Nilo Procópio Peçanha foi uma figura singular na história política brasileira. Embora sua presença na presidência tenha sido breve, ele marcou a história como o primeiro presidente negro do Brasil. Sua trajetória revela os desafios enfrentados por um homem de origem humilde que chegou ao mais alto cargo político do país em um período de grandes transformações.
Mas afinal, quem foi Nilo Peçanha? Qual a importância de seu governo? E por que sua identidade racial foi apagada da história oficial por tanto tempo? Entenda essas e outras questões a seguir.
A origem de Nilo Peçanha
Nascido em Campos dos Goytacazes, município situado no norte do estado do Rio de Janeiro, em 2 de outubro de 1867, Nilo Peçanha veio de uma família modesta e foi criado à "pão e paçoca".
O pai, o padeiro Sebastião de Souza Peçanha, legou ao filho a valorização do trabalho digno e honesto. Já a mãe, Joaquina Anália de Sá Freire, incentivou em Nilo Peçanha o gosto pelos estudos. Ele recebeu sua educação básica no Liceu de Humanidades de Campos e, aos 20 anos, já havia se formado bacharel na prestigiada Faculdade de Direito do Recife (PE).
Abolicionista, republicano, democrata e liberal, Nilo Peçanha teve participação intensa no cenário político do Brasil que saía da monarquia, implementava a república e tinha abolido a escravidão havia apenas duas décadas.
Criou e presidiu, por exemplo, o Clube Republicano em sua cidade natal. Foi deputado constituinte entre 1890 e 1891, deputado federal, senador e presidente do estado do Rio de Janeiro – cargo então equivalente ao atual governo do estado.
Peçanha continuou sua ascensão política, tornando-se vice-presidente da República no governo de Afonso Pena. Sua experiência como líder estadual e sua postura conciliadora o tornaram uma figura de destaque dentro da política republicana. Em 14 de junho de 1909, com a morte de Afonso Pena, assumiu a presidência do Brasil, tornando-se o primeiro e único chefe de Estado negro da história do Brasil.
A ascensão política e a chegada à presidência
O lema da presidência de Peçanha era um governo "paz e amor". Sério, em 1909!
Seu governo, que durou pouco mais de um ano, foi marcado por desafios econômicos e políticos.
Durante seu mandato, criou o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), precursor da atual FUNAI, demonstrando preocupação com questões sociais que muitas vezes eram ignoradas pelas elites.
Além disso, foi responsável pela criação das Escolas de Aprendizes Artífices, instituições voltadas para a formação profissional de jovens pobres, especialmente negros e filhos de trabalhadores, visando à inclusão social e à capacitação da mão de obra no Brasil, no que alguns atribuem como a primeira política de ações afirmativas do brasil.
Estas escolas acabariam sendo o berço dos Institutos Federais, que hoje abrigam milhares de estudantes de ensino médio, técnico e superior ao redor de todo o Brasil.
O racismo e o apagamento histórico
Mesmo tendo alcançado a presidência, Nilo Peçanha sofreu tentativas de branqueamento histórico. Durante anos, retratos oficiais o mostravam com traços mais claros do que realmente tinha, e sua identidade racial foi sistematicamente omitida dos registros históricos.
No contexto de um país racista, Nilo também não reclamou a si sua negritude, o que levantou críticas de figuras como Abdias do Nascimento.
Isso reflete um fenômeno comum na história do Brasil, onde figuras de destaque com ascendência negra frequentemente tiveram suas origens minimizadas para se adequar a um padrão eurocéntrico de representação pública. Ele não foi único, basta pensar em Machado de Assis.
O legado de Nilo Peçanha
Após seu período como presidente, Peçanha continuou ativo na política, sendo governador do Rio de Janeiro e senado, além de ter ocupado o Ministério de Relações Exteriores entre 1917 e 1918.
Em 1918 e 1922, ainda disputou as eleições presidenciais, mas perdeu. A última foi marcada como uma das mais apertadas eleições da Primeira República, conhecidas por serem usualmente pouco concorridas.
Seu legado permanece relevante não apenas por suas ações políticas, mas também pelo simbolismo de sua trajetória em um país que só aboliu a escravidão 19 anos antes de seu governo.
Hoje, Nilo Peçanha começa a ser resgatado como o primeiro presidente negro do Brasil, um reconhecimento tardio mas essencial para a compreensão da diversidade da história política nacional. Seu exemplo nos leva a refletir sobre a persistência do racismo estrutural e sobre a importância de visibilizar as contribuições de negros e negras na formação do país.
Por que lembrar de Nilo Peçanha?
A história de Nilo Peçanha nos ensina que a construção da identidade nacional é permeada por escolhas e omissões. Seu reconhecimento como presidente negro do Brasil é um passo fundamental para entender melhor nossa própria história e os desafios que ainda precisamos superar em termos de igualdade racial.