Lula e Biden foram os primeiros a discursar na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (19), realizada nesta terça-feira (19), na sede da organização em Nova York, nos Estados Unidos.
Tanto o presidente brasileiro quanto o estadunidense destacaram em seus respectivos discursos a defesa das políticas de gênero, as desigualdades e a defesa das vidas LGBT+ e da livre orientação sexual.
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"Combateremos o feminicídio e todas as formas de violência contra as mulheres. Seremos rigorosos na defesa dos direitos de grupos LGBTQI+ e pessoas com deficiência. Resgatamos a participação social como ferramenta estratégica para a execução de políticas públicas", disse Lula na ONU.
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Mas, de que maneira podemos interpretar a fala de Lula e Biden? Qual é o significado de ambos os líderes mencionarem de maneira enfática a vida das pessoas não heterossexuais? De maneira geral, podemos afirmar que ambos enviaram recados para seus adversários e também para seus aliados.
"Guerra santa" em curso
Para algumas pessoas, afirmar que várias regiões das Américas e da Europa vivem uma "guerra santa" pode soar como um exagero, mas quando nos detemos nas realidades do Brasil e dos EUA, é exatamente isso que encontramos.
O presidente Lula inicia seu terceiro mandato com uma herança de quatro gestões petistas no que diz respeito às políticas LGBT. Porém, o país que o petista governa está tomado por novas forças políticas.
Dessa maneira, Lula não encontra "apenas" um Congresso Nacional tomado por forças da extrema direita que, em sua base, é toda fundamentalista e "pró-família", ou seja, anti-aborto e anti direitos civis para as LGBT.
Mas é mais do que isso: hoje os fundamentalistas estão espalhados pelos governos estaduais, municipais, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, e isso muda toda a conjuntura para se tocar um governo e trocar apoio por votos no Congresso Nacional.
O mesmo ocorre com Joe Biden ao assumir a presidência após Donald Trump: a militância fundamentalista não apenas não arrefeceu, como tomou o Partido Republicano de assalto.
Vamos supor que Trump não possa mais concorrer à Casa Branca, quem assume o seu lugar é Ron DeSantis, fundamentalista que promove na Flórida, estado que governa, uma caça às LGBT e às pessoas negras.
Hoje, leis que visam proibir professores LGBT de saírem do armário para os estudantes, literatura queer nas escolas, banimento da Teoria Racial Crítica, e que se espalham por todo o território estadunidense, tiveram como ponto de partida o governo de DeSantis. Biden lidou com tal contexto nos últimos três anos e terá de lidar, no ano que vem, com uma campanha duríssima que, do lado Republicano, vai apostar alto em questões como sexualidade e raça, argumentando que tais políticas dividem a nação.
"O futuro será conquistado pelos países que liberarem todo o potencial de suas populações, onde as mulheres e as meninas possam exercer direitos iguais, incluindo direitos reprodutivos básicos, e contribuir plenamente para a construção de economias mais fortes e sociedades mais resilientes; onde as minorias religiosas e étnicas possam viver suas vidas sem assédio e contribuir para a estrutura de suas comunidades; onde os indivíduos da comunidade LGBTQ+ vivam e amem livremente, sem serem alvo de violência; onde os cidadãos possam questionar e criticar seus líderes sem medo de represálias", disse Biden em discurso na ONU.
Lula e Biden enviam recados para adversários e aliados
Lula e Biden, ao mencionarem questões de sexualidade em seus discursos, enviaram recados para os aliados e adversários. No caso brasileiro, Lula sabe que tem de lidar no âmbito de sua coalizão governista com setores que são refratários ao avanço dos direitos civis, mas avisou: "faremos defesa intransigente".
Por sua vez, Biden sinalizou o que pode ser a sua campanha no ano que vem: a defesa da democracia e que as comunidades possam viver e se expressar livremente, sem temerem ser alvos de violência devido à sua identidade de gênero e orientação sexual.
O presidente brasileiro ainda possui três anos pela frente, porém, atento como é, sabe o que aconteceu nesta terça-feira (19), na Comissão de Previdência e Social, quando deputados fundamentalistas defenderam o fim do Estado laico e os "valores cristãos" como basilares da República brasileira, ou seja, a barbárie, o que pode piorar o cenário de violência motivada por ódio no país.
Dessa maneira, Biden e Lula sabem que o mundo atual entrou em uma etapa que não se resume apenas à disputa econômica e que há uma guerra cultural em curso que torna boa parte do planeta binária: de um lado, aqueles que defendem modelos ultraconservadores de sociedade onde não há espaço para o contraditório e nem para as LGBT, do outro lado, um campo que resolveu tensionar nos últimos anos para alargar aquilo que entendemos por sociedade e contrato social, ou seja, um mundo onde as diferenças coexistam sem o pressuposto da violência.