MODA E POLÍTICA

Estética nazista adotada pelo Batalhão Azov reforça discurso de Putin de desnazificar a Ucrânia

Símbolos ligados ao Terceiro Reich deixam Kiev e Otan em uma saia justa junto à opinião pública ocidental

Créditos: Getty Images - Batalhão Azov usa o Wolfsangel como insígnia
Escrito en OPINIÃO el

Na semana passada, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, participou de uma live de quatro horas que misturou perguntas do público e de jornalistas e o depoimento de militares na frente de batalha contra Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022.

O evento deu a largada para a campanha do líder russo para as eleições de 2024. Caso ele saia vitorioso, pode prorrogar sua presença no poder até 2030.

Entre os diversos assuntos abordados durante o evento on-line, como economia e política interna e externa, Putin disse que seu objetivo continua a ser a desnazificação da Ucrânia.

A Ucrânia é nazista?

A questão da presença do nazismo na Ucrânia é complexa e frequentemente envolta em narrativas políticas, o que requer a separação da realidade histórica do discurso político.

Para começar, é preciso considerar o contexto histórico. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Ucrânia foi um dos territórios ocupados pela Alemanha nazista.

Houve colaboradores ucranianos que se aliaram aos nazistas, motivados em parte pela oposição ao regime soviético. No entanto, também houve forte resistência e um movimento de partisans - movimentos de resistência à dominação alemã - significativo contra os nazistas na Ucrânia.

Após a guerra, a Ucrânia se tornou parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e o governo soviético promoveu a narrativa da Grande Guerra Patriótica em que enfatizou a resistência ao nazismo. A Ucrânia, como parte da URSS, adotou oficialmente essa visão.

Desde a independência da Ucrânia da URSS, em 1991, houve um esforço para reexaminar e redefinir a identidade nacional, o que incluiu uma avaliação mais complexa do papel da Ucrânia durante a Segunda Guerra Mundial.

Alguns grupos nacionalistas ucranianos, incluindo figuras controversas que lutaram tanto contra os nazistas quanto contra os soviéticos, foram celebrados por alguns como heróis nacionais.

No século 21 a Ucrânia emergiu como um destino significativo para extremistas de direita de todo o mundo, com relatos de quase quatro mil estrangeiros de mais de 35 países recebendo treinamento e participando em milícias na Guerra Civil Ucraniana em junho de 2020.

Batalhão Azov

O Batalhão Azov - uma milícia de extrema direita formada por diversos indivíduos com passado de atividade em organizações neonazistas - em particular, ganhou destaque e evoluiu de uma milícia para um movimento amplo com influência em todo o Estado ucraniano.

Além disso, o grupo estendeu sua influência pela Europa, com planos para estabelecer uma Legião Estrangeira Ucraniana. Este desenvolvimento marca um ponto de inflexão na dinâmica do conflito ucraniano e na influência da extrema direita na região.

Na política ucraniana, apesar da presença de grupos de extrema direita, eles representam apenas uma pequena minoria. Isso foi evidenciado nas eleições de 2019, quando candidatos e partidos de extrema direita, incluindo o Svoboda, não conseguiram atingir o limiar de 5% dos votos necessários para obter representação no parlamento.

Embora a ultradireita na Ucrânia não possua uma representação significativa no parlamento, sua influência política tem crescido nas ruas, afetando a classe dominante. Estes grupos têm desempenhado um papel cada vez mais influente nas decisões políticas do país.

Simbologia nazista na Ucrânia

Desde o início da guerra contra a Rússia, o governo ucraniano e aliados da Organização do Atlântico Norte (Otan) enfrentam críticas por imagens de soldados ucranianos com símbolos associados ao nazismo.

Em março de 2022, uma foto de um soldado do Batalhão Azov viralizou nas redes sociais por usar o Sol Negro, um dos símbolos associados ao nazismo que fazem parte da insígnia do grupo e cujo maior inimigo são os russos.

Wikimedia Commons - Sol Negro e Wolfsangel e foto viral Getty Images

Apesar dessa associação do Azov com o nazismo vir sendo apontada pelo Kremlin desde o início do conflito contra a Ucrânia, apenas em junho deste ano a imprensa ocidental deu o braço a torcer.

O jornal The New York Times, um dos mais renomados dos Estados Unidos, reconheceu a presença de emblemas nazistas nas forças armadas ucranianas. A reportagem destaca que a presença desses símbolos nos uniformes ucranianos pode reforçar a propaganda russa.

O jornal relembra que a "desnazificação da Ucrânia" foi uma das justificativas apontadas por Putin para a invasão, acusando grupos neonazistas ucranianos de perseguir a população de etnia russa no Donbas.

A matéria identificou símbolos como o Totenkopf, uma caveira com ossos cruzados, e o Sol Negro, ou Sonnenrad, ambos associados ao regime de Adolf Hitler e ainda populares entre grupos neonazistas e supremacistas brancos.

Outro símbolo nazista usado pelo Azov é o Wolfsangel, usado pela 2ª Divisão Panzer SS Das Reich.

Em junho deste ano, três fotos postadas e depois apagadas das redes sociais oficiais do governo de Kiev mostram soldados e trabalhadores de emergência com emblemas como a caveira e ossos cruzados e o Sol Negro.

X do governo da Ucrânia - Uma das três fotos apagada depois de pegar mal

Esses símbolos, usados por unidades nazistas, agora aparecem em uniformes militares ucranianos, levantando questões sobre sua interpretação.

O governo ucraniano jura que tenta combater a influência de grupos de extrema direita. O Ministério da Defesa do país, volta e meia reitera a condenação ao nazismo, enquanto luta para equilibrar a rejeição desses símbolos com o respeito por figuras consideradas heróis nacionais.

A questão continua delicada, com implicações para o apoio internacional à Ucrânia e para a interpretação histórica desses símbolos.

Estética do Terceiro Reich

Captura de tela: Arquitetura da Destruição

A estética nazista, associada ao regime do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nazista) liderado por Adolf Hitler na Alemanha entre 1933 e 1945, é um exemplo notório de como a arte e o design podem ser utilizados para propósitos políticos e ideológicos. Esta estética era caracterizada por vários elementos-chave:

  • Simbolismo: O símbolo mais reconhecido do nazismo é a suástica, uma antiga representação de boa sorte e prosperidade que foi cooptada pelo regime nazista e transformada em seu emblema central. A bandeira do partido era vermelha, com um círculo branco no centro, contendo a suástica preta.
     
  • Arquitetura: A arquitetura nazista, liderada por Albert Speer, era grandiosa e projetada para impressionar e intimidar. Era caracterizada por linhas retas, formas geométricas simples e massivas, e frequentemente utilizava materiais como pedra e aço. Essas construções eram destinadas a representar a força e a permanência do regime.
     
  • Arte e Propaganda: A arte nazista era uma ferramenta de propaganda que promovia os ideais do regime. Ela idealizava a figura do "ariano" como atlético, saudável e heroico. A propaganda era usada para reforçar a ideologia do partido, incluindo o antissemitismo e a glorificação do Führer (Hitler).
     
  • Cerimônias e Rituais: Os nazistas eram adeptos em orquestrar eventos de grande escala que combinavam cerimônia, teatro e ritual. Esses eventos eram cuidadosamente coreografados para exibir poder e unidade, e frequentemente incluíam desfiles militares e discursos inflamados.
     
  • Filmes e Fotografia: O regime utilizava filmes e fotografias como meios de propaganda. Filmes como "O Triunfo da Vontade" de Leni Riefenstahl, usavam técnicas cinematográficas avançadas para glorificar o regime e seu líder
     
  • Uniformes e Insígnias: O design dos uniformes nazistas era intencionalmente imponente, com cores escuras, insígnias elaboradas e muitas vezes incluindo símbolos do regime, como a águia e a suástica. Eles eram destinados a evocar uma imagem de ordem, disciplina e poder.

Esses elementos estéticos estão agora ligados às atrocidades do regime nazista, incluindo o Holocausto.

Namoro com nazismo além da estética

Além dos elementos gráficos, o governo de Kiev, mesmo antes da guerra com a Rússia, tomou medidas que remetem às adotadas pelo regime nazista. Como, por exemplo, a criminalização do comunismo.

Na Alemanha de Hitler, o Partido Comunista Alemão (KPD, da sigla em alemão) foi proibido no dia 15 de março de 1933. Na Ucrânia, em julho de 2015, antes da eleição de Volodymyr Zelensky, que passou a governar o país em maio de 2019, o parlamento aprovou uma legislação que proíbe a existência de partidos comunistas no país.

A medida afetou três partidos políticos e os impede de participar em eleições e de promover ideias ou símbolos. O nazismo, no entanto, a despeito do esforço discursivo do governo ucraniano, segue livre, leve e solto na Ucrânia.

Alguns meses após o início da guerra, em março de 2022, Zelensky adotou medidas drásticas contra partidos políticos de oposição e proibiu suas atividades por supostas ligações com a Rússia.

Além disso, o presidente ucraniano anunciou a consolidação dos canais de televisão do país sob uma única política de informação, efetivamente estabelecendo um controle governamental sobre a mídia. Bem ao estilo Joseph Goebbels, o infame ministro da Propaganda nazista.

Essas ações representam um passo significativo na restrição de opiniões políticas dissidentes na Ucrânia e na centralização do controle da informação.

Roupas militares x ternos sob medida

Desde que eclodiu a Guerra da Ucrânia, Zelensky aboliu o uso do tradicional terno e gravata e passou a vestir-se com um estilo que virou sua marca registrada arrematada pela barba, e que emite uma declaração política.

Ele optou pelo traje de cunho militar que usa em todas as suas aparições públicas. Os trajes bélicos de Zelensky são variações de um moletom ou camiseta, preto ou verde oliva, com o tridente ucraniano no peito, calças cargo e botas de trabalho.

O presidente ucraniano construiu a imagem de um soldado no campo de batalha e deixou de lado a de um chefe de Estado em missão diplomática. 

Em contraste com o ex-comediante, o presidente russo se apresenta como um czar moderno e planeja ficar no poder até 2030, superando o tempo de Joseph Stálin no Kremlin.

TASS (Alexander Kazakov) - Vladimir Putin em live 

Putin usa ternos feitos sob medida, e suas marcas preferidas são as italianas Kiton e Brioni. Os trajes são costurados do princípio ao fim pelo mesmo alfaiate: são horas de trabalho que resultam em um conjunto de, pelo menos, cinco mil euros (mais de 27 mil reais).

Ultimamente, o espectro de cores dos ternos do líder tem se limitado a preto, azul escuro e tons cinzentos.

Como na live de quatro horas de duração da semana passada que marcou o início da campanha dele à reeleição em 2024 e quando reiterou o aviso de que quer desnazificar a Ucrânia.