Sob a chuva que caía em Brasília às 19h30 de quarta-feira, 13 de novembro, um homem vestido de um conjunto de blazer e calça verdes com estampas dos naipes de cartas de baralho, uma camisa branca e um calçado preto, com mochila nas costas e guarda-chuvas em punho vagava pela Praça dos Três Poderes.
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Em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), diante da estátua "A Justiça", esculpida por Alfredo Ceschiatti - obra que representa uma figura feminina de olhos vendados para simbolizar a imparcialidade e a serenidade da justiça - ele se auto-explode.
O que significa o traje que ele escolheu para o ato extremo e violento? A interpretação abraçada pela opinião pública brasileira é de que ele se vestiu de Coringa, um dos vilões mais icônicos da cultura pop, que tem várias representações nas HQs e no cinema.
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Coringa e o "pobre de direita”
Em “O Pobre de Direita: A Vingança dos Bastardos”, o sociólogo Jessé Souza traça uma relação entre o arquétipo do "pobre de direita" e o personagem Coringa, conhecido por sua revolta contra o sistema.
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Para Souza, o "pobre de direita" seria, em muitos aspectos, uma figura similar ao Coringa: alguém marginalizado e enfurecido com o sistema que, embora revoltado, acaba canalizando sua frustração e ressentimento em apoio a ideais e líderes que, paradoxalmente, reforçam as estruturas de opressão e desigualdade.
Assim como o Coringa, que age com uma mistura de caos e vingança, o "pobre de direita" reflete um desejo de revanche contra uma sociedade que o ignora e marginaliza, mas que, segundo Souza, é manipulado para defender narrativas que mantêm seu status de vulnerabilidade, ao invés de transformá-lo.
Essa comparação ilustra a visão de Souza sobre como as camadas populares podem ser levadas a defender ideais que perpetuam sua própria condição, desviando a energia que poderia impulsionar mudanças efetivas para um caminho de autossabotagem e reforço das injustiças estruturais.
“O filme Coringa (2019), de Todd Phillips, estrelado pelo grande Joaquin Phoenix, toca em um ponto nevrálgico de nosso tempo ao reconstruir o cidadão empobrecido, que se torna consciente de sua raiva e reage de modo pré-político fazendo justiça com as próprias mãos. O personagem principal, ao contrário do que poderíamos supor, é uma figura social típica do nosso mundo, e não um ponto fora da curva. O quadro patológico do Coringa é apenas a exacerbação de uma característica "normal" e generalizada no mundo neoliberal do capitalismo financeiro”, escreve o sociólogo nas páginas iniciais do seu novo livro.
O estilo do Coringa
Os trajes do Coringa são variados, mas seguem alguns elementos característicos em todas as adaptações.
Quadrinhos (HQs)
Paleta de Cores: O Coringa costuma vestir trajes em cores vibrantes, especialmente o roxo, verde e laranja, com o terno roxo sendo uma de suas marcas registradas.
Terno: Nos quadrinhos, ele geralmente usa um terno roxo, que pode variar de um conjunto completo a uma combinação de paletó e calça de alfaiataria.
Gravata-borboleta ou gravata comum: No pescoço, ele costuma usar gravata-borboleta verde ou uma gravata comprida, geralmente combinando com o terno.
Camisa e colete: A camisa costuma ser verde ou laranja, e, em muitas representações, ele usa um colete.
Sapatos: Nos quadrinhos, os sapatos são clássicos e polidos, geralmente pretos.
Acessórios: O Coringa às vezes carrega itens como uma bengala, pistolas de brinquedo ou armas escondidas em flores de lapela.
Cinema
A caracterização do Coringa nos filmes varia de acordo com o ator e a visão do diretor, mas os elementos básicos são mantidos com adaptações estilísticas.
Jack Nicholson em Batman (1989) usa traje similar ao das HQs, com terno roxo, colete verde e camisa laranja. No pescoço, uma gravata borboleta verde, mantendo a aparência clássica do Coringa dos quadrinhos. O chapéu-coco em algumas cenas confere um toque gangster ao visual.
Heath Ledger em The Dark Knight (2008) aposta em um visual mais desgastado e sujo, com terno roxo e camisa verde com estampas. O colete, desta vez, era um tom de verde escuro. A gravata era de um tom roxo mais apagado com padrões sutis. Sapatos de couro com um visual mais gasto e áspero, combinando com o estilo caótico do personagem. O figurino foi pensado para refletir a natureza caótica e menos polida do personagem de Ledger, com roupas propositalmente malcuidadas.
Jared Leto em Suicide Squad (2016) tem um visual completamente diferente, com um casaco longo de couro roxo e, em algumas cenas, o personagem aparece sem camisa, com várias tatuagens no corpo. O estilo era mais contemporâneo, inspirado na estética punk e gangsta. O personagem usava calças listradas e sapatos prateados, criando um contraste com a tradição clássica.
Joaquin Phoenix em Joker (2019) adota um visual do personagem inspirado nos trajes clássicos, mas com cores diferentes. Ele usa um terno vermelho escuro, com colete amarelo e camisa verde. O figurino reflete a personalidade vulnerável e introspectiva de Arthur Fleck, antes de sua transformação em Coringa.
Apesar das variações, a maioria das interpretações preserva o uso de roupas de alfaiataria com cores contrastantes e acessórios que refletem sua natureza excêntrica e sombria, criando uma imagem simultaneamente caótica e estilizada.
Coringa da Carreta Furacão
No caso do bolsonarista que se auto-explodiu, as vestes de seu Coringa remetem à Carreta Furacão. O grupo brasileiro de animadores fantasiados, usam trajes inspirados em ícones da cultura pop, mas com um toque próprio e improvisado.
Por meio das fotos que registram o "Coringa da Carreta Furacão" bolsonarista é possível inferir que ele trajava vestes feitas sob medida em tricoline de algodão verde com estampa de naipes das cartas do baralho.
Na internet, vários sites vendem esse produto em unidades de meio metro que custam cerca de 18 reais cada. Para fazer um blazer e uma calça social masculina são usados, no mínimo, 3 metros de tecido. O bolsonarista gastou, pelo menos, 108 reais só na fazenda, sem calcular o custo com aviamentos e mão de obra.
Mais um ataque à democracia
Seja ou não uma pessoa com a saúde mental combalida, o bolsonarista que se auto-explodiu protagonizou mais um atentado contra a democracia brasileira. Na hora da explosão, os Três Poderes tocavam as próprias agendas.
No Palácio do Planalto ocorria uma entrevista coletiva após o encontro entre o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, com a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) e o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que quer abolir a escala de trabalho 6x1, ou seja, seis dias de trabalho seguidos por um de descanso.
Enquanto Hilton, um dos principais alvos da turba bolsonarista que não aceita a democracia, falava sobre os próximos passos da luta da classe trabalhadora por dignidade de uma escala de trabalho humanizada, era possível ouvir as explosões.
A imagem traduz o contraponto entre a atuação do campo progressista, que lidera uma mudança importante para trabalhadores e trabalhadoras exaustos em razão de jornadas desumanas, e o bolsonarismo empenhado em esfacelar o país e unidos para anistiar golpistas que não sabem conviver em um país democrático.
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