Todo ano durante a primavera acontecem as Duas Sessões, nome dado às sessões anuais dos comitês nacionais do Conselho Consultivo Político do Povo Chinês (CCPPC), principal órgão de aconselhamento político do país, e da Assembleia Nacional Popular (ANP), a mais alta instância do poder legislativo nacional.
Durante esses dois importantes eventos políticos é feito um balanço do trabalho do governo no ano anterior e é feito o planejamento para o ano atual, incluindo a definição das prioridades e dos objetivos a serem atingidos.
Te podría interesar
Um dos destaques das Duas Sessões deste ano foi a Economia de Baixa Altitude, termo pouco conhecido no Brasil, que denomina o conjunto de atividades econômicas realizadas por meio de aeronaves, tripuladas ou não, voando em altitude inferior a mil metros.
A economia de baixa altitude inclui voos panorâmicos para turistas, uso de aeronaves para atividades agrícolas, serviços de transporte e entrega de mercadorias em baixa altitude, serviços de imagens aéreas, serviços de emergência e transporte aéreo de pacientes, bem como transporte de passageiros em rotas de curta distância, como as que já operam, em caráter experimental, no delta do rio Yangtze.
Te podría interesar
Drones revolucionam entregas
Shenzhen, na província de Guangdong, é um importante polo tecnológico que sedia algumas das maiores empresas da China, entre elas a Huawei, a Tencent e a DJI. Em 2020, durante visita a algumas empresas da cidade, fiquei impressionado com o que vinham desenvolvendo em Inteligência Artificial (IA), câmeras inteligentes, aviação não tripulada e outros setores. Muitas dessas tecnologias só agora começaram a se popularizar, e podem ter certeza que vem muito mais por aí.
No ano passado fui informado que nos parques de Shenzhen os visitantes já estão acostumados a encomendar comida por aplicativo e as entregas serem feitas por drones, que depositam os pacotes em máquinas, depois basta o cliente escanear um código QR para receber sua encomenda.
Um sistema de entregas parecido foi introduzido na seção de Badaling da Grande Muralha, em Pequim, facilitando a vida dos turistas. Além de alimentos e bebidas, os drones também entregam itens de conveniência, inclusive sombrinhas, e ajudam os funcionários a remover o lixo após o expediente.
A empresa Meituan, responsável pelas rotas mencionadas acima, já opera mais de 30 rotas de drones nos municípios de Pequim e Xangai e nas cidades de Shenzhen e Cantão, na província de Guangdong, fazendo entregas em escritórios, áreas residenciais, lugares turísticos e locais que necessitam de suprimentos médicos de emergência.
Já a SF, gigante do setor de encomendas expressas, também tem ampliado o uso de drones para agilizar as entregas, por meio de rotas como a que a empresa opera entre o píer Nan'ao Shuangyong, a leste de Shenzhen, e o distrito de Longgan, na cidade, levando frutos do mar frescos até um centro de distribuição de onde os entregadores saem para fazer entregas a domicílio.
No ano passado, durante visita à cidade de Zhongshan, vizinha a Shenzhen, visitei a FCourier, empresa de tecnologia que desenvolve, fabrica, comercializa e opera drones, sistemas de controle de aeronaves e produtos de IA, com foco em drones de asa fixa com decolagem e pouso verticais.
Além de visitar a fábrica, tive a oportunidade de acompanhar voos de demonstração de dois modelos: o E6, desenvolvido para atividades de monitoramento, inspeção e anúncios, entre outras; e o E40, capaz de transportar cargas de grandes dimensões e relativamente pesadas, com capacidade de despejar o pacote durante o voo.
O ambicioso plano de Xangai para o setor
O município de Xangai, que sedia a COMAC e diversas outras empresas de aviação e tecnologia, não fica atrás de Guangdong, e tem sido pioneiro tanto no desenvolvimento de eVTOLs (veículos elétricos de decolagem e aterrissagem vertical) para transporte de passageiros como em testagem e certificação de aeronaves.
Segundo o plano de ação trienal 2024-2027, anunciado pelo governo de Xangai, a cidade deverá ter pelo menos 400 rotas de voo em baixa altitude até 2027, dando suporte a uma cadeia industrial completa vinculada à economia de baixa altitude que vem sendo desenvolvida na cidade e deverá valer mais de 50 bilhões de yuans em 2027.
O plano contempla rotas intermunicipais interligando as cidades do delta do rio Yangtze, como a rota piloto de transporte de passageiros em baixa altitude ligando a área especial de Lin-gang, em Xangai, ao condado de Shengsi, na província de Zhejiang, lançada em novembro do ano passado, que reduz o tempo de viagem de duas horas para apenas 20 minutos e é realizada em helicópteros Airbus H225.
Voos panorâmicos para turistas e algumas rotas de helicóptero também já estão operantes, mas o plano de médio e longo prazo é popularizar o uso de eVTOLs, setor que está em rápido desenvolvimento na China, mas cujas aeronaves ainda precisam passar por diversos testes para obterem certificação para operação comercial.
Na 7a edição da Exposição Internacional de Importações da China, realizada anualmente em Xangai, o setor de veículos contou com uma área específica para eVTOLs, o que mostra o vigor deste setor na China, que oferece oportunidades de negócios tanto para chineses como para investidores e empresas de outros países.
Através de políticas de incentivo, Xangai busca atrair empresas que desenvolvam pesquisa, desenvolvimento, montagem, manufatura, testes e aplicações comerciais de novos tipos de aeronave de baixa altitude, buscando tornar-se referência mundial em inovação, desenvolvimento e operação de economia de baixa altitude.
Paralelamente ao desenvolvimento das aeronaves, Xangai e outras cidades do delta do rio Yangtze investem na infraestrutura necessária para a operação comercial dessas aeronaves, como aeroportos para eVTOLs, estruturas para comunicação e navegação aérea, uma rede integrada de rotas aéreas e uma rede de serviços para administrar o tráfego aéreo da região.
O céu é o limite
Reconhecida como um setor emergente com um grande potencial a ser explorado, a economia de baixa altitude chamou a atenção das autoridades chinesas, que nos últimos anos passaram a apoiar o desenvolvimento do setor, considerado um dos novos motores do crescimento econômico.
No ano passado, o termo “economia de baixa altitude” apareceu pela primeira vez no relatório de trabalho do governo chinês. Já este ano, o tema atraiu holofotes durante as Duas Sessões e apareceu no relatório de trabalho como uma das prioridades, com diversas moções e propostas para fazer o setor decolar, impulsionado pelo suporte de políticas públicas, transformando os milhares de projetos-piloto em andamento no uso comercial dessas novas tecnologias em escala nacional.
Para oferecer melhor apoio ao setor, dezenas de universidades chinesas, incluindo seis de renome internacional, começaram a planejar novos cursos e programas voltados à economia de baixa altitude, entre eles o curso de graduação em tecnologia e engenharia de baixa altitude. Também estão sendo criadas disciplinas específicas para alunos que já estão cursando a graduação em outras carreiras e desejam atuar neste setor.
Segundo estimativas da Administração de Aviação Civil da China, a economia de baixa altitude deverá atingir 1,5 trilhão de yuans este ano, chegando a 3,5 trilhões de yuans em 2035.
* Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital nacional da China, há nove anos.
** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum