HISTÓRIA

Olga de Kiev: a primeira ‘rainha viking’ era uma estrategista inexorável com requintes de crueldade

Ela foi a primeira mulher a liderar a Rus' de Kiev, um reino formado por territórios e povos de origem eslava cujo centro de poder estava no que hoje é a capital ucraniana, e exerceu o cargo com requintes de crueldade

Santa Olga - pintura.Créditos: Mikhail Nesterov
Escrito en HISTÓRIA el

Entre o século IX e meados do século XIII, um grupo de povos e territórios de origem eslava liderados pelo que hoje é Kiev, a capital ucraniana, integrava o "reino" da Rus' de Kiev (também chamada Estado de Kiev), o centro da dinastia Rurique

Descrita na Crônica de Nestor, um documento redigido pelo monge Nestor no século 12 e publicada apenas em 1767 — que narra a história russa de tempos imemorais até o ano de 1111, considerado um dos retratos históricos mais emblemáticos da cultura eslava —, a Rus' de Kiev permanece um tópico de grande interesse para a formação moderna de nações como Belarus, Rússia e Ucrânia, e um de seus aspecto mais fascinantes é a história de como passou a ser governada pela primeira mulher de sua história —  também a primeira a converter-se ao cristianismo e a tentar introduzi-lo como uma religião oficial.

Quem foi Olga de Kiev, a primeira 'rainha viking'

No final do século IX nasceu Olga (ou Helga) de Kiev, uma viking de origem escandinava (possivelmente descendente dos varegues) que se casaria com Ígor I, príncipe de Kiev de 912 a 945. 

Em 941, Ígor sitiou Constantinopla durante os esforços da guerra rus'-bizantina, conflito instigado pelos cazares, que queriam vingar-se da perseguição promovida pelo Império Bizantino aos judeus.

De acordo com a Crônica de Nestor, que conta sobre o conflito, Ígor, cujo reinado durou apenas três anos, teve sua frota de ataque completamente destruída pelos bizantinos, que empregaram uma arma incendiária projetada para batalhas navais (o "fogo grego"), feita para lançamento ao mar. O fogo lançado pelo dispositivo continuava a queimar mesmo na superfície da água — de uma maneira que poderia ter inspirado o "fogo verde" da batalha de Porto Real descrita na série de livros de As Crônicas de Gelo e Fogo.

Quando o insucesso de Ígor o levou à derrota em Constantinopla, ele resolveu se aliar ao Imperador Constantino VII, e em seguida resolveu migrar seus esforços para questões no Mar Cáspio, que costumava ser dominado pelos árabes. 

Em 945, então, ele marchou de novo, agora contra os drevlianos, a tribo de eslavos orientais vizinha ao império, que devia à Rus' de Kiev um pagamento de tributos — mas que havia decidido interrompê-lo após a morte de um chefe aliado aos interesses rus'os, quando terminou por eleger um novo chefe local e rebelar-se às obrigações com seu vizinho.

Na expedição de "cobrança" coordenada pelo príncipe Ígor, quando ele marchou sobre o Cáspio para exigir o pagamento de um valor ainda maior de impostos (e após ser bem-sucedido em fazer com que os drevlianos cedessem ao pagamento uma primeira vez), Ígor "forçou a mão" contra seus vassalos e acabou sendo tomado como prisioneiro — e foi, em seguida, executado por eles, que se arrependeriam do feito em breve.

A rainha inexorável e vingativa

Foi então que Olga de Kiev entrou em cena: a morte do marido a deixou sozinha com o herdeiro, o filho bebê do casal (que, à época, tinha apenas três anos de idade), Sviatoslav

Até que ele atingisse a maioridade, Olga de Kiev seria a responsável pela regência do reino, e o fez de maneira inexorável.

Quando uma mulher ocupou os antigos domínios de Ígor I, os drevlianos, que já haviam executado seu líder, decidiram tirar proveito das circunstâncias, e enviaram negociadores para propor o casamento de Olga com seu próprio herdeiro, um príncipe local.

Mas Olga tinha outros planos.

Ela recebeu a comissão de drevlianos na sua cidade e, como cortesia, ofereceu-lhes transporte em um barco de sua própria frota. Mas articulou um plano para queimá-los vivos durante a travessia. 

Depois de executá-los sem aviso, Olga mandou que fossem enterrados numa vala que ela havia mandado cavar para esse fim na noite anterior, conta a história das crônicas de Nestor.

Depois, ela fingiu que a comissão de negociadores nunca havia chegado à cidade, e pediu que os drevlianos enviassem uma nova delegação. Essa foi recebida com todos os procedimentos que mandam a cortesia, e Olga ofereceu aos homens um banho relaxante numa casa de banhos que mandou preparar exclusivamente para eles.

O único problema foi que, ao chegarem lá, os homens se viram trancados e em meio às chamas que invadiam as instalações rapidamente — eles também acabaram queimando até a morte.

Tempos depois, ao visitar o território dos drevlianos na intenção de prestar honras ao túmulo de seu marido, Olga pediu que fossem preparadas grandes quantidades de hidromel, na justificativa de que realizaria um "banquete fúnebre" em sua homenagem.

Quando os drevlianos que participaram do banquete ficaram bêbados o suficiente, ela ordenou que suas tropas se aproveitassem do estado de ebriedade geral e massacrassem a população. De acordo com os relatos, cerca de cinco mil pessoas morreram em mais uma demonstração de vingança da viúva. 

Então, Olga sitiou a cidade de seus inimigos, os responsáveis pela morte do marido, e passou a se lançar sobre mais e mais territórios dos drevlianos, dominando-os ao longo de um ano.

A incursão só cessou quando o regente dos drevlianos concedeu a Olga, por pedidos dela, um tratado de paz e uma boa soma de tributos em troca de sua amizade.

Mas nem assim o resultado foi satisfatório: Olga, para "provar sua sinceridade", pediu que os drevlianos a concedessem três pombas e três pardais para cada casa da cidade que ocupava. 

Mas deu uma ordem de amarrar aos pombos panos embebidos em enxofre, e passou a soltá-los durante a noite com uma flama a fim de que voassem e queimassem porções do território drevliano. As casas das cidades foram incendiadas e, à medida que a população tentava fugir para as fronteiras, eram mortas por um grupo de cavaleiros de Olga, posicionados estrategicamente para esse fim.

Ela governou em nome do filho a partir do Castelo de Vyshgorod mesmo após Sviatoslav ter atingido a maioridade, e fontes afirmam que ele frequentemente se ausentava dos deveres militares.

A conversão ao cristianismo 

Em 963, Olga de Kiev resolveu converter-se ao cristianismo, após receber uma visita de Constantino VII, de acordo com o que conta a Crônica Primária de Nestor.

Após ter sido batizada, mudou seu nome para Helena, em homenagem à mãe de Constantino o Grande, que havia sido canonizada, e em homenagem a sua esposa.

Apesar disso, seu filho, o rei da Rus' de Kiev, não cedeu ao batismo, e não aceitou incorporar a religião cristã aos fundamentos de seu principado.

Mas, em 959, Olga enviou por conta própria uma carta à embaixada do Sacro Império Romano, em que solicitava a nomeação de padres e de um bispo para residir na Rus' de Kiev (aliando-se também ao catolicismo, para incentivar uma maior adesão do império ao cristianismo como um todo). 

Seu pedido foi concedido, mas as autoridades religiosas foram expulsas pelos pagãos da Rus' de Kiev assim que chegaram, num movimento revoltoso.

Diante desse disparate, seu filho a removeu da corte e a relegou a um "papel político secundário", pouco antes do falecimento de Olga, que manifestou, como um de seus últimos desejos, ter um funeral cristão.

Esse desejo póstumo foi concedido por Sviatoslav, e Olga foi enterrada ao modo cristão em Kiev.

Anos depois de sua morte, em 988, seu neto Vladimir I adotaria oficialmente o cristianismo na Rus' de Kiev, ordenando que os remanescentes de sua avó fossem colocados na igreja cristã fundada por ele, junto ao de vários outros santificados.

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar