CARLOS CASTELO

Carne, casamento e tantas outras histórias igualmente difíceis de digerir

Tempos terríveis narrados com imensas minúcias e sem indulgência no humor de Carlos Castelo

Granadas.Créditos: Rawpixel
Escrito en OPINIÃO el

§ No Nordeste do Brasil ainda há uma triste tradição. A daquele membro de uma família que, por uma razão qualquer, acaba matando um membro de outra família. A vingança entre eles pode durar décadas. E, infelizmente, em certos casos, não terminar nunca. É o que acontece entre israelitas e palestinos. Primos se extinguindo. O dilema já dura lustros. Em 2019, o redentor até apareceu em Israel. Mas, diferentemente do que se previa, a ida parece ter piorado a triste tradição genocida. É que o Messias que foi por lá era do tipo errado.

§ Dia desses, me veio uma saudade. Daquele homem santo, crucifixo pousado sobre a sotaina escura. A cabeça semelhante a uma estátua de Dante. Nela, sempre o apetrecho semelhante a um boné de mano, mas com minúsculos ornamentos mostrando que estávamos diante de um objeto sagrado. Como faz falta ao debate político, em especial ao debate político de teor humorístico, a presença daquele diácono de Deus. Mas a vida infelizmente é assim. Os maus ficam pela aí, por lustros. Os bons são cometas. Passam voando, destroem partes enormes de planetas, e voltam para o desconhecido. Vai, padre Kelmon, ser papagaio de pirata do Messias na vida.

§ Você teve aquele dia cheio. Tão cheio de pepinos e abacaxis que está sentindo acidez no estômago. No final do período, procura se recompensar com alguma indulgência. Não, não vai cozinhar, muito menos lavar louças. Vai é no seu restaurantezinho italiano ‘del cuore’ comer uma massinha que conforte a alma. Senta-se na mesinha de canto, como de costume. Ordena uma taça de vinho. Depois de um tempo, chegam os dois homens na mesa contígua. Um idoso, outro quarentão. O maduro começa a falar alto sobre as complicações de um câncer de próstata. Em detalhes mais do que cirúrgicos. O rapaz escuta, entre compungido e boquiaberto. Para ser solidário, o moço passa a dar detalhes, em voz ainda mais grandiloquente, de seu calvário com as hemorroidas. Enquanto meu fettuccine esfria, faço uma anotação mental: no próximo dia difícil, ficar lendo Nelson Rodrigues em casa.

§ Deu nas redes. Um homem de 49 anos sofreu uma parada cardiorrespiratória após se engasgar com uma coxinha em São Bento do Sul, em Santa Catarina. O fato me fez recordar uma antiga passagem. Eu estava em um casamento numa cidade do interior paulista. Festa humilde, cerveja, espetinhos de alcatra e linguiça. A prometida, em certo momento, se desvencilhou de suas funções matrimoniais e pegou um espetinho. Comeu afoitamente, foi ficando rubra, e não conseguia mais respirar. Como eu estava bem a seu lado, com a ajuda dos dois padrinhos, virei a noiva de cabeça para baixo. Nesse momento, ajudada por uma mãozada da sogra nas costelas, a moça lançou a alcatra a duas jardas do arraial. Para mim, o episódio mostrou exemplarmente como carne e casamento são igualmente difíceis de digerir.