O Festival de Cannes Lions, maior premiação global da criatividade publicitária, cassou o Grand Prix concedido à agência brasileira DM9 na categoria Creative Data. A ação “Efficient Way to Pay”, criada para a Consul, foi desclassificada após a organização confirmar que a agência usou inteligência artificial para gerar conteúdos fictícios, apresentados como se fossem reportagens e palestras reais.
Segundo o festival, o vídeo inscrito pela DM9 editou trechos de uma suposta matéria da CNN Brasil e de uma palestra do TED Talks, criando falas, legendas e áudios que nunca existiram. A manipulação incluiu vozes clonadas e textos fabricados por IA para “provar” resultados da campanha — prática que enganou o júri internacional.
Te podría interesar
Além do Grand Prix, a DM9 retirou todas as inscrições do case fraudado e de outros trabalhos, como o “Plastic Blood” (para a OKA Biotech) — que havia sido o case brasileiro mais premiado do ano, com oito troféus — e o “Gold = Death” (para a Urihi Yanomami).
Jornalismo fake como “prova” criativa
Um dos pontos mais graves foi a alteração de legendas em um suposto vídeo da CNN: a frase original “Aumenta a procura por eletrodomésticos mais econômicos” virou “Economia na conta de luz vira forma de pagamento de eletrodomésticos”. Além disso, a agência clonou a voz da jornalista Glória Vanique.
Te podría interesar
O videocase também inseriu falas fictícias na fala de uma senadora estadunidense no TED Talks, criando um contexto ligado ao Brasil que nunca existiu.
Pressão por “criatividade real” e novas regras
Em nota, a organização do Cannes Lions declarou que o festival existe para “celebrar criatividade real, representativa e responsável”. Para evitar fraudes semelhantes, anunciou novas regras: agências agora terão que declarar o uso de IA, conteúdos sintéticos passarão por verificação, e a desqualificação será imediata em caso de manipulação.
A Consul, cliente da campanha, disse que “não tolera manipulação de informações falsas” e prometeu tomar medidas judiciais. A CNN Brasil também exigiu a retirada de todo material forjado.
Desculpas públicas e desligamento de liderança
A DM9 demorou cinco dias para se manifestar publicamente. Em comunicado, admitiu “falhas graves”, reconheceu o uso de informações falsas para simular resultados e anunciou o desligamento imediato de Ícaro Doria, então copresidente e CCO (chief creative officer) da agência, que assumiu total responsabilidade pelo caso.
A agência também retirou de Cannes as inscrições de “Plastic Blood” e “Gold = Death”, alegando “inconsistências graves”. No texto, declarou estar “profundamente arrependida” e prometeu revisar processos internos para coibir o mau uso de IA e deepfakes no futuro.
Assista ao videocase forjado
Mais polêmicas: números inflados e direitos autorais
A DM9 não foi a única agência brasileira a enfrentar denúncias em Cannes 2025. Outro caso polêmico foi o “Followers Store”, da Le Pub para a New Balance e o São Paulo FC. O videocase afirmava que 45 mil camisas foram vendidas em um único dia, mas a própria marca não confirmou o número, levantando suspeitas de resultados inflados para impressionar o júri.
Já a Africa, com o “One Second Ads” para a Budweiser (Ambev), ganhou o Grand Prix de Audio & Radio usando trechos de um segundo de músicas famosas — mas orgulhou-se, no videocase, de não pagar direitos autorais. O detalhe gerou forte reação negativa, e a Ambev precisou se retratar, afirmando respeitar artistas e prometendo resolver o impasse.
Brasil sob holofotes — e alerta
O Brasil foi o “Creative Country of the Year” em Cannes 2025, com investimentos de agências que somaram cerca de R$ 20 milhões apenas em inscrições. Mas, com as desclassificações, o total de prêmios do país caiu de 107 para 95.
O caso reabre um debate urgente: até onde vai o uso de IA e deepfakes em campanhas publicitárias que deveriam premiar ideias originais — e não jornalismo forjado ou dados manipulados.