Em meio às profundas transformações em curso na ordem mundial estabelecida após o fim da Segunda Guerra Mundial, foi criada uma nova entidade intergovernamental dedicada a promover a mediação como um mecanismo eficaz e pacífico para a resolução de disputas internacionais.
Trata-se da Organização Internacional para Mediação (IOMed), cuja cerimônia de assinatura da Convenção para o Estabelecimento ocorreu em Hong Kong na sexta-feira (30). O evento reuniu cerca de 400 representantes de alto nível de 85 países da Ásia, África, América Latina e Europa, além de quase 20 organizações internacionais.
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O principal objetivo da IOMed é fortalecer o Estado de Direito global e aprimorar a governança mundial por meio da solução amigável de conflitos entre países, evitando processos judiciais longos ou confrontos mais acirrados.
A IOMed passa a integrar o conjunto de mecanismos internacionais voltados à resolução pacífica de disputas entre Estados, atuando de forma complementar ou similar a instituições como o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), o Conselho de Segurança da ONU, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
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Também se soma à Corte Permanente de Arbitragem (CPA), às organizações regionais de mediação e resolução de conflitos — como a União Africana (UA), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a União Europeia (UE) — e aos mecanismos internacionais de arbitragem, como a Câmara de Comércio Internacional (ICC) e o Centro Internacional para Resolução de Disputas de Investimento (ICSID).
Enquanto o IOMed surge como uma iniciativa dedicada à mediação internacional focada em flexibilidade, autonomia e eficiência, outros mecanismos já existentes apresentam diferentes formatos, competências e graus de formalidade para resolver disputas internacionais — desde tribunais judiciais até arbitragem e mediação regional.
Protagonismo da China
A China teve papel central e proativo na criação da IOMed. O país liderou o processo de idealização, promoção e negociação da convenção que estabeleceu o mecanismo, destacando-se como principal impulsionador da iniciativa no cenário internacional.
Ao propor a criação da IOMed, a China também busca ampliar sua influência na governança global, promovendo um sistema mais multipolar e inclusivo, onde países em desenvolvimento e o Sul Global tenham maior voz e participação.
Discurso do chanceler chinês
Em seu discurso na cerimônia que estabeleceu a IOMed, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, ressaltou a importância da mediação como mecanismo fundamental para a resolução pacífica de disputas internacionais. Segundo ele, “a mediação, conforme previsto no Artigo 33 da Carta da ONU, deve ser um dos primeiros meios tentados para buscar soluções pacíficas”.
Wang afirmou que a criação da IOMed representa “um passo inovador no campo do Estado de Direito internacional” e “preenche uma lacuna institucional histórica na mediação internacional”, além de ser “um importante bem público para fortalecer a governança global”.
O chanceler destacou ainda que o nascimento da IOMed “pode ajudar a transcender a mentalidade de soma zero, promovendo a resolução amigável de disputas e relações internacionais mais harmoniosas”.
O diplomata chinês enfatizou o caráter inclusivo da organização, que “respeita a vontade das partes, combina flexibilidade, economia, conveniência e eficiência, e complementa outros mecanismos como litígios e arbitragem”.
Ao justificar a escolha de Hong Kong como sede, Wang lembrou que “o retorno da cidade à pátria é um exemplo bem-sucedido de resolução pacífica de disputas internacionais” e que o sucesso do princípio “Um País, Dois Sistemas” tem garantido prosperidade e estabilidade à região, posicionando-a como “estrela ascendente no direito internacional”.
Wang conclamou a comunidade internacional a “honrar os propósitos da Carta da ONU, assegurar participação voluntária, tomada de decisões igualitária e interesses comuns”, promovendo “reconciliação, cooperação e harmonia” e “regras de mediação autônomas, flexíveis, pragmáticas e eficientes”.
Ele também contou uma história chinesa tradicional para ilustrar o poder da mediação: dois vizinhos que, ao não concordarem sobre os limites de suas casas, recorreram à mediação e conseguiram resolver o conflito, abrindo caminho para um beco de dois metros de largura, benefício para toda a comunidade.
“Quando resolvemos disputas por mediação e acomodação mútua, as armas podem ser substituídas por presentes, e muros altos podem ser derrubados para abrir caminhos pacíficos”, concluiu.
Impactos da criação da IOMed
A criação da IOMed representa um avanço significativo no cenário internacional de resolução de conflitos, especialmente num momento em que a ordem global enfrenta transformações profundas, caracterizadas por crescente multipolaridade, tensões geopolíticas e desafios complexos de governança.
A nova organização destaca a mediação como uma alternativa flexível, eficiente e menos confrontacional em relação a litígios e arbitragem, facilitando soluções pacíficas que beneficiam todas as partes envolvidas. Isso pode reduzir o risco de escaladas conflitivas, guerras e rupturas diplomáticas.
Atualmente, a mediação internacional carece de uma estrutura institucional robusta, com regras claras e legitimidade global. A IOMed preenche essa lacuna, estabelecendo normas, procedimentos e um espaço institucionalizado para negociações multilaterais e bilaterais.
Ao enfatizar a participação e representação de países em desenvolvimento, o IOMed busca democratizar a governança global e garantir que as vozes do Sul Global sejam ouvidas em processos de resolução de disputas, promovendo maior justiça e equilíbrio nas relações internacionais.
Em um mundo marcado por disputas territoriais, econômicas e tecnológicas, a IOMed pode contribuir para a construção de confiança e cooperação, facilitando acordos que previnem conflitos e incentivam parcerias duradouras.
A organização reforça os princípios do direito internacional e das Nações Unidas, promovendo que os conflitos sejam resolvidos conforme normas reconhecidas, respeitando a soberania e a autodeterminação dos Estados.
Nova ordem global
Com o declínio relativo da hegemonia unilateral dos EUA e a ascensão de potências como China, Índia e União Europeia, o sistema internacional exige mecanismos que favoreçam o diálogo e a negociação entre múltiplos atores.
Disputas contemporâneas envolvem não apenas questões territoriais, mas também econômicas, tecnológicas, ambientais e culturais, demandando soluções mais flexíveis e adaptáveis que a mediação pode oferecer.
A crise de instituições multilaterais tradicionais e o aumento do unilateralismo tornam imprescindível o surgimento de novas estruturas que possam mediar interesses divergentes e restaurar a cooperação internacional.
A criação da IOMed pode ser vista como um passo inovador e necessário para modernizar a resolução pacífica de conflitos, alinhando-se às demandas do século XXI e contribuindo para uma ordem global mais estável, inclusiva e governável.