LIBERDADE DE CRENÇA

ONU pede fim da proibição do uso de véu islâmico em competições esportivas na França

Veto ao uso do hijab por atletas muçulmanas pelo país europeu é classificado como "desproporcional e discriminatório" por relatores especiais das Nações Unidas

Créditos: Reprodução Instagram - A atleta francesa Sounkamba Sylla foi impedida de usar o hijab durante os Jogos Olímpicos de Paris
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A restrição ao uso do véu islâmico por mulheres muçulmanas em competições esportivas na França é considerada "desproporcional e discriminatória" por oito relatores especiais da ONU.

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O posicionamento de três relatores especiais e do grupo de trabalho das Nações Unidas sobre discriminação contra mulheres e meninas foi divulgado no dia 28 de outubro. Os especialistas consideram que "a neutralidade e a laicidade do Estado não são motivos legítimos para impor restrições aos direitos à liberdade de expressão e à liberdade de religião ou crença".

Em comunicado à ONU News, os especialistas afirmaram que a medida viola os direitos de manifestação da identidade, participação na vida cultural e liberdade de crença.

A controvérsia teve início com a decisão das federações francesas de futebol e basquete de banir o uso do véu nas competições, mesmo no nível amador. Além disso, as restrições se estenderam às atletas que desejavam representar a França nos Jogos Olímpicos de Paris de 2024.

Os relatores da ONU enfatizam que as muçulmanas que optam pelo hijab devem ter os mesmos direitos de participação na vida esportiva e cultural francesa.

Para os especialistas, a justificativa de neutralidade estatal e secularismo não sustenta a proibição, pois, segundo eles, viola o direito de expressão religiosa e identidade cultural.

Eles também destacaram que o Conseil d'État, mais alto tribunal administrativo da França, recentemente ratificou a decisão de manter a proibição do véu pela federação de futebol, e criticaram um projeto de lei no Senado francês que busca restringir ainda mais o uso do véu em espaços públicos.

Os relatores especiais estão em diálogo com o governo francês e o tema foi incluído em um relatório de direitos culturais da ONU, apresentado à Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro.

Relatores envolvidos: Alexandra Xanthaki (Direitos Culturais), Nicolas Levrat (Questões de Minorias), Nazila Ghanea (Liberdade de Religião ou Crença), Laura Nyirinkindi, Claudia Flores, Dorothy Estrada Tanck, Ivana Krstic e Haina Lu (Grupo de Trabalho sobre Discriminação contra Mulheres e Meninas). Os especialistas são independentes e atuam sem remuneração.

O que diz o relatório

O relatório destaca o direito à participação em atividades esportivas como uma extensão dos direitos culturais e aborda as barreiras enfrentadas para sua plena realização.

Segundo o documento, o esporte é uma expressão cultural vital que promove valores de igualdade, respeito e inclusão, além de contribuir para a saúde e o bem-estar físico e mental.

O relatório enfatiza que o esporte, como parte integrante da cultura, deve estar acessível a todos, sem discriminação de raça, gênero, idade ou condição socioeconômica. Além disso, alerta que práticas de exclusão, estereótipos e limitações indevidas minam o potencial transformador do esporte e violam direitos humanos fundamentais.

A ONU aponta que a discriminação, especialmente no que diz respeito ao gênero e à origem étnica, ainda persiste no meio esportivo. O relatório apela para que os Estados e organizações esportivas adotem políticas que assegurem a inclusão e que atendam aos princípios de não discriminação, respeitando a diversidade e garantindo que todos possam participar plenamente na vida esportiva e cultural.

Leia aqui o relatório na íntegra em francês.

Veto a atleta nas Olimpíadas de Paris

Em julho de 2024, a França proibiu a atleta muçulmana Sounkamba Sylla de usar o véu islâmico durante o desfile fluvial da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris.

Sylla, corredora dos 400 metros rasos, expressou sua insatisfação nas redes sociais, destacando a contradição entre ser selecionada para os Jogos em seu país e não poder participar da cerimônia devido ao uso do lenço.

Após negociações, foi permitido que ela participasse do desfile utilizando um boné para cobrir os cabelos, em vez do véu tradicional.

Comunidade islâmica na França

A França abriga a maior comunidade muçulmana da Europa Ocidental, com estimativas variando entre 5 e 6 milhões de pessoas, representando aproximadamente 8,8% da população francesa.

A maioria desses muçulmanos é de origem imigrante, proveniente principalmente do Magrebe (Argélia, Marrocos e Tunísia), África Ocidental e Oriente Médio.

Historicamente, a presença muçulmana na França intensificou-se após a Segunda Guerra Mundial, com a chegada de trabalhadores dos países colonizados para suprir a demanda por mão de obra na reconstrução do país. Nas décadas seguintes, políticas de imigração e reunificação familiar contribuíram para o crescimento dessa comunidade.

A integração dos muçulmanos na sociedade francesa tem sido objeto de debates, especialmente em relação à laicidade do Estado e à expressão pública de símbolos religiosos.

Leis que proíbem o uso de véus islâmicos em escolas públicas e, mais recentemente, em competições esportivas, têm gerado discussões sobre discriminação e liberdade religiosa.

Apesar dos desafios, muitos muçulmanos na França estão bem integrados, contribuindo significativamente para a vida econômica, cultural e social do país.Organizações comunitárias e religiosas desempenham um papel crucial no apoio à integração e na promoção do diálogo inter-religioso.

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