Piracema de Roraima* é uma cidade pequena na Amazônia, com altos índices de desmatamento, onde o agronegócio ganhou uma força muito grande nos últimos anos e o presidente Jair Bolsonaro (PSL, hoje PL) teve uma vitória expressiva em 2018. Igor* tem 50 anos e além de pai de Yuri* (15), é um professor de biologia e ecologista que saiu da região sudeste para Piracema, movido pela sua paixão pela floresta Amazônica e o dever de lutar pela sua preservação.
Ela já participou de uma série de mobilizações contra o avanço de madeireiros, mineradores e de grandes empreendimentos na região. Ironicamente, essa luta se choca dentro da sua rotina, uma vez que, buscando uma boa educação possível para o filho, acabou matriculando-o na escola da elite da elite da cidade, supostamente a melhor disponível. Lá, Yuri estuda com os filhos dos fazendeiros da região, oriundos de famílias que detém muito poder local e como consequência acabam por promover o desmatamento da floresta combatido pelo pai do garoto.
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“São filhos de fazendeiros que têm muito poder. Só para ilustrar, um dos colegas do meu filho, que está no primeiro ano do colégio, também é menor de 18 anos, mas vai dirigindo para a escola. Ou seja, não está nem um pouco preocupado se tem carteira de motorista ou não. É uma elite que não está nem aí para as leis”, contou Igor à Revista Fórum.
Ele explica que o bolsonarismo dessa elite agrária amazônica acaba por se estender aos seus filhos e relata que, por ser uma figura conhecida na cidade e identificada com a esquerda, Yuri sofreu uma breve perseguição na escola na manhã desta sexta-feira (16).
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No horário de saída da aula, o adolescente foi cercado por outros quatro meninos, que o questionaram: “Que história é essa? Quer dizer que você é Lula e contra o desmatamento? Lula é ladrão e se você é contra o desmatamento, não pode usar o celular”, teriam dito. “Não houve nada além disso. Até chegaram a tirar o celular dele, mas em seguida devolveram, não teve violência, nem nada. Mas há um certo bullying com as crianças que não apoiam o Bolsonaro”, explicou o pai.
“Dentro da lógica deles, basicamente se você é contra o desmatamento não pode fazer nada, nem comer carne, nem beber leite, nem roupa pode usar. Até brinquei com o meu filho, se você é contra o desmatamento, tem que sair pelado e morar no meio do mato. Nem um facão pode usar, tem que praticamente virar um animal”, brincou Igor quando indagado a respeito do conteúdo das provocações.
O pai minimiza o entrevero que o filho passou com os colegas, mas alerta que para além das “molecagens” típicas da faixa etária, existe um clima tenso no ar da cidade em relação às eleições deste ano. “Teve uma passeata fortíssima de sete de setembro e adesivos do Lula são raríssimos”, contou Igor. Além do próprio adesivo, o professor afirma ter visto mais um ou dois. Mas isso não significa que não tenham pessoas que gostam do Lula ou que vão votar no PT. “Tem bastante”, garante Igor.
“O que falta material de campanha aqui, além de muita gente que tem medo de sofrer agressões de bolsonaristas. Mas eu que tenho adesivos no meu carro nunca sofri agressões, ao contrário, é comum que as pessoas me façam gestos positivos. Acho que é gente que gostaria de ter os adesivos, mas ou não encontra o material, ou está com medo de sofrer com violência política. É uma cidade que já teve movimentos de esquerda mas que hoje estão acuados”, explicou.
Sobre as eleições desse ano, Igor diz que tem esperança de que se eleito, Lula fortaleça o combate aos garimpos ilegais e outras atividades que contribuem com a destruição da floresta e dos povos. “Lula precisa recolher essa bandidagem desenfreada que sempre existiu, mas que o Bolsonaro incentivou na amazônia. Tenho esperança que seja um bom governo de maneira geral e que do ponto de vista ambiental fortaleça a reforma agrária, zere o desmatamento e demarque terras indígenas”, declarou.
*Os nomes utilizados na matéria, tanto da cidade como das personagens, são fictícios para preservar a identidade dos envolvidos.