Na esteira do fenômeno DeepSeek, uma ferramenta de Inteligência Artificial que chacoalhou o mundo da tecnologia, agora é o cinema chinês que ganha atenção do mundo. O longa-metragem animado "Nezha 2" quebrou múltiplos recordes de bilheteria na China e no exterior desde seu lançamento no Ano-Novo Chinês, em 29 de janeiro.
Até o meio-dia na China desta quarta-feira (12), o filme arrecadou mais de 1,3 bilhão de dólares e atraiu mais de 187 milhões de espectadores. Os números superam todos os outros filmes exibidos no país e se aproximam do sucesso de alguns dos maiores blockbusters de Hollywood.
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O sucesso de "Nezha 2" – sequência do filme de 2019 "Nezha" – representa um marco histórico: é o primeiro longa a ultrapassar 1 bilhão de dólares em bilheteria em um único mercado, consolidando a força da indústria cinematográfica chinesa.
A plataforma chinesa de venda de ingressos Maoyan prevê que "Nezha 2" se tornará o filme de animação de maior bilheteria de todos os tempos.
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Mas como uma animação baseada em mitologia chinesa antiga se tornou um fenômeno global?
A tradição chinesa com um toque moderno
Assim como o aguardado videogame "Black Myth: Wukong", "Nezha 2" se inspira em uma lenda da dinastia Ming (1368-1644). O filme reconta a história de Nezha, um personagem mítico dotado de poderes extraordinários, reinterpretado para o público contemporâneo.
O diretor da franquia, Yang Yu, conhecido pelo apelido Jiaozi, vê a cultura tradicional chinesa como uma fonte inesgotável para a animação. Com o Rei Macaco Sun Wukong, de Jornada ao Oeste, já consagrado no cinema, Yang decidiu trazer Nezha de volta às telas.
Cada detalhe do filme transborda cultura chinesa, desde os trajes tradicionais de Nezha e os artefatos mágicos de seu mentor Taiyi Zhenren, até os elaborados cenários do Palácio Submarino do Dragão e da mística Terra das Maravilhas de Kunlun.
No entanto, apenas elementos culturais não garantem o sucesso de um filme. A forma como essas narrativas são adaptadas para o público moderno é essencial.
"Integrar a cultura chinesa em animações é crucial, mas é ainda mais importante apresentar essas histórias antigas sob uma nova perspectiva, jovem e vibrante", afirmou Yang à Xinhua.
Ele revelou que a vida cotidiana na província de Sichuan e relíquias culturais de museus locais serviram como fonte de inspiração para o filme.
Segundo Xia Zhiqiang, decano da Escola de Administração Pública da Universidade de Sichuan, um dos segredos do sucesso de "Nezha 2" é a força do enredo, que ressoa profundamente com públicos de diferentes culturas.
"Nezha não nasce um herói, mas encontra seu caminho através dos desafios. Sua icônica frase 'Sou o mestre do meu próprio destino' toca o coração de audiências ao redor do mundo, que valorizam temas como coragem, autodescoberta e resiliência", disse Xia à agência de notícias chinesa
O vice-presidente da Associação de Cinema da China, Yin Hong, também destacou a sofisticação do roteiro como um dos pilares do filme.
"O filme reinventa a mitologia com camadas narrativas sofisticadas, explorando a dualidade entre demônios e espíritos, conflitos entre reinos mágicos e celestiais, e batalhas entre os céus e o mundo subaquático. Esse jogo de tensões dramáticas funciona em vários níveis", disse Yin à Xinhua.
Efeitos visuais de ponta e tecnologia de última geração
Além da riqueza cultural e do enredo envolvente, "Nezha 2" impressiona com efeitos visuais de última geração, um campo antes dominado por Hollywood.
O longa utilizou tecnologias avançadas como renderização por GPU e inteligência artificial, atingindo um nível de sofisticação comparável às grandes produções de Hollywood.
Cada detalhe é meticulosamente trabalhado – do Anel do Dragão de Nezha ao Martelo de Gelo do Dragão de Ao Bing. Cenas como o Palácio do Vazio de Jade exibem uma precisão impressionante, refletindo o avanço da indústria cinematográfica chinesa.
A produção envolveu mais de 4 mil profissionais e um orçamento de 68,4 milhões de dólares. Cerca de 80% das 2.400 cenas do filme incluem efeitos especiais, alguns dos quais levaram até três anos para serem finalizados.
Assim como a jornada de Nezha, a equipe de produção enfrentou desafios imensos.
"Não foi apenas uma ou duas montanhas para escalar, mas uma cadeia interminável de desafios", lembrou Yang.
Algumas sequências, como as batalhas épicas com múltiplos personagens, exigiram refações constantes para atingir o nível desejado de perfeição.
"Trabalhamos nelas repetidamente, tentando aperfeiçoar cada detalhe", disse o diretor.
Antes, o público chinês ficava deslumbrado com os efeitos visuais de Hollywood em filmes como "Avatar". Agora, obras nacionais como "Nezha 2" estão estabelecendo novos padrões de excelência visual, refletindo a crescente capacidade da China no cenário global do cinema.
Apoio massivo do público
Mesmo após o encerramento do feriado de oito dias do Festival da Primavera, "Nezha 2" continua a dominar os cinemas chineses. Atualmente, quase 60% das sessões de cinema na China são dedicadas ao filme, tamanho o entusiasmo do público.
Muitos espectadores retornam para assisti-lo duas ou três vezes, revivendo sua história emocionante e seus visuais espetaculares.
Nas redes sociais como Weibo e Rednote, usuários compartilham fotos de ingressos, comentam sobre o filme e incentivam mais pessoas a assistirem.
"O filme virou o assunto mais comentado no meu trabalho. Parece que todo mundo já assistiu ou está prestes a assistir", disse à Xinhua Wang Yuan, morador de Pequim, que enfrentou uma longa fila no cinema no último domingo.
O sucesso do filme também chamou atenção da imprensa internacional. O site de entretenimento The Hollywood Reporter publicou vários artigos sobre "Nezha 2", destacando a declaração do CEO da IMAX, Richard Gelfond:
"O Ano-Novo Chinês desencadeou um dos surtos mais impressionantes de público nos cinemas que vimos nos últimos anos, em qualquer lugar do mundo."
Mais do que um fenômeno de bilheteria, "Nezha 2" simboliza a crescente aceitação global das narrativas chinesas e o avanço da indústria cinematográfica do país.
"Ao combinar elementos culturais tradicionais com narrativas modernas e tecnologia de ponta, 'Nezha 2' conquistou tanto o público doméstico quanto o internacional, assim como 'Black Myth: Wukong'", disse à Xinhua Zhang Yiwu, professor da Universidade de Pequim.
"À medida que a China continua a valorizar sua herança cultural enquanto investe em inovação, 'Nezha 2' representa o futuro promissor do cinema chinês."
Políticas públicas para o audiovisual
O governo chinês tem implementado diversas políticas para promover o setor cinematográfico e audiovisual, visando fortalecer a indústria nacional e ampliar sua presença no mercado global.
Uma das principais iniciativas foi a adoção da Lei de Reforma e Abertura do Setor Audiovisual em 2017, que busca impulsionar a produção cinematográfica doméstica por meio de medidas regulatórias e incentivos.
Além disso, a China tem investido na modernização e expansão de sua infraestrutura cinematográfica. Nos últimos 20 anos, o número de salas de cinema no país aumentou de mil para 14 mil, resultado de parcerias com o setor privado e foco em produções de temas nacionais.
A cooperação internacional também é uma prioridade para o governo chinês. Através de acordos de coprodução, como o firmado com o Brasil, a China busca facilitar a criação de projetos conjuntos, promover a diversidade cultural e incentivar o intercâmbio técnico e profissional no setor audiovisual.
Essas políticas refletem o compromisso da China em desenvolver uma indústria audiovisual robusta, capaz de competir globalmente e de promover a cultura chinesa no cenário internacional.