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Jornalista explica áudio em que 'agente da Abin' afirma que PT seria braço político do PCC

No trecho que viralizou nas redes sociais, o espião diz que ambos estariam a serviço de “outro PCC”, o Partido Comunista Chinês; Repórter Paulo Motoryn falou à Fórum sobre a tentativa de intimidação

Agência Brasileira de Inteligência - Abin.Créditos: Antonio Cruz/Agência Brasil
Escrito en MÍDIA el

O trecho de uma conversa entre o jornalista Paulo Motoryn, do The Intercept Brasil, e o suposto agente Bruno Albuquerque, da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), viralizou nas redes sociais com um conteúdo repleto de intimidações ao profissional e teorias da conspiração que fazem referência a uma suposta relação entre o PT, o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o 'PCC do outro lado do mundo', o Partido Comunista Chinês.

Mas o mais impressionante é o caminho pelo qual se chegou a essa conversa. O repórter contou para a Fórum que Bruno surgiu no seu radar em abril deste ano, quando estava investigando o uso, pela Abin, do programa Augury, um dos softwares de espionagem comprados pela agência durante a gestão Bolsonaro – e que teve seu funcionamento revelado em uma matéria publicada por ele.

“Como cito na reportagem de hoje, Bruno foi apontado por diversas fontes como homem de confiança da cúpula da Abin e um dos operadores desses softwares espiões, como o Augury e o First Mile. E mais de uma das fontes me informaram sobre a existência de uma empresa de inteligência que ele mantinha em nome do pai, que é médico otorrino”, explica o repórter.

Paulo então telefonou para o homem a fim de que se posicionasse. Logo no início da conversa o jornalista se apresenta, explica a pauta e informa a razão da ligação. Quando ele diz que Bruno é agente da Abin, o interlocutor encontra uma brecha para intimidá-lo.

“Como você sabe que sou da Abin? Essa informação que você tem é quase 100% de certeza que é ilegal. Aí é o seguinte, ó Paulo, ou você revela suas fontes ou sofre as consequências da ilegalidade”, diz o homem, que prossegue com as ameaças minutos a fio.

“Encontrei o site da empresa e, ao clicar no ícone de WhatsApp, fui levado a um número com DDD de Brasília, onde o Bruno atua, e não de Campo Grande, onde está sediada a empresa. Minha suspeita de que o número era dele logo se confirmou. O que eu não esperava era o tom intimidatório, pouco profissional e até conspiracionista”, relatou Motoryn.

O jornalista tenta negociar a realização da entrevista quando o oficial de inteligência passa a disparar as teorias conspiratórias sobre supostas relações entre o PT e o PCC (Primeiro Comando da Capital), a principal facção do crime organizado de São Paulo.

Diz o espião: “Você recebeu informação [de que ele é agente da Abin] de uma pessoa ligada ao Partido dos Trabalhadores (…) A pessoa é ligada ao PT, portanto é ligada ao crime organizado”.

O jornalista tenta ponderar: “Calma, esse pulo eu não peguei, me explica a relação”. Mas só funciona para Bruno seguir falando. E, claro, sem jamais explicar onde sua teoria teria lastro na realidade.

“O PT é o braço político do PCC, se você não sabe. E o PCC é o braço criminoso do PCC chinês, o Partido Comunista Chinês”, concluiu. Mais adiante, seguiu tentando intimidar o jornalista para descobrir quem seria sua fonte.

O jornalista diz que enquanto cidadão brasileiro lamenta pela postura do agente, que considera incompatível com a de um servidor público.

“Como jornalista, tinha o dever de não sucumbir à tentativa de intimidação – e sinto que cumpri minha missão”, finalizou.

O início da conversa e as intimidações podem ser ouvidas a seguir

Outro lado

Na quarta-feira, primeiro de novembro de 2023, o advogado Antônio Barbosa, do Escritório Barbosa e Santos Advogados Associados, que representa o Sr. Bruno, enviou a seguinte nota para a reportagem, que reproduzimos na íntegra a seguir.

1 – O Sr. Bruno não trabalha na ABIN;  

2 – O Sr. Bruno nunca ocupou qualquer cargo de alto escalão na ABIN, mas tão somente cargos baixos e técnicos de suporte em tecnologia da informação – e não cargos de “espionagem”, como a reportagem faz crer. Nunca ocupou, portanto, gerência, diretoria ou posições altas de comando;  

3 - O pai do Sr. Bruno nunca foi investigado, nunca respondeu a nenhum tipo de processo e sua empresa nunca foi investigada ou acusada por qualquer tipo de ato ilícito ou imoral. Em hipótese alguma, nunca teve seu pai como "laranja", e a empresa nunca realizou nenhum tipo de "espionagem" ou até levantamento de informações. Esta acusação, além de falsa e leviana, não foi acompanhada de qualquer embasamento, e configura ofensa à honra e à integridade do Sr. Bruno e de seu pai;  

4 – Não existe e nunca existiu qualquer investigação que aponte o Sr. Bruno como integrante do grupo que “cometia ilegalidades” e que “investigava políticos, jornalistas, magistrados e até membros do STF”. Ao contrário, o Sr. Bruno participou de espécie de sindicância no âmbito da ABIN, a qual concluiu que o mesmo não possui e nunca possuiu qualquer envolvimento com estas atividades. Por isso e por várias outras razões é que o Sr. Bruno não consta em nenhuma lista de envolvidos;  

5 – A empresa, repita-se, não está e nunca esteve sob suspeita qualquer, e o Sr. Bruno sequer figura como sócio da mesma. Ainda que figurasse, consoante exposto em resposta da própria ABIN, em procedimento interno, e em atenção à legislação, o Sr. Bruno poderia sim ser sócio de empresas, contanto que não fosse sócio administrador. Ressalta-se que o mesmo nunca desenvolveu qualquer atividade de direção ou comando da empresa, o que sempre ficou a cargo de seu pai, apenas apoiando e tomando decisões técnicas, em horários e de forma que não convergisse com as atividades que desenvolvia na ABIN;  

6 - Nem o Sr. Bruno, nem a empresa Isciber, nunca atuaram com serviços de inteligência e muito menos "espionagem", mas sim, como o nome já diz, com serviços de tecnologia da informação, exatamente o que muitos "técnicos de internet" oferecem em todas as residências e escritórios do Brasil;  

7 – O Sr. Bruno nunca utilizou e nunca teve acesso ao software First Mile, o que já foi e pode ser novamente confirmado pela ABIN. Ainda, nunca “espionou” nenhum indivíduo, não sendo esta sua atribuição. O Sr. Bruno foi apenas consultor técnico da ABIN, realizando serviços de suporte tecnológico e não de coleta de informação;  

8 – O Sr. Bruno está de licença não remunerada desde fevereiro e não possui qualquer relação com os envolvidos em supostas atividades ilegais, nunca tendo respondido nenhum processo administrativo ou judicial;  

9 - O Sr. Bruno levou todas as questões ao Conselho de Ética da ABIN – tanto relacionado à possibilidade de ser sócio de empresa neste ramo, quanto relacionada à possibilidade de trabalhar enquanto estivesse de licença não remunerada – sendo positivas as respostas, e sempre atuou dentro da ética, honra e integridade, nunca contratando com a Administração Pública, nunca agindo com conflito de interesses, e em hipótese alguma desrespeitando qualquer opositor de ideias ou opiniões.