LUIZ CARLOS AZENHA

Com Cappelli, Lula desmonta arapuca do GSI, armada na Ditadura Militar

Para explicar é preciso relembrar um pouco da História. Criado em 13 de junho de 1964, o Serviço Nacional de Informações foi um dos maiores aparatos planetários de repressão.

Escrito em Opinião el
Completei 40 anos de trabalho como repórter de TV em 2020 e meio século de Jornalismo em 2022. Fui correspondente em Nova York por quase duas décadas, da TV Manchete, SBT e TV Globo. Colaborei com as redes CNN e CBC, dos Estados Unidos e Canadá. Colaborei com a Folha de S. Paulo e a rádio Jovem Pan. Fui o primeiro repórter a fazer uma entrevista improvisada com um líder da União Soviética, em Moscou, em 1988, e a conversa com Mikhail Gorbatchov no Kremlin foi notícia nas redes norte-americanas ABC, CBS e NBC, saiu no diário soviético Pravda e, apesar de transmitida pela TV Manchete, foi noticiada no Jornal Nacional, da concorrente TV Globo. Acompanhei de perto a Queda do Muro de Berlim, em 1989. Cobri os encontros dos líderes Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchov que levaram ao fim da Guerra Fria -- na Islândia, na URSS e nos EUA. Cobri o prelúdio das invasões militares do Panamá e do Iraque. Participei de coberturas de Copas do Mundo e Olimpíadas (Itália, França, Estados Unidos, Brasil) e fiz 100 transmissões ao vivo de provas de automobilismo na Fórmula Indy. Dirigi 52 edições do Programa Nova África, da produtora Baboon Filmes, exibido na TV Brasil. Ao longo da carreira, passei por Quênia, Moçambique, África do Sul, Botsuana, Namíbia, Gana, Serra Leoa, Guiné Bissau, Cabo Verde e Marrocos -- no total, trabalhei em mais de 50 países de cinco continentes. No início dos anos 2000, em Nova York, criei o site Viomundo, do qual me afastei no final de 2021 para me dedicar a outros projetos. Sou co-autor de vários livros, dentre os quais se destaca O Lado Sujo do Futebol, finalista do Prêmio Jabuti. No Brasil, atuei no Globo Repórter, especialmente em viagens pela Amazônia, ganhei o Prêmio Embratel de 2005, investigando o uso fraudulento de tratamentos com células tronco, em série que foi ao ar no Jornal Nacional e o Prêmio Esso de Telejornalismo, em 2013, com a série As Crianças e a Tortura, exibida no Jornal da Record. Recebi dias menções honrosas no Prêmio Vladimir Herzog. Fui finalista do Prêmio Esso com o documentário "Luta na Terra de Makunaima", da TV Cultura, e do Prêmio Gabriel Garcia Marquez, com série investigativa sobre médicos que se viciam com drogas de hospitais.
Com Cappelli, Lula desmonta arapuca do GSI, armada na Ditadura Militar
Augusto Heleno e Sérgio Etchegoyen, que ocuparam o comando do GSI. José Cruz/Agência Brasil

E Lula fez do limão uma limonada…

Com a nomeação de uma pessoa de extrema confiança do ministro da Justiça, Flávio Dino, para comandar o Gabinete de Segurança Institucional, o governo começa a desmontar uma verdadeira arapuca militar com a qual os governos pós-ditadura tiveram de conviver no miolo de seu coração.

Para explicar é preciso relembrar um pouco da História. Criado em 13 de junho de 1964, o Serviço Nacional de Informações foi um dos maiores aparatos planetários de repressão.

Não escrevo isso de ouvir dizer. Fazendo pesquisa para um livro que pretendo publicar, sobre a ação de agentes do SNI em uma pequena cidade, de importância relativamente pequena para o Brasil, constatei que o órgão coletava de maneira grosseira informações até mesmo sobre os mais próximos aliados da Ditadura Militar.

Os informes anônimos subiam na hierarquia do regime e podiam ser usados para extorquir os alvos politicamente: informação é tudo. 

O mentor de tal aparato foi o general Golbery do Couto e Silva, que já tinha a experiência de fichar inimigos usando uma entidade privada, a Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, IPES, que organizou dossiês de lideranças apoiadoras do governo de João Goulart antes do golpe de 1964.

O SNI tinha várias secretarias, assessorias e divisões para coletar informações inclusive dentro de órgãos estatais.

Não por acaso, dois ditadores saíram de dentro da estrutura do SNI: Emilio Garrastazu Médici e João Figueiredo. 

O SNI foi extinto pelo governo Collor, que criou um Departamento de Inteligência, comandado por um civil mas herdeiro dos arapongas que haviam servido à Ditadura.

Este breve hiato acabou logo depois do impeachment de Collor, quando Itamar Franco criou a Secretaria de Assuntos Estratégicos e indicou um militar para comandá-la, o almirante Mário César Flores. Itamar elevou o status do DI ao de Subsecretaria de Inteligência.

Foi o governo de Fernando Henrique Cardoso que transformou a subsecretaria em Agência Brasileira de Informações, subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional, órgão de caráter militar que ele próprio criou.

O GSI assumiu o papel dos gabinetes militares, mas com tarefas adicionais de arapongagem. Além de controlar a Abin, tem departamentos “de coordenação nuclear” e de “acompanhamento de assuntos aeroespaciais”, dentre várias outras atividades.

O GSI sempre foi comandado por um militar e adquiriu relevância destacada depois do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, que bancou a Comissão Nacional da Verdade.

O golpista Michel Temer indicou como chefe do GSI o general Sergio Etchegoyen, cujo pai e tio, que ocuparam cargos relevantes durante a Ditadura Militar, foram citados no relatório final da CNV como autores de “graves violações de direitos humanos”.

Etchegoyen até hoje é um ator relevante nos bastidores da caserna. Polemizou recentemente com o presidente Lula, depois que o ocupante do Planalto disse ter perdido confiança em parte das Forças Armadas.

“Ele sabe desde já que nenhum general vai convocar uma coletiva para responder à ofensa. Então isso é um ato de profunda covardia, porque ele sabe que ninguém vai responder”,  disse em entrevista.

No governo Bolsonaro, Etchegoyen foi substituído pelo general Augusto Heleno. Heleno é conhecido por suas posições de extrema-direita. O GSI teve um papel tão central no governo que o gabinete de Heleno no Planalto é o mesmo hoje ocupado pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que faz toda a articulação política do governo Lula

Ainda como comandante militar da Amazônia, protestou contra a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, dizendo que a política do governo Lula no setor era “lamentável”.

Os militares sempre mostraram ressentimento pela perda de influência em decisões relativas aos indígenas. Muitos propagam a fake news de que etnias que compartilham território em mais de um país, como os ianomâmis  — que vivem na Venezuela e no Brasil — eventualmente serão usados por ONGs para desmembrar o território nacional.

Heleno, é essencial recordar, foi ajudante de ordens do general Sylvio Frota, que nos anos 70 contestou abertamente a política do ditador Geisel de promover um processo de “abertura”, quando a economia brasileira enfrentava grave crise e a Ditadura caía pelas tabelas.

Para Frota e seu grupo, Geisel e a eminência parda do regime, Golbery do Couto e Silva, tinham tendências “socialistas”. Um dos apoiadores de Frota foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, de papel destacado no comando do maior centro de torturas instalado no Brasil e idolatrado por Jair Bolsonaro e família.

O general Heleno ainda hoje defende o golpe de 1964 e nutre algo próximo de ódio pela ex-presidenta Dilma, que promoveu a Comissão Nacional da Verdade. Chegou a dizer, num debate público, que a anistia política de 1979, assinada pelo ditador João Figueiredo, era responsável por levar uma “terrorista” ao Palácio do Planalto.

É neste contexto que precisamos entender a relevância de subordinar o GSI pela primeira vez a um civil, Ricardo Capelli, homem de extrema confiança de Flávio Dino.

Aponta na direção da desmilitarização do órgão, instalado no coração do Palácio do Planalto e sob suspeita de ter ajudado a promover a agitação que precedeu a tentativa de golpe do 8 de janeiro.

Desde a diplomação de Lula, em 12 de dezembro de 2022, quando bolsonaristas tocaram fogo em ônibus e tentaram invadir a sede da Polícia Federal em Brasília, uma fonte do colega Henrique Rodrigues vem alertando aqui mesmo na Fórum sobre o papel do GSI na agitação bolsonarista.

Existe a suspeita, inclusive, de que a tentativa de invasão da sede da PF seria retaliação de militares descontentes com as investigações da PF nas hostes bolsonaristas, sob o comando do Supremo Tribunal Federal.

A fonte do vazamento das imagens que derrubaram do GSI o general Gonçalves Dias, tido como aliado de Lula, permanece um mistério. A quem serviu?

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