CHINA EM FOCO

Labubu: o bonequinho chinês que conquistou Rihanna, Dua Lipa e metade do planeta

Toy art com dentes tortos e carisma pop, virou febre global entre celebridades e colecionadores e simboliza a nova era criativa da China

Toy art com dentes tortos e carisma pop, virou febre global entre celebridades e colecionadores e simboliza a nova era criativa da China
Labubu: o bonequinho chinês que conquistou Rihanna, Dua Lipa e metade do planeta.Toy art com dentes tortos e carisma pop, virou febre global entre celebridades e colecionadores e simboliza a nova era criativa da ChinaCréditos: Reprodução Instagram
Escrito en GLOBAL el

Rihanna, Dua Lipa, David Beckham… o que essas celebridades internacionais têm em comum além da fama global? A resposta pode surpreender: todas são fãs do Labubu — um boneco peludo, de olhos esbugalhados e dentes tortos, que virou febre mundial.

Reprodução Instagram - Dua Lipa e Rihanna
Reprodução Instagram - David Beckham ganhou um Labubu de presente da filha.

Criado pelo artista de Hong Kong Kasing Lung e comercializado pela gigante chinesa Pop Mart, o Labubu é o novo queridinho do universo toy art. De Nova York a Paris, lojas especializadas em brinquedos de moda têm registrado filas quilométricas de fãs. Em países como Coreia do Sul e Reino Unido, as vendas presenciais chegaram a ser suspensas por conta da demanda fora de controle.

No mercado de segunda mão, versões raras do boneco alcançam cifras astronômicas. Em um leilão em Pequim, por exemplo, um exemplar foi vendido por cerca de 139 mil dólares. E se isso já parece inusitado, o governo da Tailândia foi além: nomeou o Labubu como “Embaixador da Experiência Incrível da Tailândia”. Sim, você leu certo.

Nas últimas semanas, o brinquedo alcançou o topo da categoria de compras da App Store nos Estados Unidos — um indicativo de que ele deixou de ser apenas um item fofo (e meio bizarro) e se consolidou como símbolo de desejo global.

O segredo do sucesso

O sucesso do Labubu é resultado de uma fórmula certeira: design carismático, apelo emocional, marketing afiado e estratégias de venda que geram expectativa. Ele se encaixa perfeitamente na onda da cultura pop colecionável, que valoriza identidade, autoexpressão e afeto. A Pop Mart investe pesado em design estético, localização de mercado, gestão de comunidades de fãs e parcerias criativas.

Mas o Labubu vai além de uma moda passageira. Ele simboliza uma mudança estratégica da China, que está deixando para trás a imagem de “fábrica do mundo” e apostando em inovação e criatividade como motores de crescimento. Empresas que antes apenas terceirizavam produção agora desenvolvem design próprio, aprimoram a qualidade e buscam presença internacional.

Cada etapa da jornada do Labubu — do conceito à venda — reflete esse novo momento da indústria chinesa: ousada, moderna e cheia de personalidade. O boneco representa a virada do “Feito na China” para o “Criado na China”.

A febre das caixas-surpresa

Parte fundamental da estratégia de sucesso da Pop Mart com o Labubu é o uso das blind boxes, ou caixas-surpresa. Cada embalagem esconde qual versão do boneco está dentro — podem variar em cor, expressão, roupa e até serem edições ultra-raras.

Essa imprevisibilidade ativa um mecanismo semelhante ao de jogos de azar, incentivando os consumidores a comprar várias unidades até encontrar aquela peça especial. Resultado? Compras em volume alto, mercado secundário aquecido e uma experiência de unboxing que virou ritual entre colecionadores, fãs e celebridades.

Nem tudo são flores (ou dentinhos tortos)

O modelo de blind boxes, no entanto, também trouxe controvérsias. Desde 2023, a China proíbe a venda dessas caixas para menores de 8 anos. Nesta sexta-feira (20), o jornal People’s Daily — porta-voz do Partido Comunista Chinês (PCCh) — publicou um editorial alertando para o potencial viciante desse tipo de produto, principalmente entre crianças e adolescentes.

A repercussão foi imediata: a ação da Pop Mart caiu mais de 5% em um único dia. A empresa não foi mencionada diretamente no texto, mas o alerta serviu como sinal claro de que o governo chinês está de olho.

De “fábrica do mundo” a “exportadora de desejo”

O fenômeno Labubu vai muito além de um brinquedo fofo e colecionável: ele representa um novo momento da China no cenário global. Essa é a análise da Qiushi, principal revista teórica do PCCh. Publicada quinzenalmente, ela serve como veículo oficial para divulgar a ideologia do partido, interpretar decisões políticas e orientar o pensamento dos quadros dirigentes. 

Em texto publicado no último dia 11, a revista observa que o Labubu, assim como os jogos de alto orçamento (AAA games) como Black Myth: Wukong, o filme de animação Ne Zha – O Menino Demônio ou o avançado modelo de linguagem DeepSeek, o boneco simboliza o fruto de uma visão empresarial de longo prazo aliada a um compromisso firme com a inovação contínua. É um retrato vivo de como os produtos criativos chineses vêm conquistando prestígio e audiência mundo afora.

Desde a política de reforma e abertura iniciada no fim dos anos 1970, a China usou sua vantagem comparativa — especialmente o baixo custo de mão de obra — para impulsionar o crescimento por meio da industrialização acelerada e do comércio exterior. O país tornou-se uma potência manufatureira global.

No entanto, não parou por aí: em vez de se acomodar em um modelo de produção de baixo valor agregado, a China passou a apostar fortemente na inovação autônoma, fomentando um ambiente favorável ao empreendedorismo criativo e à migração para cadeias produtivas mais sofisticadas.

Esse novo ecossistema floresceu com o apoio de políticas públicas inteligentes, programas de formação de talentos e uma estrutura de mercado dinâmica. O país se consolidou como uma verdadeira incubadora global de inovação, capaz de produzir não só em escala, mas com identidade, qualidade e originalidade.

No setor de brinquedos de moda, a mudança é visível. Antes limitadas à subcontratação de marcas estrangeiras, as empresas chinesas passaram a investir em design autoral, controle de qualidade e posicionamento internacional.

O sucesso de Labubu é um exemplo claro desse salto: desde a concepção estética até a embalagem, passando pela impressão, logística e varejo, cada etapa demonstra a força criativa e a competência produtiva da nova indústria chinesa.

Relatórios de mercado já apontam que o Labubu simboliza essa transição — da antiga imagem de “fábrica do mundo” para um novo status de “centro global de criatividade e desejo”.

Em tempos de incertezas geopolíticas e volatilidade econômica, a inovação tornou-se o trunfo das empresas chinesas. Em maio de 2025, mesmo com tensões externas crescentes, as exportações da China cresceram 6,3%, impulsionadas principalmente por produtos de alta tecnologia e valor agregado, como smartwatches, gadgets de inteligência artificial e brinquedos colecionáveis premium — exatamente o tipo de produto em que o Labubu se encaixa.

Em um mundo cada vez mais competitivo, só sobrevive quem aposta na criatividade, na diferenciação e na conexão emocional com o consumidor. Por isso, é provável que, na trilha aberta por Labubu, outros produtos culturais chineses de alcance global continuem surgindo — com menos Made in China e cada vez mais Criado na China.

A febre do Labubu, com seus olhos arregalados e sorriso torto, parece estar longe de acabar. E, com ela, vem uma certeza: outros fenômenos culturais chineses devem seguir o mesmo caminho, conquistando corações (e carteiras) ao redor do mundo.

A história do Labubu

Reprodução Instagram

A história do Labubu começa com o artista Kasing Lung, nascido em Hong Kong em 1972 e radicado em Taiwan. Ilustrador e criador de universos infantis com tons sombrios e oníricos, Kasing desenvolveu o personagem em sua série de quadrinhos chamada The Monsters, publicada originalmente em 2011. Nessa série, Labubu surgiu como uma criatura peluda, de dentes pontudos e olhos arregalados — um ser entre o fofo e o assustador, símbolo de rebeldia, inocência e liberdade.

Da HQ ao colecionismo global

Originalmente, Labubu não foi criado para virar boneco. Era um dos personagens centrais do universo The Monsters, um mundo repleto de criaturas imaginárias com nomes e traços próprios. No entanto, o design expressivo de Labubu — seu visual estranho, mas cativante — chamou a atenção da gigante chinesa Pop Mart, especializada em brinquedos de design e art toys colecionáveis.

Em 2018, a Pop Mart fechou uma parceria com Kasing Lung para transformar o personagem em uma linha de figuras vendidas no formato de caixas-surpresa (blind boxes), uma estratégia comercial que mistura escassez, colecionismo e efeito surpresa. A primeira série foi um sucesso absoluto, levando ao lançamento de dezenas de variações e colaborações.

A estética de Labubu: entre o bizarro e o adorável

Parte do apelo de Labubu vem de sua estética ambígua: ele não é explicitamente “bonitinho” como mascotes japoneses tradicionais, nem assustador demais. É essa ambivalência que atrai públicos de diferentes idades. Seus olhos grandes, dentes irregulares e orelhas pontudas lembram personagens folclóricos, evocando nostalgia, melancolia e humor ao mesmo tempo.

Kasing Lung já declarou que se inspira em suas memórias de infância, medos e sonhos. Labubu, segundo o artista, “representa o eu interior das pessoas que ainda não se renderam completamente ao mundo adulto”.

Da Ásia para o mundo

O sucesso do Labubu começou na China continental e em Hong Kong, mas rapidamente se espalhou para outros mercados da Ásia, como Japão, Tailândia, Malásia e Coreia do Sul. A partir de 2022, a Pop Mart iniciou uma expansão agressiva para o Ocidente, abrindo lojas nos Estados Unidos, Reino Unido, França e Austrália.

Paralelamente, a marca passou a lançar versões comemorativas e de luxo do Labubu, como edições limitadas em parceria com marcas de moda e celebridades, além de linhas temáticas (pirata, natalina, monstro da floresta etc.). Essas versões rapidamente se tornaram itens de desejo em feiras de design e plataformas de revenda.

Labubu e o novo soft power chinês

Hoje, Labubu não é apenas um brinquedo colecionável — é símbolo de uma nova era do soft power cultural chinês. Assim como os K-dramas coreanos e o anime japonês conquistaram o mundo, o personagem de Kasing Lung representa uma China que aposta em criatividade, design e emoção como estratégias de conquista simbólica no mercado global.

A história do Labubu  é tanto sobre um personagem carismático quanto sobre a transformação de um país que, em vez de apenas fabricar para os outros, passou a criar para si — e para o mundo.

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar