DIÁSPORA AFRICANA

Afropunk: Salvador se veste de futuridade negra no "black carpet"

Festival internacional na capital baiana é marcado por looks do público que celebra a negritude e a diversidade brasileira; confira os prós e contras do evento segundo os movimentos negros

Créditos: Reprodução Instagram Festival Afropunk - Black carpet no evento em Salvador
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Salvador, capital da Bahia, é a cidade com a maior população negra fora da África, se transformou no epicentro da cultura afro-diaspórica neste fim de semana com a quarta edição nacional do Festival Afropunk. O evento, que está sendo realizado neste sábado (9) e domingo (10), celebra a diversidade e o protagonismo da cultura afro-brasileira.

Embora elogiado por criar um espaço único para a afirmação e expressão da identidade afro-brasileira através da música, moda e arte, o evento também é visto com certa reserva por líderes e ativistas.

Para muitos, a chegada do festival em Salvador representa um marco para a visibilidade da cultura negra, trazendo temas como o afrofuturismo e o empoderamento negro para o centro das atenções. A presença de patrocinadores de peso e a produção de alto nível reforçam a grandiosidade do evento e sua popularidade crescente.

Por outro lado, há críticas de que o Afropunk pode estar se distanciando de suas raízes como movimento alternativo e resistente. Alguns ativistas apontam para uma comercialização do festival, que pode enfraquecer sua conexão com o ativismo autêntico e os desafios sociais enfrentados pela população negra no Brasil.

Questões como o alto custo dos ingressos e a entrada de grandes marcas geram temores de que o festival se torne inacessível para o público negro das classes populares, além de se afastar dos temas de justiça racial e panafricanismo que inspiraram o movimento.

Diversidade no "black carpet"

A despeito das críticas, os fãs, com looks criativos que exaltavam a moda afro e a força ancestral, fizeram do "black carpet" uma passarela de estilos variados, com penteados e acessórios que celebravam a identidade negra.

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O termo "black carpet" surgiu como uma adaptação do tradicional "red carpet" (tapete vermelho) usado em eventos de gala, mas com uma reinterpretação para celebrações de cultura e identidade negras.

Diferente do "red carpet", que simboliza glamour e exclusividade, o "black carpet" é uma plataforma para exaltar a criatividade, a ancestralidade e a moda afrocentrada, proporcionando uma vitrine para looks, penteados e estilos que celebram a diversidade e a resistência da cultura negra.

O "black carpet" tornou-se um marco em eventos como o Afropunk, onde a moda e a expressão visual são tão centrais quanto as performances musicais. Essa iniciativa busca valorizar o estilo e a estética afrofuturista e afro-diaspórica, transformando o tapete em um espaço de afirmação de identidade, pertencimento e orgulho racial.

Moda afropunk

O Afropunk traz uma estética vibrante e poderosa que mistura tradições africanas com elementos contemporâneos e alternativos, criando uma moda que é tanto política quanto visualmente impactante.

A estética do afrofuturismo é central no estilo Afropunk, com referências a uma "futuridade negra" que inclui tecnologia, cultura pop e ficção científica. Isso se traduz em roupas que evocam um imaginário futurista, combinando elementos metálicos, cortes geométricos e acessórios ousados.

O uso de estampas inspiradas em culturas africanas, como padrões tribais e geométricos, é característico. Cores vibrantes como amarelo, vermelho, verde e azul, além de combinações de cores contrastantes, são usadas para criar looks ousados e marcantes que destacam a diversidade e beleza da cultura africana.

Materiais, cores e formas

Materiais como madeira, miçangas, penas e conchas são usados em acessórios como colares, brincos, cintos e adornos para o cabelo. Esses elementos remetem à natureza e ao patrimônio cultural africano, simbolizando a conexão com a ancestralidade.

As cores da bandeira panafricana – vermelho, preto e verde – aparecem com frequência nas roupas e acessórios. Além disso, o uso de turbantes, tecidos amarrados e estampas étnicas reforça o orgulho e a valorização da herança africana, promovendo a união entre pessoas negras globalmente.

Elementos do punk, como couro, correntes, tachinhas, spikes e peças rasgadas, são adaptados ao estilo afro para criar uma estética que simboliza resistência e rebeldia. A moda punk é reinterpretada para expressar uma posição crítica e engajada.

Acessórios grandes e chamativos são uma marca registrada do Afropunk. Peças feitas à mão, como brincos grandes, colares sobrepostos e pulseiras, são populares e reforçam a individualidade e autenticidade de cada look.

A maquiagem Afropunk é expressiva e artística, com cores fortes, delineados geométricos e adornos faciais. A maquiagem muitas vezes inclui traços de inspiração tribal, criando um visual que é tanto moderno quanto ligado às raízes africanas.

Celebração da diversidade

O Afropunk celebra o cabelo natural em todas as suas formas, incluindo tranças, dreads, afros volumosos e penteados experimentais que destacam a textura do cabelo crespo. Esses estilos são símbolos de resistência e empoderamento, reafirmando a beleza negra.

A moda Afropunk desafia normas tradicionais de gênero, permitindo a liberdade na escolha de roupas que representem autenticidade e expressão individual. Peças genderless e silhuetas amplas, muitas vezes inspiradas no streetwear, são comuns no visual Afropunk.

A moda Afropunk é também uma forma de protesto, e muitos looks incluem frases, patches e símbolos de resistência. Esses elementos trazem questões de igualdade racial, empoderamento e orgulho negro, fazendo da moda uma plataforma para o ativismo.

Essas características estéticas não só representam um estilo visual, mas também refletem as filosofias e as lutas de quem compõe o movimento Afropunk, em uma moda que é cultural, ancestral e revolucionária.

O que é o Festival Afropunk

O Afropunk é um festival internacional que celebra a cultura da diáspora negra e destaca a música, a arte, a moda e a expressão negra. Originado nos Estados Unidos, o evento expandiu-se globalmente, chegando ao Brasil em 2021, com sua primeira edição presencial em Salvador, cidade reconhecida por sua rica herança africana.

Nesta quarta edição brasileira, o evento está sendo realizado no Parque de Exposições de Salvador. O festival reúne uma diversidade de artistas nacionais e internacionais, promovendo uma fusão de ritmos que vão do samba ao soul, passando pelo reggae e funk. Entre as atrações confirmadas estão Jorge Aragão, Léo Santana, Planet Hemp, Timbalada, Fat Family, Silvanno Salles, Ilê Aiyê com Virginia Rodrigues, Irmãs de Pau com Evylin, Melly, Larissa Luz, Ebony, Mateus Fazeno Rock e Duquesa.

Além das apresentações musicais, o Afropunk Brasil oferece uma experiência cultural abrangente, incluindo gastronomia baiana, moda e outras expressões artísticas que celebram a negritude. O evento também busca impactar positivamente a economia local, especialmente apoiando empreendedores negros.

Movimento Afropunk

O movimento Afropunk é um movimento cultural global que celebra a identidade negra e a diversidade dentro da cultura afro-diaspórica, com foco especial em música, arte, moda e expressão política.

Surgiu em Nova York no início dos anos 2000, impulsionado por um documentário de 2003 chamado 'Afro-Punk', dirigido por James Spooner. O filme explorava a vida de jovens negros na cena punk rock estadunidense, um espaço predominantemente branco, e revelou as dificuldades e resistências que eles enfrentavam nesse contexto.

A partir daí, o movimento cresceu e se transformou, englobando diferentes estilos musicais, incluindo soul, hip-hop, reggae e funk, e se tornou um espaço de celebração para pessoas negras de todas as origens.

O Afropunk promove a liberdade de expressão e o orgulho na negritude, encorajando os participantes a abraçarem suas identidades culturais sem concessões.

Atualmente, o Afropunk é mais conhecido pelos festivais anuais que realiza em várias cidades ao redor do mundo, incluindo Nova York, Paris, Joanesburgo e Salvador.

Esses eventos vão além da música, integrando elementos como moda, arte, empoderamento político e empreendedorismo, além de trazer discussões sobre questões sociais e direitos humanos. Assim, o Afropunk tornou-se um símbolo de resistência e autoconhecimento para a comunidade negra global, celebrando a pluralidade e a inovação dentro da cultura afro.

Elos com o Panafricanismo

O Afropunk compartilha uma ligação profunda com o Panafricanismo, pois ambos celebram e promovem a união, a identidade e a expressão cultural negra em uma escala global.

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O movimento Afropunk busca criar um espaço inclusivo e diversificado onde pessoas negras possam se expressar livremente e se conectar com suas raízes e identidades, e isso ecoa o espírito do panafricanismo, que defende a solidariedade e o fortalecimento dos laços entre as populações de origem africana no mundo.

O panafricanismo surgiu como um movimento político e cultural no final do século 19, com o objetivo de promover a unidade e a solidariedade entre povos africanos e afrodescendentes para combater o colonialismo, a opressão e o racismo.

Da mesma forma, o Afropunk coloca em destaque a importância da expressão negra autêntica e se posiciona contra as opressões sistêmicas, oferecendo um espaço onde temas como justiça social, identidade negra, racismo e empoderamento são discutidos e celebrados.

O festival Afropunk reflete esses princípios ao reunir artistas, pensadores e influenciadores negros de diferentes partes do mundo, proporcionando uma plataforma para celebrar a cultura afro e criar conexões transnacionais.

Assim, o Afropunk é visto como uma extensão moderna do ideal panafricanista, unindo as diásporas africanas através da música, da moda, da arte e do ativismo. Ele representa uma forma contemporânea de resistência cultural e de construção de uma identidade negra global, valores centrais no ideário panafricanista.

Prós e contras do Festival Afropunk

Os movimentos negros brasileiros têm uma perspectiva complexa sobre o Afropunk, com críticas e reflexões que variam desde o apoio à sua relevância cultural até preocupações sobre sua comercialização e autenticidade. Confira os prós e contras:

Prós

  • Espaço para o Afrofuturismo e Empoderamento Negro - O Afropunk é celebrado por criar uma plataforma única onde artistas e ativistas negros exploram o afrofuturismo e visões de futuro centradas na negritude. Ele proporciona um ambiente para a celebração da diversidade das expressões culturais negras, fortalecendo o empoderamento e a identidade negra através da moda, música e arte.
     
  • Valorização da pluralidade e da representatividade - O festival oferece um espaço onde a juventude negra pode se expressar livremente, reafirmando seu direito à beleza, resistência e inovação cultural. A pluralidade de vozes é um ponto forte, permitindo a participação de diferentes manifestações e culturas negras, o que é visto como uma celebração positiva da negritude em toda sua diversidade.
     
  • Conexão com Movimentos Globais e Panafricanismo - Para muitos, o Afropunk reforça laços com o movimento panafricanista e permite que o Brasil se conecte às lutas globais pela justiça racial. Esse alinhamento com questões raciais universais reforça a identidade negra no contexto brasileiro e destaca a herança cultural africana.
     
  • Potencial para Impacto Social e Responsabilidade Cultural - O festival pode estimular o surgimento de iniciativas sociais voltadas para a educação, a cultura e a economia criativa para jovens negros. Movimentos sociais esperam que o Afropunk contribua para o fortalecimento de projetos que tragam benefícios duradouros para a população negra local.

Contras

  • Comercialização e perda de autenticidade - A crescente comercialização do Afropunk, com patrocínios de grandes marcas, levanta preocupações sobre a possível perda de conexão com o ativismo autêntico que deu origem ao movimento. Para alguns críticos, o festival pode estar se distanciando das suas raízes de resistência, assumindo uma identidade mais comercial e "mainstream".
     
  • Acessibilidade e exclusão de classes populares - O custo elevado dos ingressos (entre 90 reais e 360 reais por dia) e e a presença de grandes patrocinadores fazem com que o evento seja menos acessível para o público negro das classes populares, justamente a população que inspirou o movimento. Isso pode reduzir a participação de pessoas que deveriam estar no centro do festival.
     
  • Distanciamento de questões locais e estruturais - Alguns ativistas observam que o Afropunk, embora exalte a cultura negra, nem sempre aborda as questões estruturais enfrentadas pela população negra brasileira, como a violência policial e a desigualdade social. A ausência de um compromisso mais explícito com esses problemas locais é uma crítica recorrente.
     
  • Representatividade limitada - Embora promova a pluralidade, a curadoria do festival nem sempre reflete toda a diversidade interna da população negra brasileira. Grupos como quilombolas, indígenas e comunidades regionais nem sempre têm visibilidade ou participação igualitária, deixando de fora importantes vozes e perspectivas.
     
  • Incerteza sobre o Legado do Festival - Há uma preocupação de que o Afropunk seja um evento pontual sem impacto duradouro nas comunidades locais. Movimentos negros defendem que o festival deveria deixar um legado mais tangível, investindo em projetos contínuos que beneficiem a comunidade negra após o evento, para que ele não se limite a uma experiência momentânea.

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