O mundo está cheio de coisas ruins acontecendo. Pensei em – sem perder a consciência nem a indignação – aliviar um pouco os pensamentos, escrevendo umas coisas leves. E o que saiu? Um monte de coisinhas pequenas, mas nem tão refrescantes assim. Aí vão.
Trabalhar de casa! Ô, expressão que me dói no ouvido. Esse “de casa” é coisa de gringo, imitada pelo que antigamente chamavam de macacobrás, um pessoal que em vez de falar como os brasileiros sempre falaram decide imitar a fala gringa. O termo macacobrás não é mais usado, mas a conduta macacobrás está cada vez mais forte. Vão substituindo tudo quanto é palavra da língua portuguesa por uma traduzida do inglês e exigem que seja assim. Mas voltemos ao início... Sempre falamos aqui “trabalhar em casa”. Veio a Covid, uma maldição, e muita gente teve que trabalhar “em casa”, mas pegou outra maldição, a expressão “trabalhar de casa”.
Mim ou eu? Ouço cada vez mais até gente estudada falando “pra mim fazer”, em vez de “pra eu fazer”. Também dói no ouvido. Mas tem outra situação em que “mim” é considerada por linguistas palavra certa, ao contrário de “eu”. “Entre mim e ele”... Falar ou escrever “entre eu e ele” é errado, dizem os donos do idioma. Pra evitar isso, preferi sempre dizer “Entre ele e eu”, mas li de um especialista que isso também é errado, tem que ser “entre ele e mim”. Um horror.
Agora uma coisa importada, que acho que não é da gringolândia, mas de países de língua espanhola da América Latina. Não tenho certeza, mas é uma palavra que comecei a ouvir de ex-exilados que voltavam quando a ditadura acabou. Não usavam a palavra “líder”, achando que isso era dar poderes a alguém, um líder sindical, por exemplo. Queriam abrandar a força do líder e falavam “liderança”. Um sinal de “modéstia”. Assim: “Fulano é uma liderança metalúrgica”. Ora! Liderança é função do líder, capacidade de liderar. Líder é líder, gostemos dele ou não. Liderança é o que ele exerce.
Na mesma linha, tem umas coisas que eu acho ridículas. “O Palácio do Planalto emitiu nota...”. Palácio escreve, fala? Quem mora no palácio, seja do Planalto, dos Bandeirantes, do Catete ou cacete a quatro é que fala ou escreve, emite notas. Jornalistas são especialistas em falar essas besteiras, tanto do palácio que escreve ou fala quando da liderança sem líder. Aliás, colunistas também dão uma de modestos e não dizem que é deles alguma previsão ocorrida, dizem “a coluna” previu. E deputados? Muitos também são assim: eles não propõem nem falam nada, é “o mandato” é que propõe ou fala.
Já que falei em palácio falante, mas prefiro dar o nome aos bois, revelar que é seu ocupante que fala, escreve, aprova leis, decide... uma coisa que nunca vou “perdoar” o Lula é por ter assinado o (des)acordo ortográfico que acabou com o trema e uns outros acentos. Uma coisa que só veio para atrapalhar, e na minha cabeça ficou a imagem que aquilo serviu só para dar lucro a certas editoras poderosas. Agora quase não se usa mais dicionário impresso, mas na época era usado direto. E nas escolas, por exemplo, não podiam manter dicionários com a ortografia antiga. Quantos milhões foram gastos para substituir todos eles? Os burocratas da língua, para justificar o acordo maldito, diziam que era para unificar a língua portuguesa em todos os países lusófonos, mas os demais países não embarcaram nessa, ficou uma coisa ridícula. E diziam também que o trema só existia em português, então era uma coisa sem sentido (a macacobrás sofisticada, letrada...). Mas é pura mentira. Veja em francês: tem trema em cima do i, para que ele seja pronunciado como i em português. Exemplos: Arte naïf, Anaïs Nin. Sem trema, seriam pronunciados “néf” e “Ané”. E em alemão tem trema em cima do o, por exemplo: Köller. Muitas outras línguas têm disso e, se fosse pra valer isso não ter sentido um acento porque não existe em outras línguas, pelo que sei só em espanhol tem ñ – n com til. E vá falar pros espanhóis que eles têm que parar com isso, porque nas outras línguas não tem! – Então, acho imperdoável o fato do Lula ter aprovado essa trolha, e o governo da Dilma ter referendado. Por isso, por mais que aprove o governo Lula em outras questões, nessa questão vou continuar xingando os dois (Lula e Dilma). Fora o trema, lindíssimo e necessário, tem a retirada do acento agudo de muitas palavras em que ele é necessário também. Eu que de vez em quando escrevo livros com diálogos caipiras, não poderia também usar acento nas palavras véio e véia, por exemplo. Mas se escrevo veio, pode ser de ouro, se escrevo veia pode o troço por onde passa o sangue. Vejam um poeminha besta que escrevi só para falar mal disso: “O véio achou um veio / E com esse ouro custeia / O que a véia injeta na veia”.
Fora esses exemplos de coisas que acho imbecis (uma pequena mostra, são muitas), tem os exageros do politicamente correto, que grande parte da esquerda assume e que só ajuda a nos derrotar. Não que não sejam importantes, mas vão se tornando exclusividades, em prejuízo de outras coisas importantes. Ao privilegiar causas identitárias, deixando em segundo, terceiro ou último plano coisas como questões de classe social, parece que pensam que só essas causas identitárias interessam. E haja exagero!
Muito antes disso, num tempo em que eu era um dos editores do jornal Brasil Agora, do PT, escrevi nele um texto em que falava de um cara que era a ovelha negra da família. Em que sentido? A família era um bando de merdas e ele era diferente, algo totalmente positivo. Mas recebi crítica pesada de um cara que acho que era um bobalhão, dizendo que eu era racista. Escreveu xingando e respondi a ele para olhar o contexto em que a expressão era usada e o significado dela nesse contexto. Não adiantava. Na época, concluí: se gente como essa que dizia representar a causa do movimento negro não sabia nem quem era inimigo dela, a coisa ia mal.
Ah, no jornal Versus, fomos pioneiros em oferecer ao Movimento Negro Unificado um espaço de quatro páginas por edição, que ele mesmo editava sem ter que dar satisfação a nós. Eu era amigo de um grande militante do movimento, Hamilton Cardoso e entusiasta da causa. Apoiei essa proposta e defendi enquanto permaneci no jornal. Bom, nem vou entrar no assunto da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco (que gostei muito da nomeação) se referir a “buraco negro” como expressão racista.
Junte-se a isso, proibições de dizer que alguém é gordo, é velho, é cego, é surdo, é baixo... Para falar uma frase em alguns lugares, achando que não se está agredindo ninguém, é preciso muito cuidado, medir as palavras. Cego? Vixe! É deficiente visual. Surdo? Deficiente auditivo. Deficiente físico há muito é proibido. Uma amiga (que não tinha nenhuma deficiência, mas mantinha o linguajar politicamente correto sempre nos trinques) exigia que se falasse de acordo com ela. Então, um dia falei de cadeirante. Ela deu bronca: isso não pode mais. Usou uma expressão substituta que nem me lembro, acho que não pegou.
Enfim... Quis refrescar um pouco a cabeça, ocupada demais com o genocídio dos palestinos e outras desgraças, mas em vez de um texto brincalhão saiu isso. Tá difícil.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.