TRANSPARÊNCIA

A negligência da moda brasileira com os direitos trabalhistas e a crise climática

Edição 2024 do Índice de Transparência da Moda Brasil, do Fashion Revolution, aponta que setor continua opaco e sem compromisso com classe trabalhadora e meio ambiente

Créditos: Reprodução Fashion Revolution Brasil - Capa do ITBM 2024
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A moda brasileira continua opaca em suas relação com as práticas de sustentabilidade e direitos humanos, especialmente no que diz respeito à persistente falta de transparência sobre a igualdade racial e salarial na cadeia produtiva. Além disso, o setor insiste na dependência de combustíveis fósseis na produção de fibras sintéticas, com potencial de agravar significativamente a crise climática.

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Esses são alguns dos achados do Índice de Transparência da Moda Brasil (ITMB) - Edição Comparativa, lançado neste quinta-feira (7) pelo Instituto Fashion Revolution Brasil.

Essa edição inédita do ITMB apresenta uma análise comparativa dos últimos seis anos (2018-2023) sobre a divulgação de informações socioambientais por grandes marcas de moda no Brasil. Desde o início da pesquisa, que expandiu de 20 para 60 marcas, revela dados cruciais sobre transparência, governança, direitos humanos e práticas ambientais na indústria.

Longo caminho pela frente

Divulgação Fashion Revolution Brasil - Isabela Luglio

A coordenadora do projeto, Isabella Luglio, destaca que há um longo caminho a ser trilhado pela indústria de moda brasileira para estar em sintonia com as urgências do momento.

"A edição comparativa do ITMB revela que, embora tenhamos que celebrar alguns avanços da transparência do setor nos últimos anos, ainda há muito a ser feito pelas marcas para enfrentar os impactos ambientais da moda e proteger os trabalhadores mais vulneráveis ao longo da cadeia de produção. A análise das divulgações feitas nos últimos anos não só destaca o que foi realizado, mas também aponta os próximos passos necessários para cobrar transparência das marcas, pressionando-as a adotar estratégias que enfrentem a crise climática e assegurem os direitos humanos no setor".

Pela primeira vez, a edição especial não só ranqueia as marcas, mas também analisa de forma detalhada os progressos, desafios e retrocessos do setor.

Em 2023, a pontuação média de transparência das empresas subiu para 22%, um avanço tímido frente aos 17% registrados em 2018. No entanto, o ITMB destaca que o setor ainda caminha a passos lentos, especialmente em temas críticos como direitos trabalhistas e combate ao trabalho escravo.

Negligência com trabalhadores e meio ambiente

Entre as principais e mais polêmicas descobertas do relatório está a relação entre a indústria da moda e as práticas de sustentabilidade e direitos humanos, especialmente no que diz respeito à persistente falta de transparência sobre a igualdade racial e salarial na cadeia produtiva.

O relatório aponta que, mesmo após seis anos de pesquisa, nenhuma das empresas analisadas divulga dados sobre disparidades salariais entre colaboradores de diferentes raças ou etnias. Essa omissão indica uma negligência com a promoção da igualdade no setor e evidencia uma área crítica em que as marcas ainda precisam avançar para garantir práticas justas e transparentes.

Outro ponto sensível é a dependência de combustíveis fósseis na produção de fibras sintéticas, como o poliéster, com potencial de agravar significativamente a crise climática. De acordo com o documento, as fibras sintéticas representam 1,35% do consumo global de petróleo, superando até o consumo anual de petróleo de países como a Espanha.

Sem ações para reduzir essa dependência, estima-se que 73% dos tecidos usados globalmente serão derivados de combustíveis fósseis até 2030, um fato que pressiona ainda mais a moda a adotar práticas sustentáveis para mitigar seus impactos ambientais.

O ITMB também mostra que houve uma melhora na divulgação de informações sobre as emissões de gases de efeito estufa. Entre 2019 e 2023, as marcas passaram a fornecer mais dados sobre as emissões diretas e da cadeia de fornecimento.

Combate ao trabalho escravo e direitos humanos

No campo dos direitos humanos, o relatório destaca que, apesar de avanços, a transparência na moda ainda é limitada quando se trata de temas como trabalho escravo contemporâneo e direitos trabalhistas na cadeia de fornecimento.

Poucas marcas publicam informações detalhadas sobre as condições de trabalho em suas cadeias de produção, o que representa um desafio significativo para a proteção dos trabalhadores.

A divulgação sobre salários justos na cadeia de fornecimento, por exemplo, aumentou de 3% em 2022 para apenas 6% em 2023, um avanço considerado insuficiente para enfrentar os abusos e violações ainda presentes na indústria.

Governança e transparência no setor

O relatório aponta que as empresas de capital aberto tendem a apresentar maior transparência em temas de governança. Das 60 marcas avaliadas em 2023, 21 são listadas em bolsas de valores, registrando uma média de 51% em transparência, enquanto as empresas de capital fechado alcançaram apenas 12%.

Esse contraste destaca como exigências regulatórias influenciam positivamente a divulgação de práticas de governança, mas também evidencia a falta de transparência entre as marcas que não enfrentam as mesmas obrigações.

Rastreabilidade e cadeia de fornecimento

O tema da rastreabilidade apresentou o maior crescimento de pontuação ao longo dos anos, passando de 12% em 2018 para 25% em 2023. A transparência na divulgação de listas de fornecedores — incluindo fornecedores diretos e instalações de processamento — foi destacada como fundamental para o mapeamento de riscos sociais e ambientais.

A publicação dessas informações permite monitorar e mitigar problemas na cadeia de fornecimento, promovendo uma mudança positiva nas práticas do setor.

Próximos passos para a moda no Brasil

Um estudo de impacto realizado pelo ITMB apontou que 68% das marcas afirmam que o índice influenciou suas práticas de sustentabilidade e transparência, e 72% relataram mudanças internas em função de sua participação.

Embora o relatório revele avanços, ele também indica que o progresso ainda é lento. Com uma média de transparência que passou de 17% em 2018 para 22% em 2023, a moda brasileira ainda enfrenta desafios consideráveis para atender às demandas socioambientais.

O Fashion Revolution Brasil reforça a importância de maior pressão e engajamento da indústria para assegurar um setor mais justo e sustentável.

O documento também serve como chamada à ação para que marcas e consumidores colaborem na construção de uma moda mais ética e responsável, incentivando práticas que vão além das regulamentações e promovam mudanças reais na cadeia produtiva.

Leia aqui o ITBM 2024 na íntegra.

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