Entre os dias 5 e 16 de junho de 1972, ocorreu a “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano” (mais conhecida por “Conferência de Estocolmo”), primeiro grande evento organizado em âmbito global com o objetivo de discutir questões ambientais.
Segundo a bibliografia especializada e as narrativas midiáticas, a reunião sediada na capital sueca foi marcada por duas posições antagônicas: o “desenvolvimento zero” (defendido pelos países capitalistas centrais) e o “desenvolvimento a qualquer custo” (defendido pelas nações periféricas). Desde então, o chamado “discurso ambiental” tem estado cada vez mais presente na agenda pública global (difundido, sobretudo, por nações europeias e os Estados Unidos).
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No entanto, como bons cidadãos céticos, devemos nos questionar sobre quais interesses estão por trás desse discurso ambiental hegemônico. Afinal de contas, por que as principais potências, responsáveis pela degradação do planeta há séculos, estariam preocupadas em “defender a natureza”?
Uma pista para entendermos essa questão está no livro Chutando a Escada: A Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica, do economista sul-coreano Ha-Joon Chang. Nesta obra, Chang argumenta que as nações desenvolvidas alcançaram tal patamar a partir de práticas protecionistas (ou seja, protegendo o mercado interno da concorrência de produtos estrangeiros) e da exploração de recursos naturais (seus e de outros territórios mundo afora).
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Porém, o que as nações desenvolvidas sugerem aos países subdesenvolvidos é justamente o oposto: que abram seus mercados e não explorem seus recursos naturais. Portanto, estão tentando “chutar a escada” pela qual subiram ao topo, ao impedir que os países em desenvolvimento adotem as políticas e as instituições que eles próprios usaram. Faça o que eu digo, não o que faço.
Assim, o anteriormente mencionado “desenvolvimento zero” não se trata de qualquer preocupação com a natureza. Muito pelo contrário, nada mais é do que uma forma de impedir que os países pobres cresçam economicamente e possam competir com as nações hegemônicas, mantendo assim suas condições de subalternidade. De boas intenções até o inferno está cheio.
Do mesmo modo, a ideia de “desenvolvimento a qualquer custo”, aplicada à postura dos países pobres, mostra-se falaciosa, haja vista que estes povos buscam (e com razão) seu próprio modelo de desenvolvimento, independentemente de ditames externos (o que requer, inexoravelmente, algum tipo de intervenção no espaço natural, mas não “a qualquer custo”).
Desse modo, a chamada “diplomacia ambiental” – conjunto de leis que regulam o uso de recursos naturais em âmbito global – funciona como uma espécie de soft power para que países ricos possam intervir e controlar os territórios e riquezas dos países pobres. Tudo isso sem precisar recorrer a um tiro sequer e ainda por cima sob um verniz politicamente correto de “salvar o planeta”.
Além das políticas externas das potências globais, o discurso ambiental também é feito sob medida para as estratégias de marketing das grandes corporações. Nesse sentido, não é por acaso que, nas últimas décadas, jargões como “empresa amiga do meio ambiente”, “produto não testado em animais” e “sustentabilidade” estão cada vez mais em voga. É o “capitalismo verde”, em que o empresário que “se orgulha” de “contribuir” para preservar algumas espécies em vias de extinção é o mesmo que explora intensivamente a mão de obra alheia. Excelente álibi para escamotear a alienação do trabalhador.
Outro fator importante para o êxito do discurso ambiental hegemônico são as adesões de lideranças de povos originários e de parte do campo progressista (principalmente da esquerda pós-moderna, que abandonou a luta de classes em prol de outras pautas, mais ligadas aos anseios da classe média do que às necessidades materiais das classes populares).
Como apontou Zuenir Ventura, em seu 1968 - O que fizemos de nós, os “vermelhos” de outrora (adeptos das ideias comunistas) agora são “verdes” (defensores do discurso ambiental hegemônico). Exemplo emblemático desse tipo de cooptação é Fernando Gabeira (um dos fundadores do Partido Verde), que, nos anos 60, lutava contra a Ditadura Militar e o imperialismo ianque, mas, atualmente, faz parte da equipe de jornalistas da Globonews (não por acaso, este canal é um dos principais divulgadores do discurso ambiental hegemônico no Brasil, notadamente na figura de André Trigueiro, especialista em “jornalismo ambiental”).
Com a adesão de parcela considerável da esquerda ao status quo, as principais críticas ao discurso ambiental hegemônico, ironicamente, são feitas pela extrema-direita (e todos os delírios que esse campo ideológico apresenta). Consequentemente, no caso brasileiro, qualquer postura que questione minimamente o discurso ambiental em voga ou defenda o direito dos povos subdesenvolvidos de explorarem seus recursos naturais – como foi o exemplo da fala do presidente Lula favorável a extração de petróleo na Foz do Rio Amazonas – é logo tachada como “bolsonarista”. “Internautas comparam Lula com Ricardo Salles após fala sobre Amazônia”, estampou uma capciosa manchete do Jornal Estado de Minas.
Nessa lógica, a extrema direita serve como espantalho para blindar o discurso ambiental hegemônico de qualquer tipo de questionamento. Estratégia muito bem-sucedida, diga-se de passagem.
Evidentemente, não pretendo promover aqui uma apologia ao desmatamento indiscriminado, à extinção de espécies animais, à poluição do ar ou à contaminação de rios; tampouco negar o grande dano causado pelo Homo sapiens ao seu habitat.
Trata-se, apenas, de demonstrar a falácia do discurso ambiental hegemônico. Não há como falar em “proteger a natureza” sem, concomitantemente, pleitear pela queda do capitalismo, sistema de produção baseado, justamente, na exploração incessante de recursos naturais. Por motivos óbvios, essa questão não está presente no discurso ambiental hegemônico (e nunca estará!). “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que imaginar o fim do capitalismo”, já diziam Fredric Jameson e Slavoj Zizek.
Portanto, tão importante quanto fomentar uma relação mais equilibrada entre homem e natureza é pensar sobre relações mais justas entre os próprios seres humanos. Lembrando o grande Chico Mendes: “Ecologia sem luta de classes é jardinagem”. Ou, no máximo, uma pauta para a classe média posar de “engajada”, “ativista” e “preocupada com o mundo”.
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Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor de dez livros, entre eles “A ideologia dos noticiários internacionais” (Editora CRV).