Quatro organizações de defesa dos direitos humanos uniram forças para ir à Organização das Nações Unidas (ONU) e denunciar os impactos da desigualdade fiscal sobre as mulheres. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a Tax Justice Network, a Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe e a Latindadd produziram em conjunto um relatório que será apresentada na próxima reunião do Cedaw (Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, na sigla em inglês), comitê que mede o comprometimento de um país com os direitos das mulheres.
A Cedaw, é um tratado internacional adotado pela ONU em 1979 com objetivo de eliminar a discriminação contra as mulheres e promover a equidade de gênero. Estabelece uma agenda de ações para os países membros de garantia de direitos em áreas como educação, emprego, saúde e participação política. O Brasil ratificou a Cedaw em 1984.
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Periodicamente o comitê monitora a implementação da convenção e o Brasil é o próximo da lista ainda neste mês de maio. Em virtude disso, as quatro organizações querem alertar o órgão da ONU que o governo não mencionou a questão da justiça tributária em seu relatório.
“Essa temática é fundamental no campo da promoção dos direitos de mulheres e meninas, principalmente das mulheres e meninas negras”, afirma Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.
Segundo ela, na medida em que o sistema tributário nacional se concentra no consumo – e não sobre a renda –, são as pessoas mais empobrecidas as que pagam um imposto maior proporcionalmente. Essa realidade aumentaria ainda mais as desigualdades de gênero uma vez que se de modo geral são as mulheres que têm menor renda, elas acabariam arcando com uma tributação mais elevada.
De acordo com um estudo do Inesc utilizado por Zigoni, impostos indiretos sobre o preço final de bens e serviços correspondem a 10,6% da renda de mulheres negras. O mesmo percentual cai para 9,7% para o caso de homens brancos [veja tabela a seguir].
O Inesc também anunciou que acrescentou ao relatório o desmonte de políticas públicas para mulheres e para a promoção da igualdade racial entre 2019 e 2022, durante o governo Bolsonaro. Em 2020, o ano mais crítico da pandemia, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não executou nem 70% dos recursos destinados ao combate à violência contra mulheres enquanto os números de tais crimes cresceram 20% em média nas cidades brasileiras.
“O alerta das organizações à Cedaw virá na forma de um Shadow Report (ou Relatório Sombra), e tentará explicar que pelas mulheres terem menores salários ou não serem remuneradas – e ainda serem responsáveis pelos cuidados dos filhos, da casa e de pessoas doentes – elas têm menos estabilidade e renda. Ao mesmo tempo, são elas que tendem a utilizar sua renda para gastos em consumo de itens básicos, como alimentação, higiene, cuidados pessoais e assistência à saúde. E mais, a excessiva tributação indireta penaliza sobretudo as mulheres negras, que pertencem às camadas mais pobres da sociedade”, explica uma nota do Inesc divulgada para a imprensa.
Entre os alvos do relatório está o Teto de Gastos aprovado no Governo Temer. O documento apela por uma reforma tributária que leve em consideração as desigualdades de gênero e raça.
“Entre as recomendações do relatório sombra estão a necessidade de reconhecer o impacto desigual das medidas de austeridade sobre as mulheres, especialmente as negras, o pedido de políticas tributárias que considerem questões de gênero e raça, uma regulamentação que inclua subsídios para produtos de saúde e cuidados pessoais e a implementação reembolsos de impostos para os mais pobres. Sugere também a transferência da carga fiscal das mulheres para setores mais taxados, como produtos nocivos à saúde, maior transparência e penalidades severas nos incentivos fiscais para grandes empreendimentos que impactam mulheres negras, quilombolas e indígenas, uma participação ativa do Brasil na Plataforma Latino-Americana de Tributação e fortalecer a Convenção das Nações Unidas sobre Tributação e outras medidas que combatam as desigualdades nos impostos sobre renda e riqueza para reparar a violência histórica contra mulheres e mulheres negras”, finaliza a nota.