Em 1902, Joseph Conrad publicou seu “Coração das Trevas”, virulento romance-denúncia contra os horrores do colonialismo europeu em África.
O livro situa as “trevas” não na exótica periferia colonizada, o que era comum na literatura sobre os territórios nos quais o imperialismo pisava com tacão de ferro a pretexto de levar aos “selvagens” a “civilização cristã ocidental”. As trevas estão no comportamento dos brancos e, em especial, do personagem Kurtz.
Depois de 77 anos, dois roteiristas e mais Francis Ford Coppola adaptaram a história para o cenário da Guerra do Vietnã, no antológico “Apocalypse Now”, mantida sua essencialidade.
Passados mais 45 anos, “Il Manifesto” (jornal comunista de Roma) deu 1ª pagina neste 10 de junho para uma bela foto orbital da Europa Ocidental, sob a manchete “Coração das Trevas”. O que foi um resgate do significado último da obra de Conrad e uma excelente síntese das eleições para o Europarlamento, ocorridas na véspera.
Uma série de vetores leva ao crescimento do fascismo em larga escala em todo o “Ocidente”, a começar pelo desprezo da ideologia dominante, o neoliberalismo, por valores coletivos, pelos direitos sociais e pela própria democracia.
Some-se ainda a forma infantil de resolução dos problemas via emprego da força, prática essencialmente fascista. A Europa dá esse péssimo exemplo a seus jovens, ao apoiar os massacres da população russa da bacia do Donets pelos bandidos de Azov ucranianos, desde 2014. E, claro, também ao sustentar o genocídio palestino executado por Israel.
Outro fator é a formatação institucional da União Europeia, com seu déficit democrático. O "sistema" a ser atacado (tônica da fala fascista) se baseia na falta de autonomia dos governos locais, na tirania do Banco Central Europeu quanto à política monetária e, seguindo o dominó, no domínio do Deutsch Bank sobre o Europeu e do FED norte-americano sobre o Deutsch Bank.
Mas é também verdade que o fascismo floresce e se espalha porque não tem contraponto. Seu único verdadeiro inimigo, a Esquerda, abdicou tanto na Europa como nos EUA de sua missão e razão de ser: apresentar uma utopia promissora contra a predação da maioria da humanidade pelos ricos.
A Esquerda europeia passou a disputar não uma mudança de rumos e sim o discutível “privilégio” de conduzir políticas neoliberais. Se, por exemplo, o Labour Party voltar a formar governo no Reino Unido, nas próximas eleições, veremos uma reedição do gabinete de Tony Blair, talvez um pouquinho mais "sensível" a pautas identitárias.
Enquanto a Esquerda se recusar ao resgate da utopia universalista, permanecerá incapaz de combater o fascismo.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.