Nesta semana, a Meta, empresa dona das redes sociais Facebook, Instagram e Whatsapp, anunciou uma série de mudanças em suas plataformas em relação à checagem de informações e às Diretrizes da Comunidade, que irão permitir maior circulação de informações falsas e discurso de ódio. As mudanças resultaram em uma série de reações negativas por parte de especialistas do ambiente digital e direitos humanos, e até mesmo do próprio governo brasileiro, uma vez que as novas regras representam violações às leis brasileiras e à soberania do país.
As mudanças nas redes sociais foram anunciadas como um aceno de Mark Zuckerberg, bilionário dono da Meta, ao novo governo de Donald Trump, contrário à regulamentação das plataformas e impulsionador de fake news e discursos de ódio contra grupos socialmente minorizados, principalmente à comunidade LGBTQIAPN+. Com o discurso de "liberdade de expressão", Zuckerberg passa a permitir que suas plataformas sejam cenários de ataques, preconceitos e violência contra pessoas LGBTQIAPN+, mulheres, imigrantes e outros grupos, como mostram as novas regras publicadas em português nesta quinta-feira (9).
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"Os anúncios da Meta têm uma série de consequências muito graves. É o total abandono de medidas que já eram fracas no combate à desinformação, ao discurso de ódio e outros conteúdos problemáticos, e evidencia um movimento da Meta de assumir uma visão que não tem nada a ver com debate de 'liberdade de expressão', e sim com uma adesão ideológica à perspectiva da extrema direita", avalia Jonas Valente, pesquisador do Laboratório de Política de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) e integrante da Coalizão de Direitos na Rede, à Fórum.
Jonas ressalta que, no Brasil, país em que a desinformação e o discurso de ódio já circulam e são impulsionados largamente por essas plataformas, as consequências serão ainda mais graves. "A gente vai ter três das maiores plataformas que funcionam no país, Facebook, Instagram e WhatsApp, ainda mais desprotegidas. E não só isso, ainda darão espaço e valorização a um determinado lado ideológico que viola direitos e ataca populações e segmentos da sociedade", acrescenta o pesquisador.
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Valente também destaca o fortalecimento de conteúdos políticos personalizados, outra mudança anunciada pela Meta. O pesquisador demonstra preocupação com o chamado "efeito bolha", onde os usuários irão receber somente assuntos com os quais já têm proximidade. "Isso reforça a lógica do deslocamento cognitivo, ou seja, as pessoas se afastando de qualquer referência mais factual sobre determinadas coisas e consumindo somente aquela informação que reforçam seus vieses e as suas visões de mundo. Já há muitos estudos que mostram segmentos expressivos da população permeáveis a teorias da conspiração e discursos mentirosos manipulados pela extrema-direita, e isso tende a aumentar", declara o pesquisador.
Antes mesmo das novas mudanças da Meta, pesquisadores da área de segurança digital já alertavam para a estrutura da plataforma que já beneficia desinformação e discurso de ódio, de acordo com Jonas. A lógica da empresa, baseada na coleta de dados e na personalização de conteúdo para os usuários, aumenta a circulação de conteúdos extremos. "Isso afeta, obviamente, segmentos que são mais oprimidos, que são objetos de discriminação e discurso de ódio. Isso vale tanto para opositores políticos da extrema direita, mas principalmente para a população LGBTQIAPN+, mulheres, pessoas negras e não-brancas no geral", afirma o pesquisador.
"Já vinha sendo denunciado como as redes sociais potencializam a opressão e a atuação da extrema direita no debate público brasileiro, e agora isso tende a piorar", completa Jonas.
O pesquisador reforça que o Facebook, por exemplo, nunca demonstrou compromisso com os direitos dos usuários, a exemplo do escândalo da Cambridge Analytica, Facebook Papers e até audiências públicas até no Brasil que evidenciaram "práticas terríveis" da plataforma, segundo Jonas. "Não é novidade que a Meta não se preocupa com os direitos dos usuários, e o que aparece agora é uma convergência entre a perspectiva ideológica da Meta e do governo estadunidense para ter tanto ganhos políticos quanto econômicos", avalia o pesquisador.
"A meta quer evitar o resultado de investigações do governo dos Estados Unidos e quer se aliar ao governo Trump para combater as regulações que a gente vê crescendo no mundo inteiro, como no Brasil com discussões tanto no Congresso com a PL 2630 quanto no STF, e a adoção de decisões dos tribunais. Então há um conjunto de motivações da Meta que no fundo traz essa aliança entre interesses econômicos e interesses políticos", conclui Jonas.
Regulação pública democrática
O pesquisador defende que a sociedade, como um todo, não deve ficar refém das plataformas, o que torna a regulação ainda mais necessária. Ele evidencia que as mudanças de proteção de direitos pelas plataformas sempre foram ações reativas às críticas da sociedade. "Não foi uma questão de preocupação dessas empresas e isso mostra como não dá para deixar qualquer tipo de auto-regulação na mão desse segmento de mercado", diz Jonas.
"É preciso ter uma regulação pública democrática. A gente não está falando de governos decidindo individualmente sobre o conteúdos das pessoas — o que é a grande mentira intencional de quem tenta usar o argumento da 'liberdade de expressão', — mas sim de regulações democráticas por meio de instâncias participativas multi-setoriais e de parâmetros claros estabelecidos na lei", defende.
O pesquisador ainda aponta que hoje, apesar do que circula nos debates da direita e extrema direita, o cidadão não tem liberdade de expressão em relação a essas plataformas, porque elas agem como querem e tomam as medidas que deixam o usuário totalmente desprotegido. "A gente precisa de regras exatamente para garantir essa liberdade de expressão, para impor mais transparência e para garantir a responsabilização dessas plataformas", diz.
Jonas também acrescenta que com as últimas atitudes tanto de Zuckerberg quanto de Elon Musk, dono do X, ficou evidente que as plataformas têm uma atuação pró-ativa para difundir desinformação e discurso de ódio, ao contrário do argumento de seus donos de que eles não conseguiriam regular o conteúdo dos seus usuários. Desse modo, o pesquisador afirma que é preciso uma regulação que vá além e limite o poder dessas plataformas de ameaçar a democracia e impactar os segmentos minorizados da sociedade.