ECONOMIA

O último suspiro de Campos Neto (e Paulo Guedes) no Banco Central

Mandato do ultraliberal bolsonarista se encerra no final deste ano; Lula já teria substituto em mente, conforme adiantou o programa Fórum Onze e Meia, da TV Fórum

Paulo Guedes, Jair Bolsonaro e Roberto Campos Neto.Créditos: Marcos Corrêa/PR
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“Tenho toda paciência do mundo. Pra quem já conviveu com Roberto Campos Neto por um ano e quatro meses, não tem problema viver mais seis meses”, declarou o presidente Lula (PT) nesta terça-feira (23) durante café com jornalistas em Brasília. O mandatário se referia ao fim do mandato de Campos Neto à frente do Banco Central, que se encerra no final desse ano, e que não pretende antecipar a indicação que fará acerca do substituto.

“Tenho que indicar mais diretores e tenho que indicar o presidente do Banco Central até o final do ano. Só tenho que decidir se vou antecipar ou se deixo para indicar mais para o final do vencimento do mandato”, disse Lula, fazendo mistério.

Em todo caso, conforme apurado e antecipado pelo jornalista Renato Rovai, no programa Fórum Onze e Meia da TV Fórum que foi ao ar nesta mesma terça-feira, o principal nome ventilado para presidir o BC a partir de 2025 é Gabriel Galípolo, o ex-número 2 do Ministério da Fazenda que, indicado pelo ministro Fernando Haddad, agora ocupa cargo de diretor no Banco Central.

Campos Neto é o primeiro presidente do Banco Central após a lei que determina a autonomia da instituição ser aprovada. De acordo com o texto, os mandatos dos presidentes do BC são de quatro anos, mas não coincidem com os períodos relativos aos dos presidentes da República. Pelo contrário, o objetivo é que cada presidente eleito trabalhe por dois anos com o presidente do BC indicado pelo antecessor e em seguida faça a sua indicação.

A farra dos anos Bolsonaro

Nesse contexto, ainda em 2018, o então presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL; atual PL) anunciou o nome de Campos Neto para o BC. O ultraliberal bolsonarista assumiu em 2019 substituindo Ilan Goldfajn, ainda no antigo regime da instituição, e seu mandato como presidente ‘autônomo’ começou em 2021.

Ainda em 2020 foi lançado o Pix, que elevou a popularidade do então novo mandatário do BC. No entanto, seu mandato foi marcado por polêmicas.

Em 2021 foi citado no Pandora Papers ao lado de Paulo Guedes, o então ministro da Economia. Eles teriam participação em empresas offshores localizadas no Panamá, um reconhecido paraíso fiscal. E embora manter essas empresas não seja ilegal por si, foi questionado um possível conflito de interesses com a situação. É época, especialistas em direito tributário disseram haver a possibilidade de que Campos Neto e Guedes tomaram decisões através do Conselho Monetário Nacional consideradas nocivas à economia brasileira e benéficas aos seus negócios.

Segundo a Pandora Papers, Campos Neto é dono da Cor Assets, fundada em 2004 no Panamá. Já Guedes mantinha , em 2019, uma empresa Dreadnoughts International Group, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, em que aparecia como acionista a filha dele, Paula. Em audiência pública na Câmara, Campos Neto afirmou apenas que tem empresas offshores por causa da tributação reduzida e que os investimentos foram declarados por ele desde que assumiu a presidência do BC.

No ano passado, ele entrou com uma ação na Justiça para suspender a investigações da Comissão de Ética Pública da Presidência da República acerca do caso.

Passada a farra financeira dos anos de Bolsonaro, em janeiro de 2023, logo que Lula assumiu, o Banco Central anunciou a revisão extraordinária do mercado de câmbio contratado de outubro de 2021 a dezembro de 2022. O erro na compilação dos dados foi confirmado e, com a revisão, descobriu-se que ao invés dos 9 bilhões de dólares de ingresso nas contas do BC, houve, na verdade, uma saída de pouco mais de 3 bilhões. À época Fernando Rocha, o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, se desculpou publicamente pelo erro.

Para Lucas Rocha Furtado, subprocurador-geral do Tribunal de Contas da União, “o erro em questão foi bilionário, ocorrido em meio a uma acirrada disputa eleitoral e adiciona incertezas e desconfianças ao mercado brasileiro, que passava por momento difícil”.

Taxas de juros

Foi também durante a gestão Campos Neto que a taxa básica de juros, a Selic, chegou ao patamar de 13,75%, interditando a economia das famílias brasileiras, incluindo as de classe média que buscavam créditos para a abertura de negócios.

A princípio, o BC sustentava que a taxa de juros nas alturas seria necessária por conta da suposta inflação alta. Mas após os primeiros seis meses de Governo Lula o Brasil melhorou seus indicadores econômicos, registrando queda inflacionária, crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), valorização do real e aumento da perspectiva da nota de crédito no cenário internacional. Foi a deixa para a Selic cair pela primeira vez em 3 anos em agosto de 2023. Desde então são diversas quedas sucessivas e a prospecção de terminar 2024 abaixo de 9%.

“Mais do que qualquer coisa, ter a maior taxa de juros do mundo indica a falta de coerência do Banco Central brasileiro, que mantém as taxas elevadas quando o país está longe de ser aquele com a maior inflação do mundo. Isso já poderia ter sido feito no início do ano, e já havia claras condições. Infelizmente o Banco Central insistiu numa perspectiva de que a inflação brasileira fugia ao controle, com tendência de aceleração”, disse à época o economista Marcelo Manzano, doutor em desenvolvimento econômico e professor da Unicamp, para a reportagem da Fórum.

O economista também apontou que a queda na taxa de juros pode significar uma economia bilionária para o governo federal: “Outro aspecto que não podemos nos esquecer é que em última instância é o governo quem paga o custo da taxa Selic. 0,5% a menos pode significar uma economia de quase R$ 20 bilhões. O governo vai poder deixar de gastar esse valor”.

E é por aí que se explicam as rusgas entre o Governo Lula e a BC de Campos Neto, ao longo do último 1 ano e 4 meses, em torno da taxa básica de juros. O governo defende mais investimentos públicos para socorrer a população que passou por uma dura crise gerada pelas políticas em prol do mercado financeiro empregadas por Campos Neto e Guedes. Por outro lado, os ultraliberais bolsonaristas recorreram ao discurso da “responsabilidade fiscal” para exigir que o governo honrasse, em primeiro lugar, suas obrigações com especuladores e rentistas.

O último suspiro

Ao que tudo indica, os últimos suspiros de Campos Neto como presidente do Banco Central devem seguir reeditando o embate em torno das taxas de juros, porém com menor intensidade. De acordo com matéria da Folha, a principal preocupação de Campos Neto no momento é com a transição que será realizada na instituição.

O presidente do BC gostaria que Lula indicasse Galípolo, ou qualquer outro nome, entre outubro e novembro para que haja tempo hábil para o futuro mandatário passar por sabatinas no Congresso Nacional antes do final do ano.

Mas os embates seguem. Se por um lado Campos Neto segue dando suas palestras e mantendo a Selic em patamares que o governo considera altos (10,75%), por outro lado, no café com jornalistas desta terça, Lula voltou a fazer críticas em relação ao tema.

“O mercado está ganhando muito dinheiro com essa taxa de juros. Isso precisa ficar claro para a sociedade. E o presidente do Banco Central tem que saber que quem perde dinheiro com essa taxa de juros alta é o povo brasileiro, são os empresários brasileiros que não conseguem dinheiro para investir. É isso que está em jogo”.