmaras de gás, dirigindo-se a um subordinado posicionado junto a válvulas no teto.
“Meu querido senhor H. O senhor poderia nos fazer o obséquio de abrir a passagem a esse fantástico Ziklon-B? Afinal, se é Bayer, é bom! Muitíssimo obrigado!”
Pronto. Eis aí o “fascista moderado”. Mas há mais do que eles.
Seis dias em seguida ao texto, nossa já diminuta inteligência foi de novo agredida, desta feita por um editorial de “The Globe”, aquele órgão gringo sediado no Rio de Janeiro.
Do alto de seu secular compromisso com tudo o que seja contra o Brasil, o pasquim dos Marinho decretou que o “conceito de trabalhador” é coisa do passado. Isso quarenta dias após o IBGE ter divulgado que o emprego de carteira assinada atingiu o recorde de 37,995 milhões de almas em fevereiro.
Como “O Globo” nunca está só, no Estadão de domingo o intragável J. R. Guzzo e o inflexível Celso Ming fizeram o devido coro, no que é mais um número musical do interminável espetáculo circense “A tigrada não presta!”
Sobre uma e outra argumentações, valem duas perguntas:
1ª - O que a lamúria por um “fascismo civilizado”, de um lado, e a pregação do anacrônico neoliberalismo, de outro, têm em comum, além de serem bandeiras da Direita, recorrentes na disputa ideológica?
2ª – Essas duas linhas ideológicas, fascismo e neoliberalismo, se projetam nas catástrofes ambientais que assolam o país?
A primeira resposta é mais evidente. Trata-se de um movimento de pinças envolvendo um grande objetivo: maximizar a transferência de renda dos pobres para os mais ricos. As duas pontas se diferenciam pela forma predominante, mas não exclusiva:
- no neoliberalismo, prevalece o convencimento exercido pelas mídias a serviço dos ricos, mas nunca sem o eventual recurso à força;
- no fascismo, se destaca a brutalidade, a desumanidade, a violência ainda que apenas esboçada, porém jamais descartada a necessidade de convencimento. “Tô nem aí!”, filosofaria o marcial Tarcísio.
Um e outro podem viver em concubinato de interesses, como demonstraram Bolsonaro e o Banco BTG, ou se antagonizar momentaneamente, vide a eleição de Lula em 22. Mas se irmanam na predação do homem e da natureza, para ambos essencialmente “recursos”.
Nessa caça ao bicho-homem, aos bichos-bichos e ao ambiente sem o qual nenhum dos dois vive (a não ser os ricos) o estado é configurado por fascismo e neoliberalismo no clássico papel duplo de ferramenta “forte contra os fracos e fraca contra os fortes”.
Para escravizar indígenas, assassinar a juventude negra e superexplorar o trabalhador (olha aí o “Canto das Três Raças” de Paulo César Pinheiro), o estado é forte. Pouparemos o exemplo das muitas modificações promovidas em 23 e em 24 no sentido de facilitar a escravização, a matança e a superexploração, obra de fascistas e de neoliberais no legislativo e no judiciário.
Já em seu civilizatório potencial de minimizador do consumo de carne humana e da destruição do planeta, o estado precisa ser manietado, contido, reduzido ao “mínimo” das cantilenas de Mileis e Barrosos, de Bolsonaros e Xandões. A menos que...
A menos que a própria natureza faça rufar os tímpanos da vergonha coletiva, e esfregue na cara de todos, enganadores e enganados, tragédias tipo a de Nova Orleans em 2005 (mais de 1.300 mortos), a da Serra Fluminense em 2011 (acima de 1.200 mortes) e a do Rio Grande do Sul, agora.
Tragédias vendem na mídia tanto ou mais do que os bancos. Assim, sendo inescapável a cobertura, você verá neoliberais e fascistas como Eduardo Leite e Luiz Carlos Heinze, que ontem arrasavam instituições de proteção ambiental e miniaturizavam o estado, e que hoje imploram pelo socorro estatal.
Nada de novo, senão mais um episódio da velha lógica segundo a qual o lucro é privado e o prejuízo é público.
A terceira questão que daí surge, é: aprenderão os enlameados sobreviventes a não mais eleger o verdadeiro lamaçal de fascistas e neoliberais? Duvidamos. Trump ganhou na Louisiana em 2016 e em 2020. Hitl... ops! Bolsonaro ganhou na Serra Fluminense em 2018 e em 2022.
Tragédias não ensinam. Destroem.
Enquanto isso, um dos inúmeros pretendentes ao posto de presidenciável “fascista moderado”, Ratinho Jr, ruma à Polônia para o 16º Congresso Econômico Europeu, que rola em Katowice.
Katowice que fica pertinho de Auschwitz.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.