FAKE NEWS

Meta lucrou com onda de fake news sobre fiscalização do Pix, aponta estudo

Pesquisa do NetLab identificou 1.770 anúncios fraudulentos nas redes sociais que exploravam insegurança causada por desinformação

Meta é responsável pelo WhatsApp, Instagram e Facebook.Créditos: Divulgação
Escrito en TECNOLOGIA el

A Meta, empresa responsável pelo Instagram, Facebook e Whatsapp, lucrou com a onda de desinformação sobre a nova norma de fiscalização do Pix anunciada pelo governo federal em janeiro deste ano, mostra um estudo publicado pelo Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (NetLab), vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Através de uma pesquisa realizada entre 10 e 21 de janeiro, período pelo qual o país foi inundado por desinformação sobre a fiscalização do Pix devido à nova norma da Receita Federal, a pesquisa mostrou como a política de moderação de conteúdo da Meta facilitou a propagação de anúncios fraudulentos sobre políticas públicas relacionadas a assuntos financeiros.

A partir da análise de 1.770 anúncios com conteúdo fraudulento com informações falsas sobre valores a receber pela população e outros temas relacionados às novas regras sobre transações via Pix, o estudo apontou que, devido à maior vulnerabilidade da população devido às fake news neste período, criminosos se aproveitaram do momento para aplicar golpes, encontrando um ambiente propício para isso nas redes da Meta. 

Ao todo, foram identificados 151 anunciantes responsáveis pelo anúncios fraudulentos e 87 sites para os quais os falsos anúncios redirecionam os usuários. Um dado que chamou atenção dos pesquisadores foi de que após a revogação da norma pelo governo no dia 15 de janeiro, com o objetivo de frear a circulação de desinformação, o efeito foi reverso: houve um aumento de 35% no impulsionamento dos anúncios fraudulentos sobre o tema entre 16 e 21 de janeiro. Além disso, após a revogação, também houve uma mudança no teor dos conteúdos, que passaram a incentivar e explorar ainda mais a desconfiança contra ações do governo, de acordo com o estudo do NetLab.

Além disso, a partir da campanha de desinformação promovida por opositores do governo, o estudo aponta que esses parlamentares investiram R$18 mil no direcionamento de anúncios nas plataformas da Meta com mensagens contra a medida do governo. Fornecedores de produtos e estelionatários também se aproveitaram do momento de insegurança para cobrar taxas indevidas de utilização do Pix e dar golpes em consumidores.

Os pesquisadores apontam que os anúncios divulgados nas redes da Meta eram voltados à exploração de desinformação sobre políticas públicas voltadas à inclusão financeira. A maioria (95,5%) dos anúncios divulgavam supostos direitos a saques por parte da população. Eles exploravam tanto serviços e programas governamentais reais quanto fictícios. Entre os anúncios coletados, 81,7% alegavam promover o serviço Valores a Receber, oferecido pelo Banco Central para auxiliar pessoas físicas e jurídicas a resgatarem quantias de dinheiro esquecidas em instituições financeiras. 

Além disso, 40,5% (718) dos anúncios foram feitos por páginas que se passavam pelo Governo Federal ao usarem nomes como “Governo do Brasil”, “GOV” e até mesmo "Governo Federal", ou por utilizarem logos e imagens associadas à administração federal ou a suas instituições. "O fato de estas páginas terem obtido a permissão para veicular anúncios em nome do governo evidencia as fragilidades dos processos de verificação de anunciantes da Meta", pontua o estudo.

A pesquisa também aponta que, além das páginas falsas, a credibilidade de instituições públicas federais também foi instrumentalizada por anúncios que são ilustrados por logos da Caixa Econômica Federal (9,1%, ou 162 anúncios), do Banco Central (17,8%, ou 315 anúncios) e da Receita Federal (15,5%, ou 275 anúncios), 

O uso da Inteligência Artificial para enganar 

Os pesquisadores apontam que os anúncios divulgados enquanto a nova norma ainda estava vigente tinham um roteiro muito parecido, que utilizavam da figura de jornalistas e políticos que estariam informando a população sobre resgate de quantias esquecidas. Normalmente, o tom utilizado nas gravações era de urgência. No entanto, na maioria (70,3%) foi utilizada Inteligência Artificial para manipular as imagens

Entre as personalidades utilizadas para a manipulação por IA estavam o ministro Fernando Haddad e o vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin, além do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), protagonista da campanha contra a nova norma de fiscalização do Pix que resultou na onda de fake news.  

Os anúncios fraudulentos com a utilização de deepfake com a imagem de Nikolas Ferreira foram mais impulsionados após a revogação da norma, poucas horas após o anúncio, "demonstrando como farsantes atuam para aproveitarem o timing de temas em alta no debate público com o objetivo de atrair novas vítimas para seus esquemas, contando com a conivência e falta de controle das plataformas digitais", aponta o estudo. Os pesquisadores apontam que o crescimento foi de 234% na circulação de deepfakes do parlamentar nos seis dias posteriores à revogação. 

Meta adota postura de descaso com o Brasil 

Os pesquisadores concluem que o alcance dos anúncios fraudulentos foi facilitado pela utilização das ferramentas de marketing da Meta, que permitem a compra de anúncios segmentados de acordo com critérios demográficos, geográficos e interesses dos usuários. No entanto, a empresa não oferece transparência sobre esses dados, o que dificulta o trabalho de combate e punição à circulação de desinformação. 

"Em plataformas digitais, como as da Meta, é possível direcionar cada anúncio para um determinado segmento de audiência definido pelo anunciante segundo critérios demográficos, geográficos e comportamentais. Assim, anunciantes maliciosos podem selecionar o público mais suscetível a clicar em seus anúncios, otimizando a seleção de “vítimas ideais”. Porém, sem a devida transparência, permanece a incerteza se os anúncios adotam critérios abusivos e discriminatórios para segmentar usuários vulneráveis", destacam os pesquisadores.

O estudo ainda acrescenta que essa postura reforça as assimetrias entre o Norte Global e o Sul Global, já que a Meta proíbe opções específicas de segmentação de anúncios que tratam sobre produtos e serviços financeiros em regiões como os Estados Unidos e o Canadá, o que não ocorre no Brasil. "Este fato pode ajudar a lesar desproporcionalmente aqueles que mais precisam de políticas de seguridade social e de inclusão financeira em países de maior desigualdade e pobreza", diz um trecho da pesquisa.

Além disso, o estudo também aponta que há um "descaso" da Meta em relação ao Brasil, uma vez que o sistema de categorização de anúncios políticos da empresa é mais eficiente nos Estados Unidos quando comparado a outros países. 

"Por exemplo, a Meta demonstra ser capaz de identificar e classificar de forma precisa anúncios políticos no país, inclusive fraudulentos, que usam imagem ou mencionam candidatos a cargos públicos eletivos. Esses dados reforçam que a empresa é capaz de oferecer mais transparência e enforcement, porém adota uma postura de descaso com o Brasil", afirma a pesquisa.

Os pesquisadores ainda alertam que a mudança na política de moderação de conteúdo da Meta, que vai facilitar a circulação de desinformação e discurso de ódio nas redes, vai aumentar a exploração velada de audiências vulneráveis.

"Diante de tantas assimetrias nas políticas de transparência, governança e moderação de anúncios entre diferentes regiões do mundo, a declaração de Mark Zuckerberg sobre as mudanças nos termos de serviço da Meta levanta sérias preocupações sobre a segurança do ambiente digital. A ausência de menção específica à moderação de conteúdo publicitário por Zuckerberg em sua fala não deixa claro se as mudanças impactam a circulação de anúncios fraudulentos", pontuam os pesquisadores.

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