POVOS INDÍGENAS

Yanomâmi tiveram 21 pedidos de socorro ignorados pelo governo Bolsonaro

Os pedidos são públicos e documentam um cotidiano de barbáries cometidas por garimpeiros ilegais contra os povos com a conivência do governo federal

Aldeia Yanomâmi.Créditos: Reprodução / Hutukara Associação Yanomâmi
Escrito en MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE el

Ao longo dos últimos anos pudemos acompanhar no noticiário uma série de tragédias que caíram sobre os povos Yanomâmi, que vivem isolados na Amazônia em uma reserva de 9 mil hectares. Só em 2022, tivemos o caso da denúncia de estupro por parte de garimpeiros sobre uma menina da etnia, da morte de crianças que teriam sido tragadas por uma draga de mineração, além do sumiço de uma comunidade inteira. Os principais suspeitos dos abusos e crimes são pessoas ligadas ao garimpo ilegal em terras indígenas, atividade que, segundo a Hutukara Associação Yanomâmi, cresceu 46% nos territórios ao longo do último ano, com a atuação estimada de 20 mil garimpeiros na região.

De acordo com levantamento do jornal The Intercept Brasil publicado no último dia 17 de agosto, os povos Yanomami registraram 21 pedidos de ajuda públicos ao Governo Federal, Ministério Público Federal Funai e Exército que foram ignorados pelas instituições. Os documentos estariam relatando um verdadeiro cotidiano de terror.

As informações se cruzam sobretudo em cima da atual gestão presidencial. Ainda em campanha, Jair Bolsonaro (PL) prometeu que não demarcaria nenhum milímetro de terras indígenas e depois de eleito tentou promover, junto do ex-ministro Ricardo Salles e do presidente que indicou para a Funai, Marcelo Xavier, a legalização do garimpo em terras indígenas. Nessa tentativa, criou-se inclusive a figura do "garimpo artesanal". Xavier também é um dos responsáveis pelo sucateamento da Funai que resultou, entre outras questões, nas mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips em outra região da Amazônia. Se falarmos especificamente em garimpo, Xavier é investigado pela PF por suspeita de facilitar atividades garimpeiras ilegais na região.

Entre os relatos destacados pelo site, está um pedido de socorro da Hutukara de novembro de 2021 ao Ministério Público Federal, ao Exército e à Funai, após uma série de ataques que ocorriam desde maio a um território localizado no noroeste de Roraima. Na primeira invasão, registrada em maio do ano passado, dezenas de garimpeiros desceram de barcos e disparam contra os indígenas. À época, suspeitava-se do envolvimento de facções criminosas no ocorrido. Entre os 21 pedidos de ajuda, a Hutukara também denunciou ataques a uma estação ecológica do ICMBio.

Os documentos ainda denunciam o abandono das comunidades em relação ao poder público, especialmente com o fechamento de postos de saúde indígena. Sem os médicos e com os garimpeiros cada vez mais próximos, além dos ataques a tiros e dos ‘acidentes’ com dragas, muitos Yanomami começaram a perecer de malária e outras doenças. Pistas de pouso dos equipamentos públicos se transformaram em pequenos aeroportos privados do garimpo ilegal.

Em troca de promessas de gordos pagamentos em ouro, comida, bebida e outros tipos de ‘recompensas’, alguns indígenas permitem a entrada dos garimpeiros nas terras. Seduzidos pelas promessas de riqueza, muitos começam a trabalhar para os mesmos, abandonam as roças e acabam obrigados a adquirir alimentos nos mercados montados pelos garimpeiros onde o quilo do arroz pode custar até R$400. Há denúncias de mulheres estupradas nesses mercados em troca de alimentos.

O ofício enviado para a Primeira Brigada de Infantaria da Silva do Exército em 12 de maio de 2021, pedindo socorro em relação aos ataques sofridos naquele mês, solicitava a instalação de um posto de segurança na comunidade de Palimiu. Em 14 de junho um novo ofício foi enviado relatando o ataque armado, dessa vez também para a Funai e a Polícia Federal, com o qual os indígenas denunciavam “o quinto ataque” em um mês e pediam a chegada de equipes médicas. Mesmo com o Ministério da Justiça autorizando o envio da Força Nacional, nada aconteceu e nenhum pedido de socorro foi atendido.