Em janeiro deste ano, a Broadminded, que analisa tendências de comunicação e consumo na América Latina, realizou uma pesquisa com pessoas de seis países da América Latina sobre a Meta e o uso de suas redes sociais. Um dos temas centrais foi a alteração nas regras de moderação de conteúdo e a suspensão do programa de checagem de informações da big tech.
O Brasil se destaca como o país com a maior taxa de rejeição à mudança nas plataformas de mídia social. Um percentual de 41% dos brasileiros discorda da determinação, receia que ela facilite a disseminação de notícias falsas e discursos de ódio. Em contrapartida, 34% concordam, priorizando a liberdade de expressão, e 25% não manifestaram opinião.
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Ainda 54% dos entrevistados acreditam que a retirada da verificação de fatos das plataformas da Meta é um ataque à democracia: um quarto dessa porcentagem (25%) acha que a remoção é um ataque propriamente dito, enquanto o restante (29%) expressa preocupação, embora não considere a medida tão ameaçadora à democracia.
Do contrário que se dissemina nas redes de centro-direita e direita com maior alcance, em relação à alegação “eu tenho o direito democrático de espalhar fake news se quiser”, os brasileiros são os que mais a refutam quando reconhecem que a opinião é uma desinformação. Um expressivo 77% dos participantes do estudo rejeita a "ideia", com 14% expressando discordância e 63% discordando de maneira enfática.
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Ainda, mais da metade dos brasileiros entrevistados (54%) disse ter se deparado com informações evidentemente falsas nas redes da Meta, e 9 em cada 10 consideram que a empresa tem a responsabilidade de excluir conteúdo, desativar contas e trabalhar com a polícia quando houver ameaça de danos físicos ou risco à segurança pública.
Nos países restantes do estudo, o número de pessoas que discordam totalmente é mais baixo: 38% na Argentina, 46% no Chile e na Colômbia, 41% no Peru e 43% no México. Foram entrevistados 635 brasileiros: 345 mulheres e 300 homens pela Broadminded. (Acesse a pesquisa completa ao final da reportagem).
Brasileiros defendem regulação quando entendem diferença entre fake news, ódio e liberdade de expressão
Outra pesquisa, do Instituto Nexus Pesquisa e Inteligência de Dados, obtida pela Fórum, mostra que a opinião pública brasileira tende a ser favorável à regulação das redes sociais. Segundo o levantamento, 60% dos entrevistados apoiam a medida, enquanto 29% são totalmente contrários.
A pesquisa ainda aponta que, apesar do respaldo à regulação das redes sociais, metade dos entrevistados que apoiavam a proposta recuou diante do argumento da oposição de que isso poderia comprometer a "liberdade de expressão".
“Os números demonstram o impacto da narrativa contrária, que associa a regulação à censura, reduzindo consideravelmente o apoio popular”, explicou Marcelo Tokarski, da Nexus.
O maior problema é a desinformação acerca dos impactos que a desinformação gera nas redes. A incompreensão sobre a diferença entre liberdade de expressão, ódio e informações falsas.
A regulação de plataformas digitais volta a ter amplo apoio da população quando seus pontos-chave são apresentados de forma isolada, sem menção aos argumentos da direita em si. Os resultados indicam que 78% dos entrevistados concordam que as plataformas precisam ser responsabilizadas por suas atividades. Além disso, 64% veem a regulação como uma ferramenta importante no combate à desinformação, e 61% a consideram fundamental para enfrentar a disseminação de discursos de ódio.
Outro problema apresentado na pesquisa revela que apesar de 73% dos entrevistados reconhecerem a importância da checagem de dados por parte das plataformas digitais para combater notícias falsas e discurso de ódio, 65% defendem que essa verificação seja realizada pelos usuários, através de sistemas de notas da comunidade. A alegação dos entrevistados é de que a participação dos usuários na moderação de conteúdo evitaria, outra vez, restrições à “liberdade de expressão”.
Realizada entre 10 e 15 de janeiro, a pesquisa ouviu 2 mil pessoas com 16 anos ou mais em todos os estados do Brasil. A margem de erro é de 2 pontos percentuais, com nível de confiança de 95%. Com o objetivo de corrigir possíveis desvios no plano amostral, um fator de ponderação foi aplicado após a pesquisa. Devido ao arredondamento, a soma final dos percentuais pode oscilar de 99% a 101%.
Regulamentação se tornou embate ideológico
O debate sobre a regulação das plataformas digitais no Brasil é notoriamente atravessado por disputas ideológicas. A regulação, necessária para combater discursos de ódio e fake news para além das próprias disseminadas em sua maioria pela extrema direita, está sendo discutida no projeto de lei 2630/2020, a chamada PL das Fake News e ainda enfrenta obstáculos no Congresso para avanço na tramitação. O principal deles é a composição da Casa, formada por deputados de Centrão e direita, que se beneficiam das políticas das plataformas para disseminarem conteúdos a favor da própria base.
“É preciso avançar bastante na regulação das plataformas para que não haja qualquer zona cinzenta que deixe margem para abusos. O Brasil não é terra sem lei e as redes sociais não são um ringue de vale tudo”, destacou o deputado federal Alencar Santana (PT-SP) em entrevista à Fórum.
"Estamos diante de um retrocesso gigantesco em matéria de direitos humanos”
O político observou que as investidas das big techs afetam a soberania dos países. "O Brasil tem uma legislação muito forte na proteção aos direitos humanos, sobretudo de segmentos e grupos vulnerabilizados ou que sejam alvo frequente de práticas que violem os seus direitos, como as mulheres, a população negra, a comunidade LGBT, as crianças e adolescentes, entre outros. Na medida em que as rede se tornam vetores de promoção de discursos de ódio, desinformação e incitação a crimes, que é o que esse afrouxamento dos mecanismos internos de monitoramento poderá causar, temos aí uma empresa estrangeira que estaria sendo um instrumento muito nocivo e deletério para a nossa sociedade e para a democracia", disse.
A falta de adesão popular ao projeto de regulamentação no Brasil, justamente pela incompreensão gerada em torno do tema também contribui para que ele não avance como deveria, segundo a cientista social Rosemary Segurado. “Acho que o esforço seria um movimento, uma pressão da sociedade civil, amplo, para fazer com que a aprovação do projeto efetivamente pudesse acontecer”, disse a especialista em entrevista à Fórum.
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Segundo o sociólogo Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e um dos maiores especialistas em redes digitais do país, o que as big techs incentivam é a “proliferação de conteúdos que são mais chamativos, ou seja, mais espetaculares. E o que tem ocorrido é que os algoritmos são organizados para poder privilegiar os discursos espetaculares. Não necessariamente o discurso verdadeiro e muito menos o discurso que traz características mais completas da realidade”, afirmou ao falar sobre a lucratividade da desinformação.
Leia a reportagem completa na Fórum: A Meta é desinformar: as contradições de Zuckerberg, a economia da atenção e a 'ditadura do capital'