A estratégia dos Estados Unidos para conter o avanço tecnológico da China — especialmente no setor de semicondutores — tende a fracassar no longo prazo. Pior: já está produzindo efeitos contrários ao desejado, como o fortalecimento da indústria chinesa de chips. A avaliação é de Philip Wong, cientista-chefe da TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company) e professor de engenharia elétrica na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.
Em entrevista exclusiva à revista Taiwan Tech, publicada em 22 de maio, Wong foi direto: “A competição com a China não será medida em anos, mas em décadas”. Segundo ele, as atuais restrições à exportação de tecnologias de ponta, como a litografia EUV (ultravioleta extrema), acabaram incentivando o crescimento do mercado doméstico chinês. “Essas medidas criaram um mercado para os fornecedores locais. Antes, mesmo com capacidade, não havia incentivo para usá-los”, explicou.
Te podría interesar
Wong, que atuou como vice-presidente de pesquisa da TSMC antes de se tornar consultor científico, comparou o atual momento com a fase de reformas econômicas iniciada por Deng Xiaoping em 1978. Ele observa que a China vive uma nova etapa de modernização tecnológica, sustentada por um sistema educacional cada vez mais robusto.
“Há 20 anos, a qualidade das publicações científicas chinesas era baixa. Hoje, em muitos dos principais congressos, as universidades chinesas já superam instituições estadunidenses em número de trabalhos publicados”, afirmou.
No entanto, ele reconhece que a inovação no país ainda depende de direções estabelecidas por centros estrangeiros.
Crise de talentos de Taiwan
Ao abordar os desafios de Taiwan, Wong foi igualmente crítico. Ele alertou para uma grave escassez de profissionais qualificados na área de semicondutores, causada por uma cultura acadêmica conservadora.
“Em Taiwan, se uma ideia é nova demais, ela é descartada. Nos EUA, o pensamento original é celebrado. Sem isso, não há inovação”, disse, mencionando sua experiência na formação de equipes de pesquisa tanto no setor industrial quanto no acadêmico.
O cientista também criticou o modelo atual das academias de semicondutores criadas em Taiwan como resposta à falta de mão de obra. Para ele, essas instituições deveriam ser independentes, nos moldes do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, nos EUA, mas acabaram fragmentadas entre diferentes universidades, o que comprometeu a sinergia entre elas. “Se alguém de Stanford quiser ir para Taiwan, não sabe para qual academia ir. Falta unidade”, lamentou.
Apesar de destacar que falava em caráter pessoal e não representava oficialmente a TSMC, Wong foi categórico ao relacionar inovação e geopolítica: “A contenção tecnológica pode até desacelerar o progresso, mas não impedirá o avanço chinês. Inovar exige visão, não bloqueios”.
O futuro da litografia
Além das questões geopolíticas, Wong ofereceu uma visão provocativa sobre o futuro da litografia — processo essencial para fabricar chips. Ele explicou que, embora essa tecnologia tenha sido fundamental nas últimas seis décadas, ela pode estar deixando de ser a principal força por trás dos avanços da indústria.
“Não estou dizendo que a litografia não seja importante. Mas ela está se tornando menos relevante quando pensamos nos próximos 20 anos”, declarou.
Segundo o especialista, as ferramentas mais modernas de litografia EUV, que usam luz ultravioleta para desenhar circuitos extremamente pequenos, são cada vez mais caras e consomem muita energia. “Chegamos a um ponto em que os componentes já são minúsculos. Precisamos mesmo ir além disso? Talvez não”, avaliou.
Para Wong, o verdadeiro desafio da indústria hoje está no tempo de produção — o chamado "tempo de ciclo" —, que vai desde o início da fabricação até a finalização do chip. Esse processo, que pode durar até sete meses, tornou-se cada vez mais complexo. “Nos últimos anos, priorizamos obsessivamente os ganhos de resolução, o que tornou todo o processo mais demorado”, alertou.
Com o surgimento de novas técnicas, como o empilhamento de transistores (FinFETs) e o fornecimento de energia por baixo do chip, esse tempo tende a aumentar ainda mais. Wong defende uma mudança de foco na indústria: em vez de continuar a buscar miniaturizações extremas, seria melhor investir na eficiência dos processos de produção.
No entanto, ele reconhece obstáculos econômicos para essa transição. “Quando sugeri reduzir o tempo de ciclo, ouvi de fornecedores de equipamentos que isso poderia diminuir as vendas de máquinas. Não há incentivos econômicos para mudar”, relatou.
Ainda assim, ele acredita que esse cenário pode se transformar. Com tecnologias emergentes como a embalagem 3D — que empilha vários chips para que funcionem juntos —, a indústria poderá encontrar novos caminhos mais rápidos e eficientes. “Os incentivos vão surgir. E quando surgirem, a indústria precisará estar preparada”, concluiu.
A força da TSMC na indústria global
Fundada em 1987 na cidade de Hsinchu, Taiwan, a TSMC é hoje a maior e mais avançada fábrica de chips do mundo. A empresa revolucionou o setor ao adotar um modelo inovador: em vez de projetar seus próprios chips, ela fabrica sob encomenda para empresas como Apple, NVIDIA, AMD, Qualcomm e Broadcom. Esses clientes criam os projetos — como o chip M3 da Apple — e a TSMC os transforma em produtos físicos com as tecnologias mais modernas disponíveis.
A TSMC lidera os processos de fabricação mais sofisticados do mercado, já operando com chips de 3 nanômetros e se preparando para alcançar os 2 nanômetros. Ela também foi a primeira a produzir, em grande escala, chips de 7 nm, 5 nm e 3 nm — superando concorrentes como a Samsung e a Intel.
Pesquisa, inovação e sustentabilidade
A TSMC investe pesado em pesquisa e desenvolvimento: entre 8% e 10% de toda a sua receita é dedicada a novas tecnologias. Esse investimento busca tornar os chips menores, mais potentes e mais eficientes — e também garantir uma produção menos poluente.
Entre as inovações, destacam-se:
- Transistores GAAFET: São componentes ultrapequenos que ligam e desligam trilhões de vezes por segundo. Mais modernos e eficientes do que os modelos antigos, eles ajudam a reduzir o consumo de energia.
- Empilhamento FinFET: É como construir um prédio em vez de uma casa térrea. Os componentes do chip são empilhados verticalmente, o que economiza espaço e melhora o desempenho.
- Embalagens 3D (como CoWoS e InFO): Depois de fabricados, os chips precisam ser montados e conectados. As novas embalagens 3D permitem juntar vários chips em um único módulo, aumentando a velocidade e diminuindo o tamanho dos aparelhos.
- Práticas sustentáveis: A TSMC também busca usar menos água e energia e reduzir a poluição no processo de fabricação, tornando a indústria de chips mais amiga do meio ambiente.
Hoje, praticamente todos os smartphones, computadores, carros autônomos e servidores do mundo dependem, direta ou indiretamente, dos chips fabricados pela TSMC. A empresa não apenas sustenta a base tecnológica da era digital, como também é peça-chave na disputa pela liderança tecnológica global.
Geopolítica dos chips
A TSMC não é apenas a maior fabricante de chips do mundo; ela também se tornou um dos principais focos de tensão na disputa geopolítica entre Estados Unidos, China e Taiwan. Diante de pressões comerciais e riscos estratégicos, a empresa tem adotado uma estratégia de diversificação global — uma resposta tanto à necessidade de resiliência quanto à complexidade das relações internacionais que envolvem o setor de tecnologia.
Nos Estados Unidos, a TSMC está construindo três fábricas e duas unidades de embalagem de chips no estado do Arizona, com um investimento total estimado em US$ 100 bilhões. A primeira planta, originalmente prevista para iniciar operações em 2024, teve sua inauguração adiada para 2025, devido à escassez de mão de obra qualificada e a entraves regulatórios. Para lidar com esses obstáculos, a empresa enviou trabalhadores de Taiwan para treinar a equipe americana — uma decisão que gerou atritos com sindicatos locais e levantou dúvidas sobre a viabilidade do projeto no longo prazo.
No Japão, a TSMC inaugurou, em dezembro de 2024, sua primeira fábrica na cidade de Kumamoto, por meio da joint venture Japan Advanced Semiconductor Manufacturing (JASM), que conta com a participação de empresas como Sony, Denso e Toyota. A unidade fabrica chips de 12, 22 e 28 nanômetros, com foco nos setores automotivo e de sensores de imagem. Uma segunda planta, atualmente em construção, deverá iniciar operações em 2027, com processos de 6 e 12 nanômetros.
Na Alemanha, a TSMC iniciou, em agosto de 2024, a construção de sua primeira fábrica europeia em Dresden. O investimento total é de 10 bilhões de euros, dos quais 5 bilhões provêm de subsídios do governo alemão. A planta é uma parceria com as empresas Bosch, Infineon e NXP, que detêm, cada uma, 10% de participação. A nova unidade — denominada European Semiconductor Manufacturing Company (ESMC) — deve iniciar a produção em 2029, com capacidade para fabricar até 40 mil wafers de 12 polegadas por mês.
A internacionalização da TSMC reflete uma estratégia de mitigação de riscos em um ambiente geopolítico cada vez mais instável. Ao espalhar suas operações por diferentes países, a empresa busca garantir a continuidade da produção e suprir a demanda global por semicondutores, ao mesmo tempo em que se equilibra entre os interesses e pressões de Taiwan, China e Estados Unidos.