Este país desacelera a ação climática enquanto sua capital intensifica

Iniciativas verdes da prefeitura contrastam com um governo federal conservador, que passou a administrar as áreas climáticas

Ciclista passa em frente ao Parlamento autríaco.Créditos: JOE KLAMAR/AFP
Escrito en MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE el

Enquanto o governo federal da Áustria desacelera seus compromissos ambientais, a capital Viena segue na direção contrária e consolida sua liderança na luta contra a crise climática. Com metas ambiciosas, leis locais inéditas e investimentos em energia limpa, a cidade traçou um plano para zerar suas emissões líquidas de carbono até 2040 — e já começou a pô-lo em prática.

Um exemplo simbólico dessa transição pode ser visto no próprio prédio da prefeitura, um edifício neogótico do século XIX. As torres e gárgulas, que lembram Hogwarts aos olhos de crianças em visitas escolares, agora escondem discretamente painéis solares instalados no telhado. “É nosso dever mostrar que é possível conciliar preservação histórica com ação climática”, afirma a vereadora Nina Abrahamczik, responsável pelo comitê de clima e meio ambiente da cidade.

Desde 2022, Viena exige a instalação de painéis solares em novas construções e ampliações. A prefeitura foi incluída na regra, como forma de dar o exemplo.

Investimento em energia limpa

A cidade também vem substituindo gradualmente o gás natural — que emite CO2 e metano — por fontes de energia mais limpas. Uma das apostas é a energia geotérmica. Na região de um antigo aeródromo, está em andamento a construção de poços que alcançarão quilômetros de profundidade para captar água quente do subsolo. A expectativa é que essa infraestrutura, quando concluída, forneça aquecimento para cerca de 20 mil residências até 2028.

“Nosso objetivo é eliminar totalmente o uso do gás nos edifícios até 2040”, diz Bernhard Novotny, diretor do projeto geotérmico. A transição energética inclui ainda o uso de bombas de calor, reaproveitamento de resíduos e captura de gases.

Esse avanço tem sido possível, em parte, porque a concessionária Wien Energie, responsável pela eletricidade e aquecimento da cidade, é pública. Isso permite estabilidade estratégica e liberdade para testar novas tecnologias, segundo Rusbeh Rezania, que lidera a divisão de aquecimento descarbonizado da empresa.

Nova lei do clima

Neste ano, Viena aprovou uma lei climática que obriga projetos da administração pública e de empresas municipais a detalhar não apenas os custos financeiros, mas também o impacto em emissões de gases de efeito estufa. “Temos agora um orçamento climático municipal. Planejamos em euros e também em CO2”, explica o vereador Jürgen Czernohorszky.

Caso a cidade não cumpra suas metas, a legislação prevê inclusive que cidadãos e organizações possam recorrer à Justiça. A medida é considerada inédita na Áustria.

Contraste com o governo nacional

As iniciativas locais contrastam com o cenário no governo federal austríaco, que passou por uma mudança de coalizão em março. O Partido Verde, que até então comandava um “superministério” com clima, energia e transporte, foi excluído. As áreas climáticas passaram a ser administradas por ministros conservadores.

“O clima ficou em segundo plano”, afirma o economista Gernot Wagner, da Universidade de Columbia, que atua como consultor da prefeitura de Viena. Para ele, enquanto o governo nacional recua, Viena avança e se torna referência internacional.

Modelo replicável — com limitações

Especialistas apontam que a experiência da capital austríaca pode inspirar outras cidades, mesmo em países com governos menos comprometidos com a agenda climática. De acordo com Nathan Hultman, diretor do Centro de Sustentabilidade Global da Universidade de Maryland, cerca de 70% das emissões de CO2 no mundo vêm das cidades. “Ações locais podem ter impacto real, mesmo diante da inação federal”, afirma.

Apesar disso, nem todas as estratégias adotadas por Viena são replicáveis em contextos como o dos Estados Unidos, onde a maior parte das concessionárias de energia são privadas. Para David Pomerantz, diretor do Instituto de Energia e Política, forçar empresas privadas a adotar metas climáticas depende de comissões reguladoras — muitas vezes resistentes ao tema.

Ainda assim, cidades como Cleveland, nos EUA, têm avançado com o que está ao alcance dos governos locais. “Não podemos esperar por Washington. Tenho que liderar com as ferramentas que tenho”, diz o prefeito Justin Bibb.

Adaptação às mudanças já em curso

Além da mitigação, Viena também tem investido em medidas de adaptação às consequências da crise climática. Em setembro, a cidade enfrentou uma enchente considerada “milenar”. Para se preparar para eventos extremos como esse, a prefeitura está implementando o conceito de “cidades-esponja”, com áreas verdes e infraestrutura para absorção de água.

Outro foco são as ondas de calor cada vez mais intensas. A resposta tem sido o plantio de árvores, a ampliação do sistema de refrigeração urbana e a restrição de materiais que intensificam o calor nas construções.

"Não podemos mais esperar"

Para Abrahamczik, a postura da cidade reflete a urgência do momento. “Esperar pelos outros é algo que não podemos nos dar ao luxo de fazer em tempos de crise climática”, afirma.

Enquanto Viena age, especialistas como Wagner apostam que a política federal pode, em algum momento, voltar a priorizar o clima. Mas, até lá, a capital austríaca segue sozinha — e determinada.

Com informações da NPR

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar