E Lula fez do limão uma limonada…
Com a nomeação de uma pessoa de extrema confiança do ministro da Justiça, Flávio Dino, para comandar o Gabinete de Segurança Institucional, o governo começa a desmontar uma verdadeira arapuca militar com a qual os governos pós-ditadura tiveram de conviver no miolo de seu coração.
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Para explicar é preciso relembrar um pouco da História. Criado em 13 de junho de 1964, o Serviço Nacional de Informações foi um dos maiores aparatos planetários de repressão.
Não escrevo isso de ouvir dizer. Fazendo pesquisa para um livro que pretendo publicar, sobre a ação de agentes do SNI em uma pequena cidade, de importância relativamente pequena para o Brasil, constatei que o órgão coletava de maneira grosseira informações até mesmo sobre os mais próximos aliados da Ditadura Militar.
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Os informes anônimos subiam na hierarquia do regime e podiam ser usados para extorquir os alvos politicamente: informação é tudo.
O mentor de tal aparato foi o general Golbery do Couto e Silva, que já tinha a experiência de fichar inimigos usando uma entidade privada, a Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, IPES, que organizou dossiês de lideranças apoiadoras do governo de João Goulart antes do golpe de 1964.
O SNI tinha várias secretarias, assessorias e divisões para coletar informações inclusive dentro de órgãos estatais.
Não por acaso, dois ditadores saíram de dentro da estrutura do SNI: Emilio Garrastazu Médici e João Figueiredo.
O SNI foi extinto pelo governo Collor, que criou um Departamento de Inteligência, comandado por um civil mas herdeiro dos arapongas que haviam servido à Ditadura.
Este breve hiato acabou logo depois do impeachment de Collor, quando Itamar Franco criou a Secretaria de Assuntos Estratégicos e indicou um militar para comandá-la, o almirante Mário César Flores. Itamar elevou o status do DI ao de Subsecretaria de Inteligência.
Foi o governo de Fernando Henrique Cardoso que transformou a subsecretaria em Agência Brasileira de Informações, subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional, órgão de caráter militar que ele próprio criou.
O GSI assumiu o papel dos gabinetes militares, mas com tarefas adicionais de arapongagem. Além de controlar a Abin, tem departamentos “de coordenação nuclear” e de “acompanhamento de assuntos aeroespaciais”, dentre várias outras atividades.
O GSI sempre foi comandado por um militar e adquiriu relevância destacada depois do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, que bancou a Comissão Nacional da Verdade.
O golpista Michel Temer indicou como chefe do GSI o general Sergio Etchegoyen, cujo pai e tio, que ocuparam cargos relevantes durante a Ditadura Militar, foram citados no relatório final da CNV como autores de “graves violações de direitos humanos”.
Etchegoyen até hoje é um ator relevante nos bastidores da caserna. Polemizou recentemente com o presidente Lula, depois que o ocupante do Planalto disse ter perdido confiança em parte das Forças Armadas.
“Ele sabe desde já que nenhum general vai convocar uma coletiva para responder à ofensa. Então isso é um ato de profunda covardia, porque ele sabe que ninguém vai responder”, disse em entrevista.
No governo Bolsonaro, Etchegoyen foi substituído pelo general Augusto Heleno. Heleno é conhecido por suas posições de extrema-direita. O GSI teve um papel tão central no governo que o gabinete de Heleno no Planalto é o mesmo hoje ocupado pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que faz toda a articulação política do governo Lula
Ainda como comandante militar da Amazônia, protestou contra a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, dizendo que a política do governo Lula no setor era “lamentável”.
Os militares sempre mostraram ressentimento pela perda de influência em decisões relativas aos indígenas. Muitos propagam a fake news de que etnias que compartilham território em mais de um país, como os ianomâmis — que vivem na Venezuela e no Brasil — eventualmente serão usados por ONGs para desmembrar o território nacional.
Heleno, é essencial recordar, foi ajudante de ordens do general Sylvio Frota, que nos anos 70 contestou abertamente a política do ditador Geisel de promover um processo de “abertura”, quando a economia brasileira enfrentava grave crise e a Ditadura caía pelas tabelas.
Para Frota e seu grupo, Geisel e a eminência parda do regime, Golbery do Couto e Silva, tinham tendências “socialistas”. Um dos apoiadores de Frota foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, de papel destacado no comando do maior centro de torturas instalado no Brasil e idolatrado por Jair Bolsonaro e família.
O general Heleno ainda hoje defende o golpe de 1964 e nutre algo próximo de ódio pela ex-presidenta Dilma, que promoveu a Comissão Nacional da Verdade. Chegou a dizer, num debate público, que a anistia política de 1979, assinada pelo ditador João Figueiredo, era responsável por levar uma “terrorista” ao Palácio do Planalto.
É neste contexto que precisamos entender a relevância de subordinar o GSI pela primeira vez a um civil, Ricardo Capelli, homem de extrema confiança de Flávio Dino.
Aponta na direção da desmilitarização do órgão, instalado no coração do Palácio do Planalto e sob suspeita de ter ajudado a promover a agitação que precedeu a tentativa de golpe do 8 de janeiro.
Desde a diplomação de Lula, em 12 de dezembro de 2022, quando bolsonaristas tocaram fogo em ônibus e tentaram invadir a sede da Polícia Federal em Brasília, uma fonte do colega Henrique Rodrigues vem alertando aqui mesmo na Fórum sobre o papel do GSI na agitação bolsonarista.
Existe a suspeita, inclusive, de que a tentativa de invasão da sede da PF seria retaliação de militares descontentes com as investigações da PF nas hostes bolsonaristas, sob o comando do Supremo Tribunal Federal.
A fonte do vazamento das imagens que derrubaram do GSI o general Gonçalves Dias, tido como aliado de Lula, permanece um mistério. A quem serviu?