A China já está elaborando uma nova versão de sua política industrial, que será incorporada ao 15º Plano Quinquenal (2026–2030). Ao contrário do que sugerem análises predominantes na mídia comercial brasileira, a iniciativa não deve ser vista apenas como uma reação às sanções e pressões dos Estados Unidos e seus aliados. Trata-se, sobretudo, da continuidade de um modelo sofisticado de planejamento estatal que tem se mostrado um dos instrumentos mais eficazes de coordenação econômica do mundo.
Por meio dos planos quinquenais, a China consegue articular investimentos públicos, desenvolvimento tecnológico e políticas industriais em torno de metas estratégicas de longo prazo, combinando estabilidade institucional com capacidade de adaptação. O novo ciclo reforça o compromisso do país com a autossuficiência tecnológica, a modernização da indústria e a integração entre crescimento econômico e segurança nacional — pilares centrais de sua ambição geopolítica nas próximas décadas.
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Made in China, a atual política industrial da China
O “Made in China 2025” é uma estratégia industrial lançada pelo governo chinês em 2015 com o objetivo de transformar a China em uma potência global em manufatura avançada. Inspirado no modelo da Indústria 4.0 da Alemanha, o plano busca reduzir a dependência de tecnologias estrangeiras e posicionar o país como líder em setores estratégicos como robótica, inteligência artificial, semicondutores, biotecnologia, veículos elétricos, aeroespacial e telecomunicações.
A meta era que, até 2025, empresas chinesas dominassem as cadeias de valor desses setores, substituindo importações por produção nacional, com apoio direto do Estado em financiamento, inovação e desenvolvimento tecnológico.
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No entanto, após forte reação internacional — especialmente dos Estados Unidos, que passaram a ver o plano como uma ameaça direta à liderança tecnológica ocidental —, o governo chinês deixou de usar oficialmente o nome “Made in China 2025” por volta de 2018. A retirada do rótulo foi uma medida diplomática para suavizar tensões e reduzir o foco externo sobre a política industrial chinesa, sem, no entanto, abandonar seus objetivos.
Os pilares do plano foram incorporados ao 14º Plano Quinquenal (2021–2025), que reafirma a ambição da China de liderar setores de alta tecnologia, fortalecer sua autossuficiência em inovação e consolidar cadeias de suprimento nacionais em áreas estratégicas.
O plano quinquenal atual adota uma linguagem mais ampla — como “segurança tecnológica”, “dupla circulação” e “desenvolvimento de qualidade” —, mas segue orientado pelos mesmos princípios do "Made in China 2025", agora com ênfase redobrada em inteligência artificial, digitalização industrial e transição energética.
O que esperar da nova política industrial da China?
A nova política industrial da China que está sendo preparada vai muito além de uma resposta reativa às pressões externas. Trata-se de uma estratégia estruturante, voltada a moldar ativamente o futuro da economia global em um cenário de reconfiguração tecnológica e geopolítica. Combinando planejamento estatal com avanços tecnológicos acelerados, o país se posiciona para liderar a próxima revolução industrial — marcada pela inteligência artificial, transição energética e disputas por soberania digital.
Esse novo ciclo de política industrial chinesa pretende consolidar o país como uma potência tecnológica autônoma, apostando na inovação de fronteira, na segurança nacional e na redução da dependência externa. Em um contexto de crescente rivalidade com os Estados Unidos e de restrições em setores sensíveis — como semicondutores, IA e telecomunicações —, a China deve intensificar os investimentos em áreas consideradas estratégicas, construindo cadeias produtivas nacionais resilientes.
Ainda que o nome “Made in China 2025” possa ter sido reformulado por conveniências diplomáticas, seus pilares centrais permanecem vivos. O foco em liderança global em manufatura avançada segue orientando o apoio a setores como veículos elétricos, biotecnologia, robótica, aeroespacial e telecomunicações, que continuarão a receber incentivos prioritários.
A política também deve acelerar a integração entre tecnologias digitais e indústria, consolidando uma Indústria 4.0 com características chinesas. Isso envolve a aplicação intensiva de big data, internet das coisas, computação em nuvem, automação e inteligência artificial em processos produtivos.
Outro eixo-chave será a “dupla transição”: digital e ecológica. A nova estratégia prevê estímulos à produção limpa, à economia circular, à adoção de fontes renováveis de energia e à descarbonização industrial — em sintonia com a meta de neutralidade de carbono até 2060.
No plano institucional, a política reafirma o modelo de governança centralizada, com o Estado exercendo papel direto na coordenação de recursos, talentos e infraestrutura. Empresas estatais e privadas consideradas “campeãs nacionais” serão fortalecidas para atuar em mercados globais, enquanto o capital estrangeiro poderá ser bem-vindo, desde que atenda às metas estratégicas chinesas, sob marcos regulatórios mais rígidos.
A nova política industrial da China será também uma alavanca geopolítica. A potência asiática deve usá-la para estabelecer padrões tecnológicos próprios, ampliar sua influência em países emergentes por meio da Iniciativa Cinturão e Rota, e aprofundar parcerias em ciência e tecnologia com o Sul Global — projetando sua capacidade industrial como ativo central de seu protagonismo internacional.
Cronograma do 15º Plano Quinquenal da China
Desde dezembro de 2023, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC, na sigla em inglês) iniciou os estudos preliminares para o 15º Plano Quinquenal (2026–2030), com foco em eixos estratégicos como modernização econômica, inovação tecnológica e segurança energética, segundo informou o Conselho de Estado da China.
Neste mês de maio de 2025, o governo chinês lançou uma consulta pública online para coletar sugestões da população sobre o novo plano. Os cidadãos podem participar por meio de plataformas estatais como People's Daily, Xinhua News Agency, China Media Group e o aplicativo xuexi.cn, numa tentativa de ampliar a participação social no processo de formulação.
A expectativa é que as diretrizes centrais do plano sejam aprovadas em outubro de 2025, durante o 5º Plenário do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh). Já a versão final do documento será submetida à aprovação formal durante a reunião anual do Congresso Nacional do Povo, em março de 2026 — as chamadas "Duas Sessões", principal evento legislativo do país.
O que são os planos quinquenais da China e por que eles importam
Os planos quinquenais são ferramentas fundamentais para entender como funciona a economia chinesa. Elaborados a cada cinco anos, esses documentos orientam as políticas públicas do país e definem metas econômicas, sociais e ambientais de médio prazo. Mais do que uma peça burocrática, o plano quinquenal é um dos mecanismos mais poderosos de coordenação econômica do mundo, capaz de alinhar investimentos públicos, inovação tecnológica e estratégias industriais com os objetivos de longo prazo do governo central.
O primeiro plano foi lançado em 1953, inspirado no modelo soviético de planejamento central. Ao longo dos anos, a China passou por 14 ciclos quinquenais, adaptando cada um às transformações internas e ao cenário internacional. A partir das reformas promovidas por Deng Xiaoping nos anos 1980, os planos deixaram de ser rígidos e passaram a funcionar como diretrizes estratégicas, com mais flexibilidade para o setor privado e foco no desenvolvimento de qualidade.
A elaboração do plano é coordenada pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, mas envolve também ministérios, governos locais, empresas estatais e centros de pesquisa. Após esse processo de construção coletiva, a versão final é submetida à aprovação do Congresso Nacional do Povo, o órgão legislativo máximo da China.
Na prática, o plano estabelece metas de crescimento econômico — como aumento do PIB, consumo interno e inovação — e define setores prioritários, como tecnologia, energia limpa, saúde, defesa e segurança alimentar. Também inclui indicadores sociais e ambientais, como acesso à educação, urbanização, emissão de carbono e renda rural. Para atingir esses objetivos, o Estado mobiliza investimentos, oferece incentivos fiscais, regula o crédito bancário e define prioridades para grandes obras de infraestrutura.
Embora o plano não tenha força de lei, ele orienta todas as políticas públicas e direciona os recursos estatais de forma coordenada. Sua estrutura costuma incluir: avaliação do plano anterior, análise do contexto doméstico e internacional, metas quantitativas, setores estratégicos, ciência e tecnologia, desenvolvimento verde, redução da pobreza e segurança nacional.
O 14º Plano Quinquenal, em vigor entre 2021 e 2025, tem como foco a autossuficiência tecnológica, priorizando áreas como inteligência artificial, semicondutores, robótica, saúde e energia renovável. Ele também incorpora metas do antigo programa “Made in China 2025” e aposta na chamada “circulação dual”: fortalecer o mercado interno, sem abandonar a integração com a economia global.
Com esse modelo, a China busca não apenas crescer, mas moldar de forma ativa seu futuro — combinando planejamento estatal com inovação e pragmatismo.
Planos Quinquenais da China: um panorama do desenvolvimento industrial
Desde 1953, os Planos Quinquenais têm sido o principal instrumento de planejamento econômico e industrial da China. Combinando diretrizes estatais e mecanismos de mercado, cada ciclo de cinco anos reflete os desafios e prioridades do país em diferentes momentos históricos. Confira um resumo dos 14 planos já implementados, com foco em suas políticas industriais e resultados.
1º Plano Quinquenal (1953–1957)
Inspiração: modelo soviético.
Foco: construção de uma base industrial pesada (aço, carvão, energia, maquinário).
Execução: apoio técnico e financeiro da URSS para empreendimentos estatais de grande porte.
Resultados: formou as bases da indústria moderna chinesa, mas com forte dependência do planejamento central.
2º Plano Quinquenal (1958–1962)
Foco: Grande Salto Adiante – industrialização descentralizada e rápida.
Política industrial: uso de comunas populares para impulsionar a produção de aço e agricultura.
Resultados: fracasso grave; colapso produtivo, fome em massa e desorganização econômica.
3º Plano Quinquenal (1966–1970)
Foco: reconstrução após o fracasso anterior.
Indústria: retorno ao planejamento central, com foco em defesa, energia e infraestrutura.
Resultados: crescimento limitado, impactado pela Revolução Cultural (1966–1976).
4º Plano Quinquenal (1971–1975)
Foco: modernização tecnológica e ampliação da indústria pesada.
Política industrial: tentativa de aumentar a produtividade e resolver gargalos produtivos.
Resultados: avanços parciais, limitados por instabilidade política.
5º Plano Quinquenal (1976–1980)
Transição: morte de Mao Zedong e ascensão de Deng Xiaoping.
Foco: início das Quatro Modernizações (agricultura, indústria, defesa e ciência).
Resultados: abandono de metas utópicas e início de um modelo mais pragmático.
6º Plano Quinquenal (1981–1985)
Foco: reformas estruturais e abertura econômica.
Política industrial: incentivo à produtividade, criação das zonas econômicas especiais.
Resultados: expansão da indústria voltada à exportação e atração de capital estrangeiro.
7º Plano Quinquenal (1986–1990)
Foco: desenvolvimento equilibrado e abertura controlada.
Indústria: modernização da base produtiva e incentivo à infraestrutura e tecnologia.
Resultados: avanço na integração com a economia global.
8º Plano Quinquenal (1991–1995)
Foco: aceleração da industrialização com racionalidade econômica.
Política industrial: início das privatizações e fortalecimento de setores competitivos.
Resultados: crescimento industrial robusto, mas aumento das desigualdades sociais.
9º Plano Quinquenal (1996–2000)
Foco: industrialização sustentável e inovação tecnológica.
Indústria: foco em informática, telecomunicações e setores emergentes.
Resultados: preparação para adesão à OMC e consolidação da China como "fábrica do mundo".
10º Plano Quinquenal (2001–2005)
Foco: integração internacional e avanço tecnológico.
Política industrial: fortalecimento de setores estratégicos e pesquisa aplicada.
Resultados: adesão à OMC em 2001 impulsionou exportações e industrialização pesada.
11º Plano Quinquenal (2006–2010)
Foco: desenvolvimento científico e inovação independente.
Indústria: estímulo a setores como energia renovável, biotecnologia e TICs.
Resultados: crescimento acelerado, mas com desigualdades regionais e impactos ambientais crescentes.
12º Plano Quinquenal (2011–2015)
Foco: reequilíbrio do modelo econômico.
Política industrial: redução da dependência de exportações e estímulo ao consumo interno e à inovação.
Resultados: avanço em setores de alta tecnologia e início da transição para uma economia de serviços.
13º Plano Quinquenal (2016–2020)
Foco: crescimento de qualidade e desenvolvimento sustentável.
Indústria: integração das metas do Made in China 2025, foco em IA, robótica e automação.
Resultados: consolidação da China como potência tecnológica; aumento das tensões comerciais com os EUA.
14º Plano Quinquenal (2021–2025) (em andamento)
Foco: autossuficiência tecnológica e segurança nacional.
Indústria: prioridade para IA, semicondutores, energia limpa, saúde e biotecnologia.
Resultados parciais: avanços expressivos em IA e veículos elétricos, apesar de desafios externos e desaceleração econômica.