CHINA EM FOCO

Hollywood tem problemas na China: o fenômeno "Ne Zha 2" e a rejeição aos blockbusters ocidentais

Público chinês rejeita as fórmulas previsíveis da indústria cinematográfica dos EUA em um de seus mercados mais lucrativos ao impulsionar o crescimento do cinema nacional

Público chinês rejeita as fórmulas previsíveis da indústria cinematográfica dos EUA em um de seus mercados mais lucrativos ao impulsionar o crescimento do cinema nacional.
Hollywood tem problemas na China: o fenômeno.Público chinês rejeita as fórmulas previsíveis da indústria cinematográfica dos EUA em um de seus mercados mais lucrativos ao impulsionar o crescimento do cinema nacional.Créditos: Fotomontagem (Divulgação e Unplash)
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Por anos, Hollywood atribuiu sua perda de espaço na China a fatores políticos como censura mais rígida, ascensão do nacionalismo e proteção governamental ao cinema local. No entanto, a recente explosão de bilheteria do filme chinês "Ne Zha 2" desafia essa visão simplista e expõe um problema mais profundo: a incapacidade de estúdios ocidentais de compreender e se adaptar às mudanças do público chinês.

O artigo "Hollywood Has a New China Problem" (Hollywood tem um novo problema na China, em tradução livre), publicado pela revista estadunidense Foreign Policy, uma das mais influentes publicações sobre geopolítica e economia global, analisa a crescente dificuldade dos estúdios de Hollywood em atrair o público chinês. 

Segundo a análise, a principal razão para o declínio dos filmes ocidentais na China é a mudança nas preferências do público local, que tem optado por produções chinesas em detrimento dos blockbusters hollywoodianos.

O artigo destaca que, embora questões políticas desempenhem um papel importante, a crise de Hollywood na China é, em grande parte, um fracasso da indústria cinematográfica dos EUA em se adaptar às novas demandas do público chinês. O artigo cita exemplos como o fracasso comercial de "Kung Fu Panda 4", que, apesar de sua temática chinesa, não conseguiu atrair espectadores no país.

Além disso, a análise menciona o enorme sucesso de "Ne Zha 2", que demonstra como o cinema chinês tem conseguido criar produções sofisticadas, envolventes e alinhadas com a cultura local, sem a necessidade de recorrer a fórmulas hollywoodianas.

China deixa de ser um mercado garantido para Hollywood

Durante a década de 2010, blockbusters como "Transformers: A Era da Extinção" e "Vingadores: Ultimato" arrecadaram centenas de milhões de dólares na China, consolidando o país como um dos pilares da indústria hollywoodiana. Os estúdios ocidentais apostavam na fórmula do espetáculo: orçamentos astronômicos, efeitos visuais exuberantes e narrativas simples, acreditando que esses elementos garantiriam seu domínio no mercado chinês.

Contudo, essa estratégia perdeu força à medida que o público local se tornou mais exigente. Com a ascensão de estúdios chineses e uma onda de produções nacionais de alta qualidade, filmes como "Ne Zha 2" provaram que a preferência do espectador chinês não é ditada apenas por propaganda estatal, mas por escolhas conscientes e criteriosas.

"Ne Zha 2" e a ascensão do cinema chinês

Inspirado no folclore chinês, "Ne Zha 2" continua a tradição de animações como "Havoc in Heaven" (1961) e "Ne Zha Conquers the Dragon King" (1979). O filme combina humor afiado, visuais impressionantes e temas universais como identidade, luta pessoal e busca por aceitação. Diferente das produções de Hollywood que tentam incorporar elementos chineses de forma superficial, "Ne Zha 2" ressoa genuinamente com o público local.

O estúdio por trás do filme posicionou a franquia como parte de um universo cinematográfico maior, semelhante ao modelo da Marvel, mas baseado no clássico Fengshen Yanyi (Investidura dos Deuses), uma obra do século 16 que moldou o teatro popular chinês por séculos.

Ao contrário de blockbusters ocidentais que apostam na nostalgia e na repetição de fórmulas desgastadas, "Ne Zha 2" investe na inovação e na identidade cultural, oferecendo um produto autêntico e alinhado com os gostos do público chinês.

O fracasso das fórmulas de Hollywood

A crença de que bastava despejar filmes de grande orçamento na China para garantir sucesso já não se sustenta. O fracasso de "Operation Leviathan", sequência do sucesso "Operation Red Sea", ilustra que até mesmo produções chinesas podem falhar quando não entregam uma narrativa convincente. O público rejeitou o filme por seu enredo fraco e dependência excessiva de efeitos especiais, demonstrando que a exigência por qualidade e inovação não se limita a filmes ocidentais.

Outro exemplo é "The Dreaming Man", uma tentativa da Disney de produzir um filme para o mercado chinês com um elenco e diretor locais. Apesar dos esforços, o longa fracassou porque, segundo especialistas, "parecia chinês, mas tinha um espírito inconfundivelmente hollywoodiano" – uma combinação artificial que o público não aceitou.

Hollywood precisa se reinventar

A ascensão de "Ne Zha 2" representa uma mudança profunda na relação entre o cinema chinês e o ocidental. Mais do que um caso isolado de sucesso, ele é um indicativo de um público cada vez mais exigente e disposto a valorizar suas próprias produções em vez de aceitar passivamente os grandes sucessos de Hollywood.

Os estúdios ocidentais ainda têm tempo para se adaptar, mas a janela está se fechando. Se continuarem a insistir em fórmulas ultrapassadas, correm o risco de se tornarem irrelevantes para um dos mercados cinematográficos mais lucrativos do mundo.

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