O anúncio do retorno de Marta Suplicy ao campo progressista, com sua adesão como candidata à vice-prefeita da cidade de São Paulo pela chapa de Guilherme Boulos (PSOL-SP) e sua (re)filiação ao Partido dos Trabalhadores (PT) tem causado reações diversas nas redes sociais.
De um lado, tem gente que afirma ser impossível perdoá-la depois do que classificam como "traição". Deixou o PT bradando contra a corrupção, se aninhou nos braços de Michel Temer e do MDB, votou pelo impeachment de Dilma Rousseff e, para fechar o combo, entregou um buquê de flores à Janaína Paschoal, uma das autoras do que viria a ser o golpe contra a primeira presidenta do Brasil.
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Na outra ponta, há quem advoga pela realpolitik - o pragmatismo político no qual decisões políticas transbordam as ideologias - e que os ventos da política brasileira mudaram e o mais importante é barrar o avanço da extrema direita na capital do estado mais rico do país.
Marta e a moda
Independente de quem tem razão, ou não, eu quero abordar outra faceta de Marta: a relação dela com a moda. Traidora ou pragmática, no que se refere ao universo fashion ela é um ícone incontestável.
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Volta e meia Marta é flagrada em eventos de moda, como desfiles, e é conhecida por dar dicas de moda e compartilhar suas opiniões sobre o assunto.
Durante seu período como ministra da Cultura, Marta Suplicy apoiou iniciativas que ligam a moda à cultura, demonstrando uma compreensão da moda não apenas como uma expressão de estilo pessoal, mas também como uma forma de expressão cultural importante.
Moda como ferramenta de soft power
Em 2013, no cargo de ministra da Cultura do primeiro governo de Dilma, Marta bancou a inclusão do setor de moda na Lei Rouanet. À época, ela contrariou a decisão da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic) e autorizou que três estilistas brasileiros - Pedro Lourenço, Alexandre Herchcovitch e Ronaldo Fraga - captassem recursos para desfiles de moda em São Paulo, Paris e Nova York.
A então ministra da Cultura explicou que a iniciativa era um investimento em marketing e soft power brasileiro e que projetaria a imagem do Brasil no exterior. Marta observou que desfiles promovem a cultura brasileira e atraem turismo, e têm potencial de mídia e marketing desses eventos.
Sempre bom reforçar que a Lei Rouanet é um mecanismo de incentivo à cultura e se baseia na política de incentivos fiscais, ou seja, permite que cidadãos e empresas invistam parte do Imposto de Renda em ações que promovam a cultura do país. Para poder participar desta iniciativa, a proposta deve ser aprovada pelo Ministério da Cultura (MinC). Ou seja, não se trata de uso de verba pública.
Moda explica a história de um país
No ano seguinte ao case da Rouanet, ainda no comando da pasta da Cultura, Marta concedeu em entrevista ao site Glamurama durante a São Paulo Fashion Week (SPFW) e reforçou a importância da moda
“O papel da moda é enorme. Dá para se entender a história de um país, a história da mulher e de sua libertação através da moda. A independência feminina sempre caminhou junto da moda”.
Naquela ocasião, Marta disse ainda que atualmente a moda está muito mais aberta: “Já não se precisa ter medo de errar. Hoje você pode usar dourado de manhã, por exemplo, não há mais muitas regras”.
Na mesma edição da SPFW ela comentou que o estilista italiano Valentino (1932) é seu grande ícone e que para ela a mulher mais bem vestida era Gisele Bündchen. “Gisele é quem melhor sintetiza a mulher contemporânea. Está sempre bem vestida desde para o lazer doméstico como para grandes festividades”, opinou.
Em várias oportunidades a ex-prefeita é convocada por jornalistas de moda a dar dicas de estilo. Em 2015, ela saiu com uma tirada bem-humorada ao explicar o modelito com estampa de onça.
Marta brincou que escolheu "o que me entrava", referindo-se à sua blusa de oncinha. Ela admitiu que não foi muito tradicional na escolha do visual e mencionou que, embora tivesse opções mais novas e bonitas, às vezes é preciso lidar com esse tipo de situação, uma experiência comum entre as mulheres.
Em outra oportunidade ela encarnou a coach de moda e recomendou vestidos de alcinha para o verão e o cinza uma cor curinga para o inverno. Contou que no seu guarda-roupa, itens indispensáveis incluem um bom jeans preto e roupas estampadas, enquanto que as peças brancas estão notavelmente ausentes.
Aparência sob escrutínio
Como toda mulher que ocupa cargo na política, o guarda-roupas de Marta sempre foi alvo do escrutínio na imprensa. Assim que assumiu a prefeitura de São Paulo a jornalista Érika Palomino escreveu um perfil de Marta para a Folha de S.Paulo com foco no estilo dela.
"Petista está mais para Albright do que para Jackie
Mais para Madeleine Albright do que para Jackie Kennedy; mais Hillary Clinton, menos Ruth Cardoso. Chega ao poder a elegância discreta de Marta Teresa Smith de Vasconcellos Suplicy. O estilo da nova prefeita de São Paulo combina com a personalidade plurifacetada da metrópole, que preserva sua essência, mas tem jogo de cintura para se adaptar a diferentes situações."
Já a Veja de maio de 2001 a clicou visitando os lugares da periferia atingidos pelas enchentes e o destaque foi o salto alto e a fenda da saia.
"Belo salto, dona prefeita
Fotógrafo de um lado, poça d’água de outro, uma pessoa pulando o obstáculo... Nessas horas, sempre baixa um Cartier-Bresson rápido. Fica mais interessante se a pessoa é mulher, prefeita de São Paulo e está usando saiaenvelope, aquela tipo sem costura de um lado, que abre, abre, abre... Em visita a uma favela paulistana, Marta Suplicy enfrentou com galhardia o teste da poça d’água (na verdade, um córrego-esgoto, pois essa realidade nem CartierBresson embeleza). Fora o sapato de salto um tanto enlameado, a elegância da prefeita sobreviveu ao resto do dia. (VEJA, 2001: 120)"
Outro caso foi quando foi personagem de uma matéria também da Veja cheia de maledicência. Ela chegou a processar a revista, mas não ganhou a causa.
Ela moveu uma ação de indenização por danos morais movida contra o semanário por conta da reportagem “Perua na Lama”, publicada na edição de 11 de fevereiro de 2004. O subtítulo do texto da semanal registrou: “Elegantíssima como sempre, a prefeita Marta Suplicy é hostilizada por vítimas das enchentes”.
A nota, repleta de ironia, registrou que a então prefeita "é reconhecida pela exuberância de seu guarda-roupa.... Elegantíssima, pisou com desenvoltura no lamaçal que tomou conta da região de Aricanduva, Zona Leste... Dois dias antes, dessa vez com uma roupinha básica – blusa preta e camiseta branca – ela já enfrentava contratempos...”.
No ano seguinte, em março de 2005, a Veja volta à carga contra Marta: “Desfilou por bairros pobres com um guarda-roupa tão caro e exibido que era difícil acreditar que nada visse de incongruente no fato de uma prefeita vestir-se assim diante de gente sacrificada no curral do salário mínimo”.
Nos dois exemplos chama a atenção o destaque irônico dado ao estilo de Marta e o rótulo de “perua” que deixa em segundo plano as realizações dela no Executivo da maior cidade brasileira.
Os temas da beleza, do requinte, dos valores elitistas sempre serviram de elementos que contribuíram para a construção da identidade de Marta.
Na Veja de 21 de janeiro de 2004, na sessão Holofote, a Veja mais uma vez apela para o tema da beleza, da estética para se referir à administração da prefeita de São Paulo:
"Esta moça tem futuro
Candidata à reeleição a prefeita Marta Suplicy, de São Paulo, vem promovendo uma espécie de lifting nos bairros nobres da cidade. A profusão de obras vistosas em período pré-eleitoral, já apelidada por adversários de “Operação Botox”, era, dizia-se, um hábito do ex-prefeito Paulo Maluf – a quem Marta, hoje, já imita com sucesso: nas entrevistas que dá, qualquer que seja a pergunta, a prefeita só responde o que quer. Exatamente como fazia Maluf (VEJA, 2004: 30).
Potência da moda
A avaliação de Marta sobre a moda como um instrumento de soft power, há uma década, é comprovada pelos números.
Um estudo do Launchmetrics, que usa uma métrica chamada media impact value (MIV) para medir o retorno na mídia, mostra que eventos como o aniversário de 50 anos da Ralph Lauren e a primeira coleção da Celine por Hedi Slimane geraram altos valores de MIV.
O desfile da Ralph Lauren, por exemplo, alcançou um MIV de 38 milhões de dólares. Entre as marcas, a Coach liderou com um MIV de 27 milhões de dólares, seguida pela Dior e Gucci. A influencer Chiara Ferragni foi a celebridade com o maior MIV, atingindo 18,3 milhões de dólares.
Organizar um desfile de moda é um investimento significativo para as marcas, com custos que incluem cenário, modelos, figurinos e taxas para federações de moda locais.
Um desfile de Marc Jacobs dois anos antes da defesa de Marta para inclusão da moda na Rouanet, em 2011, custou cerca de 1 milhão de dólares. Apesar de um desfile durar apenas 10 a 15 minutos, o retorno sobre o investimento (ROI) é alto, impulsionado principalmente pela repercussão gerada nas redes sociais por celebridades.
No caso de uma semana de moda, um conceito originado em 1918 com a haute couture, ou alta moda, serve como um evento para as marcas apresentarem suas coleções.
Atualmente, várias capitais do mundo sediam suas próprias semanas de moda, sendo as mais destacadas em Paris, Milão, Londres e Nova York. Cada uma dessas cidades é conhecida por um atributo específico: Paris pela tradição, Milão pela elegância, Londres pela criatividade e Nova York pelo aspecto comercial.
Além disso, outras capitais, como Xangai, têm ganhado relevância, atraindo grandes marcas como a Prada, tradicionalmente associada a Milão.
Durante uma temporada de moda, dezenas de milhares de pessoas, incluindo compradores, jornalistas e convidados das marcas, assistem aos desfiles presencialmente.
Com a ascensão das redes sociais e da comunicação online, o impacto desses eventos alcança milhões de pessoas globalmente. Conscientes do poder de propagação, as grifes estão investindo cada vez mais em criar ambientes e momentos "instagramáveis".
Mercado colossal
Dados divulgados pelo MinC, que já esteve sob o comando de Marta, de novembro de 2023 mostram que a moda brasileira pode atingir faturamento de US$ 1 trilhão em 2025 e que o mercado da nacional terminou o ano de 2023 com 6,55 bilhões de peças comercializadas, segundo estimativa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Parte dessas vendas é resultante do e-commerce – formato impulsionado pela pandemia da Covid-19 que, atualmente, se consolidou e se transformou em um importante vetor econômico. Em 2020, o formato de e-commerce cresceu 40% e os marketplaces, 81%, como aponta o Retail Touchpoint. Com isso, o setor representa 78% de todo consumo online no país.
De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), atualizado em janeiro de 2022, a moda e o design geraram mais de US$ 2,5 trilhões em venda anuais em todo o mundo. Esse valor é referente a vestuário, acessórios, design e mídia.
Origem na elite e voto do povo
Descendente dos barões de Vasconcelos, cresceu no Jardim Paulistano e estudou em escolas de elite em São Paulo. Casou-se com Eduardo Suplicy em 1964, com quem teve três filhos, Eduardo "Supla" (1966), André (1968) e João (1974).
Viveu nos Estados Unidos entre 1966 e 1968 para estudar, e graduou-se em psicologia pela PUC-SP em 1970, seguindo com pós-graduação e mestrado no exterior.
Trabalhou como psicóloga comportamental e sexóloga, e ganhou notoriedade apresentando um quadro sobre sexualidade na TV Mulher, programa exibido pela TV Globo nos anos 1980.
Entrou na política em 1994, sendo eleita deputada federal pelo PT, partido ao qual se filiou em 1981. Foi candidata ao governo de São Paulo em 1998, mas não teve sucesso. Em 2000, foi eleita prefeita de São Paulo, servindo até 2005.
Posteriormente, foi ministra do Turismo e da Cultura nos governos Lula e Dilma, respectivamente. Eleita senadora em 2010, deixou o PT, juntou-se ao MDB e concorreu, sem sucesso, à prefeitura de São Paulo em 2016. Em 2018, recusou um convite para ser candidata a vice-presidente na chapa de Henrique Meirelles pelo MDB e deixou o partido.
A política é costurada pela realidade
A iminente volta de Marta ao PT me remete à experiência política chinesa. Na década de 1930, em repúdio à invasão japonesa, os chineses criaram uma frente unida com base na cooperação entre o Partido Comunista da China (PCCh) e o Partido Kuomintang (KMT).
Os arquirrivais políticos suspenderam as diferenças diante da tarefa urgente e importante de derrotar os fascistas do império nipônico. Assim como foi a Frente Ampla forjada por Lula para derrotar Jair Bolsonaro em 2022.
Bem-vinda de volta, Marta.