OPINIÃO

Lula não fala do aborto feito por mulheres ricas que votam em Bolsonaro

Tampouco Lula fala para homens como Jair Bolsonaro, que diante da hipótese do aborto em seus relacionamentos, terceirizaram covardemente a decisão para a mulher.

Lula. No detalhe, o casamento com a primeira esposa, Lourdes.Créditos: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
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Sempre fui contra o aborto. E sempre deixei isso bem claro. No entanto, nunca me retirei do debate por entender que o tema diz mais sobre saúde pública e desigualdade social do que sobre escolha pessoal.

Em uma de suas três relações em que teve filhos, Jair Bolsonaro (PL) se deparou ao menos uma vez com a possibilidade de interromper uma gravidez. 

Em 1997, quando mantinha um caso extraconjugal com Ana Cristina Valle - que viria chefiar o gabinete de Carlos Bolsonaro anos depois, onde teria implantado o esquema de corrupção das rachadinhas -, o atual presidente se deparou com uma gravidez indesejada.

À época, Ana Cristina era casada com o capitão Ivan Mendes, que desferiu um soco na cara de Bolsonaro quando soube do caso - conto essa história aqui

A gravidez indesejada fez com que Bolsonaro deixasse o lar que mantinha com Rogéria Nantes - mãe de Carlos, Flávio e Eduardo - para morar com Ana Cristina, que se separou do marido capitão.

Em entrevista à revista IstoÉ em 2000, Bolsonaro falou que a possibilidade de aborto de Jair Renan foi cogitada na ocasião.

Covarde, ele disse considerar que "tem de ser uma decisão do casal". E emendou: "Passei para a companheira. E a decisão dela foi manter. Está ali, ó", afirmou, mostrando Jair Renan, então com 1 ano e meio.

Lula não fala da decisão sobre aborto de Bolsonaro

Disputando pela sexta vez uma eleição presidencial, Lula foi novamente atacado pela máquina de fake news  por se posicionar sobre o tema - inclusive com críticas internas do PT e de aliados, fazendo coro às distorções também da mídia liberal, que não perde uma oportunidade de disparar contra o petista.

Ao contrário de Bolsonaro, Lula sempre enfrentou o tema com coragem. Antes de entrar na política, o ex-presidente teve que enfrentar um dos momentos mais difíceis da sua vida ao receber a notícia da morte de sua primeira esposa, a mineira Lourdes, que faleceu quando estava grávida do primeiro filho do casal, que também "nasceu morto", como foi lhe dito pelo médico.

Lula também passou por um situação parecida com a de Bolsonaro. Ao conhecer Marisa, ex-primeira-dama, soube que a ex-namorada, Miriam Cordeiro, estava grávida de Lurian. Assim como fez com Marcos Cláudio, filho do primeiro casamento de Marisa - que ficou viúva quando estava no sexto mês da gestação -, Lula a acolheu e construiu uma grande família. E com Marisa ficou até o fim.

Ao se posicionar sobre o aborto, em mais uma das milhares de explicações, Lula citou a família e se colocou, como sempre, contrário ao aborto. "Eu tenho cinco filhos, dezoito netos e uma bisneta. Eu sou contra o aborto", disse. E emendou: "mesmo eu sendo contra o aborto, ele existe".

E, de forma corajosa, colocou sua posição - a mesma que mantém por toda a vida: "o aborto deve ser tratado como uma questão de saúde pública".

Lula ainda citou um caso que conheceu, de uma mulher que que teria tentado o aborto perfurando o útero com uma agulha de tricô, e falou da "seletividade" no Brasil.

"Quando ele se dá em uma pessoa que tem um poder aquisitivo bom, essa pessoa procura uma clínica boa, quem sabe viaja até para o exterior e vai se cuidar, se tratar. E uma pessoa pobre?", indagou, respondendo em seguida.

"O Estado tem que dar atenção a essas pessoas pobres que por 'n' razões abortam. E o Estado tem que cuidar. É apenas uma questão de bom senso: por mais que a lei proíba e a religião não goste, ele existe. E muitas mulheres são vítimas disso".

Acolher sem julgar. E ponto. E aos cristãos deixo a pergunta: não é isso que o próprio Cristo pregava?

Lula não fala de aborto para hipócritas que adulam Bolsonaro. Também não fala para mulheres ricas que podem praticar o aborto sem comprometer as próprias vidas - e depois são seduzidas pelo discurso conservador do bolsonarismo.

Tampouco Lula fala para homens covardes como Jair Bolsonaro, que diante da hipótese do aborto em seus relacionamentos, terceirizam a responsabilidade e a decisão para a mulher.

Lula fala do aborto na defesa de mulheres que muitas vezes são vítimas de "estupros consentidos" em relações patriarcalistas, em uma cultura machista e misógina do país - muitas vezes com a anuência de religiões que criticam o aborto.

Mulheres que, muitas vezes, não tiveram oportunidade e informação de como se prevenir ou foram coagidas a não usar métodos contraceptivos por esses mesmos pastores. 

Lula fala para mulheres em desespero, que muita vezes recebem a notícia de uma gravidez indesejada e precisam tomar a decisão mais difícil de suas vidas por não terem como sustentar ou, de alguma maneira (sem julgamentos), levar adiante essa gestação. Muitas vezes por essas crianças serem filhas de pais covardes e/ou ausentes.

Lula antecipa acertadamente o debate sobre o aborto para que milhões de brasileiros não caiam numa discussão rasa e eleitoreira às vésperas de irem às urnas e sejam comovidos por fake news criadas para destruir reputações e eleger hipócritas covardes como Bolsonaro, que usam uma questão de saúde pública para manipular e chegar - ou se manter - no poder.

Lula acerta: aborto é uma questão de saúde pública e, como tal, deve ser debatida desde sempre na sociedade - e não distorcida em templos e campanhas eleitorais.

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