ELEIÇÕES NA FRANÇA

De Mitterrand a Macron: a decadência da esquerda francesa, por Emir Sader

O chavão do caráter extremamente politizado da França não corresponde à realidade. A própria participação política foi a menor em muito tempo

Emmanuel Macron.Créditos: Reprodução de Vídeo
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O auge da esquerda francesa ocorreu durante a década e meia do governo de Francois Mitterrand. No seu primeiro período de governo, entre 1981/1982, ele implementou o tradicional programa da esquerda francesa do segundo pós-guerra: nacionalizações, fortalecimento do Estado, implementação de políticas sociais.

Mas aquele momento já coincidia com o surgimento vigoroso do neoliberalismo. Seu governo sofreu ataques duros da dupla Thatcher/Reagan e acabou cedendo. Já no seu segundo ano de governo, Mitterrand inaugurou a modalidade dos governos social-democratas que incorporam o neoliberalismo. Modelo que logo foi seguido pela Espanha de Felipe González e que depois se estendeu para a América Latina.

Começo da decadência

Aquele auge foi também o começo da decadência da esquerda francesa, descaracterizada por essa guinada de Mitterrand. Depois de protagonizar as grandes disputas eleitorais, a esquerda terminou deslocada. Já em uma eleição anterior, a esquerda terminou votando em Jaques Chirac, ao ficar fora do segundo turno, tratando de evitar a vitória de Le Penn.

A extrema-direita francesa passou a fazer a crítica da União Europeia e o euro como moeda única. Ocupou assim o lugar que poderá ter sido o da nova esquerda europeia, que não teve força suficiente para disputar eleitoralmente à direita.

Com a social-democracia descaracterizada, as polarizações eleitorais passaram a excluir a esquerda, situação que começou a se reproduzir como regra. De novo, nestas eleições, embora com um desempenho mais favorável da esquerda, com a candidatura de Mélenchon e a votação mínima da socialista Annie Hidalgo e do candidato comunista, a esquerda francesa se vê de novo diante da necessidade de votar por Macron para seguir evitando a vitória de Le Penn.

O centro na disputa

A França, que já foi, nas palavras de Engels, o laboratório de experiências políticas, encara a disputa política central, uma vez mais, na polarização entre uma candidatura de centro-direita e a da extrema-direita. A esquerda francesa de novo está ausente do segundo turno das eleições presidenciais.

Macron deve ser reeleito com os votos de Mélenchon, que disse que consultaria seus eleitores, mas já adiantou que tem claro em quem ele nunca votaria. Macron se candidata a superar o tempo de Mitterrand e de Chirac na presidência da França.

Le Penn se recuperou na reta final da campanha, moderando algumas das suas posições. Mélenchon também teve um bom desempenho no final da campanha, com grandes concentrações de massa nos seus comícios. Chegou aos 20%, mas não conseguiu superar Le Penn e terá que se definir em função da polarização entre centro-direita e extrema-direita.

O chavão do caráter extremamente politizado da França não corresponde à realidade. A própria participação política foi a menor em muito tempo.