CHINA EM FOCO

The Economist admite potência do soft power da China

'Bíblia' do liberalismo dá o braço a torcer e constata que a juventude do mundo tem novos olhos para a potência asiática

'Bíblia' do liberalismo dá o braço a torcer e constata que a juventude do mundo tem novos olhos para a potência asiática; como o streamer dos EUA Darren Watkins Jr., conhecido como IShowSpeed
The Economist admite potência do soft power da China.'Bíblia' do liberalismo dá o braço a torcer e constata que a juventude do mundo tem novos olhos para a potência asiática; como o streamer dos EUA Darren Watkins Jr., conhecido como IShowSpeedCréditos: Fotomontagem (CGTN)
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Em 2025, a China alcançou uma marca histórica ao se tornar a segunda nação mais poderosa do mundo em termos de soft power, ultrapassando o Reino Unido e ficando atrás apenas dos Estados Unidos.

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Soft power (ou poder brando) é a capacidade que um país tem de influenciar outros países e pessoas no mundo sem usar força militar, coerção ou pressão direta. Em vez disso, funciona por meio da atração e da persuasão — ou seja, um país "conquista" a admiração e o respeito dos outros pela sua cultura, valores, políticas, inovação tecnológica, educação, esportes, música, filmes, gastronomia e outras formas de expressão.

Até a “bíblia” do liberalismo, a revista britânica The Economist, deu o braço a torcer e admitiu que o poder brando da China conquistou o interesse da juventude mundo afora, em um texto que surpreende ao adotar uma postura favorável aos chineses, embora mantenha nuances críticas.

Reprodução The Economist

No artigo “How China became cool” (Como a China ficou legal, em tradução livre), publicado na última terça-feira (20), a publicação relata como um streamer dos EUA com milhões de seguidores ajudou a impulsionar a imagem positiva da potência asiática no exterior.

Darren Watkins Jr., conhecido como IShowSpeed, um jovem streamer de 20 anos de Ohio, surpreendeu ao impulsionar positivamente a reputação internacional da China em apenas duas semanas de viagem.

Entre março e abril, ele exibiu para seus 38 milhões de seguidores aspectos como a rica história chinesa — chegando a fazer um salto mortal na Grande Muralha —, a simpatia do povo e a tecnologia avançada, incluindo interações com robôs humanoides, entregas por drone e até um táxi voador.

Sua espontaneidade e entusiasmo — como ao dirigir um SUV anfíbio e se surpreender com sua resistência — cativaram o público e deram um tom autêntico à promoção do país. Uma poderosa contribuição ao chamado soft power, o poder de influência sem uso de força.

O poder da juventude na nova imagem da China

Após a pandemia de covid-19, jovens estrangeiros têm demonstrado maior disposição para enxergar a China sob uma perspectiva renovada, impulsionados principalmente por vloggers e influenciadores como Darren Watkins Jr., que compartilham experiências autênticas no país.

A China vem se destacando globalmente em tecnologia avançada e exportação cultural, especialmente nos setores de videogames e aplicativos móveis. Em dezembro, a tecnologia chinesa DeepSeek ganhou atenção ao lançar modelos de inteligência artificial significativamente mais baratos de treinar, com eficiência próxima aos melhores do Ocidente.

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Além disso, veículos elétricos produzidos na China têm grande procura internacional, enquanto drones de consumo fabricados no país dominam o mercado global há anos.

No campo cultural, produtos chineses também conquistam público internacional. Na última década, a China observou com admiração o fenômeno global do K-pop sul-coreano. Embora a música e a televisão chinesas ainda sejam nichos fora do universo mandarim, o país cresce rapidamente no setor de jogos eletrônicos.

Em 2024, quatro dos dez jogos mobile mais lucrativos foram desenvolvidos na China, destacando-se Genshin Impact, um RPG que gera mais de 1 bilhão de dólares em receita anual.

No ano passado, a estreia de Black Myth: Wukong — inspirado no lendário Rei Macaco e no folclore chinês — marcou o primeiro grande sucesso dos videogames chineses no mercado global. Cerca de 30% dos seus 25 milhões de jogadores são estrangeiros.

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A influência chinesa também cresce na mídia consumida internacionalmente. O TikTok, da empresa Bytedance, lidera downloads globais de apps sociais.

Em janeiro, meio milhão de estadunidenses migraram para o RedNote, conhecido na China como Xiaohongshu (“Pequeno Livro Vermelho”), após o banimento temporário do TikTok nos Estados Unidos, que posteriormente foi suspenso.

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Em países como México e Indonésia, formatos como os “microdramas” — episódios de cerca de um minuto produzidos para smartphones — vêm ganhando popularidade, ampliando o alcance da cultura digital chinesa pelo mundo.

Soft power como ferramenta política

Desde 2013, o Partido Comunista da China (PCCh) destaca o soft power como pilar para o “sonho chinês do rejuvenescimento nacional”, embora reconheça a dificuldade de vencer a propaganda anti-China sistemática, inclusive presente na revista The Economist.

A China adotou diversas políticas públicas para promover seu soft power, buscando ampliar sua influência global por meios não coercitivos, como cultura, educação e diplomacia.

Institutos Confúcio

Criados em 2004, os Institutos Confúcio são centros de ensino de língua e cultura chinesas localizados em universidades ao redor do mundo. Eles promovem o mandarim e facilitam intercâmbios culturais, funcionando como ferramentas de diplomacia cultural. Apesar do sucesso, enfrentam críticas sobre possíveis influências políticas e limitações à liberdade acadêmica.

Iniciativas digitais e culturais

A cidade de Xangai destaca-se no desenvolvimento de cultura digital, com destaque para literatura online e eventos de e-sports. Em 2022, a receita de vendas online de literatura alcançou 12 bilhões de yuans, e os eventos de e-sports geraram 6 bilhões de yuans, consolidando a cidade como polo cultural digital.

Diplomacia dos Estádios

A China financia a construção de estádios e instalações esportivas em diversos países, principalmente na África, América Latina e Sudeste Asiático, visando fortalecer laços diplomáticos e promover sua imagem internacional por meio do esporte.

Iniciativa de Civilização Global

Apresentada em 2023, essa iniciativa promove o respeito mútuo entre civilizações, enfatizando valores como paz, desenvolvimento e justiça. A China tem expandido programas de intercâmbio de jovens e facilitado a entrada sem visto para cidadãos de vários países, reforçando seu soft power.

Incentivo ao turismo

O governo chinês ampliou políticas para aumentar o turismo e os intercâmbios culturais, promovendo uma imagem mais aberta e acessível do país. Em 2024, implementou isenção de visto para cidadãos de 38 países, incluindo França, Alemanha, Itália, Espanha, Portugal, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Brasil, Argentina, Chile, Peru e Uruguai.

A medida, válida de 30 de novembro de 2024 a 31 de dezembro de 2025, permite estadias de até 30 dias para turismo, negócios, visitas a familiares ou amigos, intercâmbio cultural ou trânsito.

Como resultado, o número de turistas estrangeiros na China em 2024 aumentou 82,9% em relação a 2023, totalizando 64,88 milhões de visitantes. Mais de 20 milhões entraram sem visto, crescimento de 112,3% sobre o ano anterior.

Além disso, a partir de 1º de junho de 2025, a China estenderá a isenção de visto para cidadãos de Brasil, Argentina, Chile, Peru e Uruguai, com validade até 31 de maio de 2026, reforçando laços culturais e econômicos com a América Latina.

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Diplomacia dos pandas gigantes

A diplomacia dos pandas gigantes é uma prática de relações internacionais utilizada pela China desde a década de 1950, que consiste no empréstimo ou doação de pandas gigantes a zoológicos de outros países como símbolo de amizade, cooperação e fortalecimento dos laços diplomáticos.

Pesquisas confirmam ascensão chinesa

Dados recentes refletem a melhora da imagem da China: segundo a consultoria Brand Finance, o país subiu do 8º lugar em 2021 para o 2º no ranking global de marca-país em 2025, atrás apenas dos Estados Unidos.

Esse resultado representa o melhor desempenho da China desde que a Brand Finance começou a monitorar percepções sobre marcas-país.

A ascensão chinesa é fruto de estratégias deliberadas e multifacetadas. Dados mostram que a reputação da China saltou da 56ª posição em 2021 para a 27ª em 2025.

Ao longo de 2024, a marca-país chinesa cresceu significativamente em seis dos oito pilares avaliados pelo Soft Power, com avanços em dois terços dos atributos analisados, refletindo percepção positiva crescente em indicadores econômicos, culturais e sociais, fortalecendo sua influência global.

Percepção internacional: avanços e contrastes

A ONG dinamarquesa Alliance of Democracies Foundation, dedicada à promoção da democracia e mercados livres, aponta que a percepção líquida da China cresceu de -4% para +14% entre 2022 e 2025, enquanto a dos EUA caiu de +22% para -5% no mesmo período.

Essa informação consta do Democracy Perception Index (DPI) 2025, divulgado em maio, pesquisa que entrevistou mais de 111 mil pessoas em 100 países, com média de 1.100 participantes por país.

Segundo o DPI, apenas 45% dos países pesquisados têm visão positiva dos EUA, contra 76% no ano anterior — queda atribuída a políticas externas controversas, como tarifas comerciais e tensões diplomáticas.

Por outro lado, a China viu sua avaliação líquida subir de +5% para +14%, com mais de 75% dos países avaliando o país de forma mais favorável que os EUA, principalmente no Oriente Médio, África Subsaariana e América Latina.

Esse fenômeno indica uma mudança nas dinâmicas globais, com a China sendo vista como modelo de governança estável e eficiente, contrastando com a polarização e os desafios enfrentados pelos EUA.

A pesquisa sugere que o sucesso chinês está ligado à sua abordagem pragmática e ao foco no desenvolvimento nacional, enquanto a imagem dos EUA sofre com políticas internas e externas que afastam aliados e parceiros.

O que são marcas-país?

Marcas-país (ou country brands) são a imagem e a reputação que um país projeta internacionalmente, influenciando como ele é percebido por outros países, investidores, turistas, empresas e cidadãos do mundo todo.

Assim como uma marca comercial agrega valores, qualidade e identidade a um produto ou serviço, a marca-país define a identidade, valores culturais, econômicos, políticos e sociais de uma nação.

Essa imagem impacta setores como:

  • Turismo: atração de visitantes interessados na cultura, história e belezas naturais;
     
  • Investimentos: confiança de investidores estrangeiros para negócios e parcerias;
     
  • Exportações: valor agregado aos produtos nacionais e acesso facilitado a mercados externos;
     
  • Diplomacia: fortalecimento da influência e reputação internacional do país.

A construção e gestão da marca-país envolvem estratégias de comunicação, cultura, diplomacia pública, inovação e desenvolvimento sustentável, buscando transmitir uma imagem positiva, confiável e atrativa do país no exterior.

Os oito pilares do soft power

  1. Negócios e Comércio (Business & Trade): força econômica, atração de investimentos, facilidade para negócios e integração no comércio global.
     
  2. Governança (Governance): qualidade do governo, transparência, eficiência, cumprimento das leis e estabilidade política.
     
  3. Cultura (Culture): influência cultural, como arte, música, cinema, literatura e patrimônio histórico.
     
  4. Diplomacia (Diplomacy): eficácia da política externa, construção de alianças e participação em organizações internacionais.
     
  5. Educação e Ciência (Education & Science): qualidade do sistema educacional, número de estudantes internacionais e contribuições científicas.
     
  6. Reputação (Reputation): percepção global geral, incluindo confiança, atratividade e imagem pública.
     
  7. Turismo (Tourism): atratividade como destino turístico e capacidade de gerar fluxo de visitantes.
     
  8. População (People): percepção sobre as pessoas do país, hospitalidade, competência e diversidade cultural.
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