Hoje, comemoramos um marco extraordinário na história do Brasil: os 35 anos da promulgação da nossa atual Constituição Federal, ocorrida em 5 de outubro de 1988. É a Carta Magna que simboliza a consolidação da democracia e o início de uma era de direitos, deveres e cidadania que dignificou o país. Como militante que estive me manifestando na Constituinte e depois deputado federal por quatro mandatos (de 1999 a 2015), tendo militado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, presidindo-a em 2012, relembro esse fato histórico e destaco os marcos que a "Constituição Cidadã" trouxe para o Brasil.
Para compreender o verdadeiro significado da Constituição de 1988, é fundamental fazer um contraponto com a tradição autoritária do País e o período sombrio que a antecedeu: a ditadura militar que perdurou no Brasil de 1964 a 1985. Durante esses anos, vivemos sob o jugo de um regime autoritário que cerceou nossas liberdades civis, restringindo a liberdade de imprensa e suprimindo a participação política dos cidadãos, especialmente dos trabalhadores. O Brasil mergulhou em um cenário de repressão, censura e anulação dos direitos humanos, muitos mortos e ‘desaparecidos políticos’.
A transição para a democracia, que culminou com a promulgação da Constituição de 1988, foi um momento de luta renhida. Foi o momento em que conquistamos as bases de um país democrático, onde os direitos individuais e coletivos deveriam ser respeitados e protegidos.
O constituinte Ulysses Guimarães – Presidente da Assembleia Nacional Constituinte –, em seu pronunciamento na sessão solene de promulgação da Constituição de 1988, destacou que a participação popular na elaboração da atual Carta Magna não se deu somente por meio das emendas, mas também:
“... pela presença, pois diariamente cerca de dez mil postulantes franquearam, livremente, as onze entradas do enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, Comissões, galerias e salões. Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiras, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar.”
A "Constituição Cidadã" não apenas marcou o fim de uma era de autoritarismo, mas também estabeleceu os fundamentos para uma sociedade mais justa e inclusiva. Ela garantiu uma série de direitos fundamentais para a população brasileira, pelos quais continuamos a lutar, 35 anos passados:
1. Direitos Fundamentais: A Constituição garantiu direitos civis e democráticos essenciais, especialmente em seu Artigo 5º. Esse dispositivo merece ser lido frequentemente por todos os brasileiros e brasileiras e ensinado nas escolas de todos os níveis.
2. Educação e Saúde: A Constituição assegurou o direito à educação de qualidade e à saúde como direitos de todos os brasileiros. Isso resultou na expansão do acesso à educação e ao sistema de saúde, melhorando as condições de vida de milhões de pessoas. Seguramente podemos afirmar que o SUS é filho dileto da Constituição. A luta pela efetividade desses direitos prossegue no dia a dia das nossas mobilizações.
3. Igualdade e Combate à Discriminação: A Constituição promoveu a igualdade de gênero, racial e étnica, combatendo a discriminação em todas as suas formas. Ela sinalizou para políticas de ação afirmativa para corrigir desigualdades históricas.
4. Democracia e Estado de Direito: A Constituição consolidou o Brasil como um Estado democrático de direito, com eleições livres e justas, o voto secreto e universal, a independência dos poderes e a proteção das instituições democráticas.
5. Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável: A Constituição reconheceu a importância da preservação do meio ambiente e afirmou uma base legal para políticas de desenvolvimento sustentável.
Além desses benefícios essenciais, a Constituição Federal de 1988 apresenta alguns pontos altos que merecem destaque, como a participação cidadã, permitindo que os brasileiros exerçam seus direitos de maneira ativa e responsável. Como dissemos e fazendo eco às palavras de Ulysses Guimarães antes citadas, ela é a Constituição Cidadã de fato e por direito.
Distribuiu a independência entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, garantindo um sistema de freios e contrapesos. Em nenhum momento seria conspurcada pela tresloucada tese de um deformante ‘poder moderador’ como queriam muitos golpistas há bem poucos meses passados
Definiu disposições para proteger grupos vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas com deficiência. Apenas para ilustrar, a histórica decisão nas ultimas semanas de nossa Suprema Corte de rejeitar a tese do Marco Temporal para as terras de nossos povos indígenas teve como ponto de partida e também de chegada o texto constitucional.
A Constituição consolida o sistema federativo, estabelecendo a cooperação entre os entes federativos (União, estados e municípios) para promover o bem-estar de todos.
À medida que celebramos essas três décadas e meia da Constituição de 1988, é fundamental lembrar a "Constituição Cidadã" é um documento vivo, pulsante, que precisa ser constantemente defendido e atualizado para atender às necessidades de nossa sociedade em constante evolução.
Neste momento importante de reflexão e celebração, não será demais recordar os princípios fundamentais que a Constituição representa: liberdade, igualdade, justiça e democracia. Comprometemo-nos a manter esses valores vivos em nosso cotidiano e a participar ativamente na construção de um Brasil melhor para esta e para as gerações futuras.
Devemos ser francos e reafirmar que, a despeito das diretrizes legais que compõem nossa Carta Magna, o Brasil segue sendo um país desigual, violento e com grande parcela da população sem alcançar plenamente os direitos constitucionais. Nossa luta é para que cada letra do texto promulgado há 35 anos seja fato e não mero dispositivo legal.
Olhamos para trás para a Constituição que moldou nossa democracia e olhamos para o futuro com esperança de que, juntos, construiremos um país mais justo, igualitário e livre para todos os brasileiros.
*Ricardo Berzoini é ex-presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, ex-presidente da CCJC e deputado federal, além de ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT).
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.