Todo conflito militar está sujeito à chamada "lei das consequências indesejadas".
As desejadas por Washington e seu principal aliado, Tel Aviv, são conhecidas: enfraquecer governos que se opõem aos interesses dos Estados Unidos, normalizar relações de Israel com estados árabes e inviabilizar um estado palestino soberano que seja digno do nome, deixando a causa palestina no campo da retórica.
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Um bom exemplo para as indesejadas é a ocupação do Iraque pelos Estados Unidos, que contrariando os interesses de Washington fortaleceu o Irã, gerou milícias como o Estado Islâmico e, combinada com as guerras subsequentes na Líbia e na Síria, desestabilizou o Oriente Médio e o norte da África.
A "Guerra contra o Terror", declarada por George W. Bush, com a identificação de Iraque, Irã e Coreia do Norte como o "eixo do mal", agora tem sua reprise no discurso do primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.
Netanyahu já fez duas citações religiosas sobre Amaleque em falas recentes. De acordo com textos bíblicos, Amaleque atacou os israelitas quando estes se dirigiam à Terra Prometida.
No livro de Samuel, dirigindo-se a Saul, ele diz:
Ele [Deus] castigará os amalequitas porque eles lutaram contra os israelitas quando estes vieram do Egito. Vá, ataque os amalequitas e destrua completamente tudo o que eles têm. Não tenha dó nem piedade. Mate todos os homens e mulheres, crianças e bebês, gado e ovelhas, camelos e jumentos
A guerra eterna pregada por Bush Jr. [evangélico que dizia conversar com Deus] e Netanyahu, com tons religiosos, terá suas consequências indesejadas como todos os outros conflitos.
Todas as seis forças que se reuniram para lutar contra Israel agora, por exemplo, nasceram de conflitos anteriores em que Estados Unidos e Israel se envolveram para impor sua hegemonia sobre os palestinos e outros povos do Oriente Médio.
Uma das consequências destas guerras foi acabar com a hegemonia do chamado "nacionalismo árabe" na região, que era secular e teve como herdeiros do egípcio Gamal Abdel Nasser os líderes do Iraque e da Síria, Saddam Hussein e Hafez al-Assad.
Os grupos políticos de extração religiosa, muito menos dispostos a negociar, estão em ascensão no vácuo deixado pelos nacionalistas.
Confira:
Hamas
O Movimento de Resistência Islâmica, cujo braço armado é conhecido como as Brigadas de Qassam, foi fundado em 1987 por um líder religioso da Palestina sob ocupação, Ahmed Yassin.
É de extração sunita e ganhou força política denunciando seus adversários seculares do Fatah e de outros grupos que formavam a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), de Yasser Arafat.
O Hamas foi contra os acordos de Oslo, pelos quais a Autoridade Palestina foi criada a passou a colaborar com Israel na repressão aos palestinos. Isso e mais a corrupção levaram o Hamas a uma vitória inesperada nas eleições de 2006, organizadas e monitoradas pela União Europeia.
O Hamas jamais pode assumir o controle da Autoridade Palestina, mas depois de uma breve guerra civil ficou com o controle de Gaza. O primeiro ministro Benjamin Netanyahu chegou a tolerar o crescimento do Hamas por acreditar que isso dividiria os palestinos.
O grupo recebeu financiamento e tem alguns de seus principais líderes instalados no Catar. Seu principal rosto político é Ismail Haniyeh, que nasceu em um campo de refugiados palestinos. Ele cumpriu pena de três anos de prisão em Israel. Já foi primeiro-ministro da Autoridade Palestina sob Mahmoud Abbas.
Em 2017, o Hamas mudou seu estatuto para aceitar a "solução dos dois estados".
Hezbollah
Foi fundado depois da Guerra do Líbano de 1982, batizada por Israel de Operação Paz para a Galileia. A guerra, que durou três anos, teve como objetivo enfraquecer a OLP de Yasser Arafat, então sediada em Beirute.
Israel se aliou a grupos políticos locais, conseguiu expulsar a OLP para a Tunísia, acabou com a influência da Síria no Líbano e instalou um governo pró-Tel Aviv sob o presidente cristão Bachir Gemayel, logo assassinado.
O Hezbollah foi formalizado em 1985 a partir de líderes religiosos xiitas que haviam estudado em Najaf, no Iraque.
O grupo passou a fustigar a ocupação israelense no Sul do Líbano, que durou até 2000. A retirada de Israel fortaleceu o Hezbollah, cuja ala política é o Bloco Lealdade à Resistência, que tem direito a dois ministérios no governo do Líbano.
O partido tem 15 dos 128 assentos no Parlamento local. Lutou na guerra civil da Síria em defesa do governo de Bashar al-Assad.
Jihad Islâmica Palestina
Grupo militante fundado em 1981 sob forte influência da Irmandade Muçulmana, surgida no Egito.
A Jihad tem presença tanto em Gaza quanto na Cisjordânia, especialmente nas cidades de Hebron e Jenin. Bem menor que o Hamas, tem um histórico de ataques suicidas contra Israel. Seu líder, Ziyad al-Nakhalah, nasceu em Gaza.
Já foi condenado à prisão perpétua em Israel e libertado em uma troca de prisioneiros. Seu paradeiro exato é desconhecido. O braço militar da Jihad é conhecida como Brigadas Quds.
Hutis
Movimento político formado depois da reunificação do Iêmen nos anos 1990 do século passado, em torno de um clã do mesmo nome, de xiitas da vertente zainista.
Depois da chamada "revolução iemenita" que acompanhou a Primavera Árabe, envolveu-se numa guerra civil que provocou a intervenção da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.
A intervenção teve apoio dos Estados Unidos.
Os hutis controlam hoje quase todo o território que um dia foi do Iêmen do Norte, inclusive a capital Saná.
Apesar de ser um grupo religioso -- Partidários de Deus é seu nome oficial --, tem um discurso nacionalista que condena a intervenção da vizinha Arábia Saudita nos negócios internos do Iêmen.
Com drones e foguetes improvisados e outros tantos fornecidos indiretamente pelo Irã, os hutis conseguiram bombardear alvos distantes, como Abu Dhabi, a quase 1.500 km.
Já despacharam uma onda de drones e foguetes contra o balneário de Eilat, o "paraíso israelense do Mar Vermelho", todos interceptados.
Brigadas Imã Hussein
Milícia que reuniu combatentes iraquianos e sírios durante a guerra civil na Síria, em 2017. Seus soldados se autodenominam Leões da Quarta Divisão, por terem se incorporado ao Exército da Síria.
As Brigadas já atacaram a guarnição dos Estados Unidos em Al-Tanf, que fica na rodovia entre Bagdá e Damasco. Israel diz que a milícia está atuando no Líbano.
Os EUA tem presença nos campos de petróleo da Síria. Em agosto do ano passado, o Ministério do Petróleo da Síria acusou os Estados Unidos e seus aliados locais de desviarem 80% do petróleo produzido no país.
Washington mantém forças na região petrolífera de Deir Al-Zour, onde existe uma planta da multinacional Conoco.
Donald Trump famosamente comentou a respeito:
Estamos mantendo o petróleo [da Síria]. Nós temos o petróleo. O petróleo está seguro. Deixamos tropas para trás apenas pelo petróleo
Resistência Islâmica no Iraque
O grupo surgiu em 2004, depois da ocupação do Iraque pelos Estados Unidos. É um grupo sunita que teria ligações informais com a Guarda Revolucionária do Irã. Dedica-se exclusivamente a combater a presença estadunidense no Iraque.
Já usou drones e foguetes contra bases militares de Washington. Apesar de terem formalmente se retirado do Iraque, os EUA mantém cerca de 2.500 homens no país.