A China contestou as alegações de que seria a principal ameaça militar e cibernética aos Estados Unidos, conforme descrito no Relatório Anual de Ameaças (Annual Threat Assessment - ATA 2025), divulgado pela comunidade de inteligência estadunidense nesta terça-feira (25).
Durante coletiva de imprensa do Ministério das Relações Exteriores da China, nesta quarta-feira (26), o porta-voz Guo Jiakun classificou o relatório como "irresponsável e tendencioso".
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"Os EUA publicam relatórios irresponsáveis e tendenciosos ano após ano, promovendo a falsa narrativa da 'ameaça da China' e inflamando a rivalidade entre grandes potências. Isso serve apenas para justificar a repressão contra a China e perpetuar a supremacia dos EUA", declarou Guo.
O porta-voz destacou que o desenvolvimento da China tem uma longa trajetória histórica e que o país "não tem intenção de superar ou substituir ninguém, mas sim garantir que o povo chinês tenha uma vida melhor e contribuir para o mundo".
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Sobre Taiwan, Guo reiterou que a questão é "inteiramente um assunto interno da China", e que Pequim seguirá firme na defesa de sua soberania nacional e integridade territorial. "Ninguém deve subestimar ou interpretar mal a determinação da China", advertiu.
O porta-voz também acusou os EUA de "manter uma mentalidade da Guerra Fria", ao insistirem na contenção da China sob o pretexto da "competição estratégica" e no apoio a movimentos separatistas de Taiwan.
Já o porta-voz da Embaixada da China em Washington, Liu Pengyu, afirmou que os EUA exageram a suposta ameaça chinesa "para justificar sua hegemonia militar".
"A China está determinada a ser uma força para a paz, estabilidade e progresso no mundo e continuará defendendo nossa soberania, segurança e integridade territorial", declarou.
O que diz o relatório de inteligência dos EUA?
O ATA 2025, produzido pela comunidade de inteligência dos EUA, classifica a China como a maior ameaça militar e cibernética aos EUA. O documento aponta que Pequim tem feito "progressos constantes, embora irregulares" em suas capacidades militares, incluindo armas hipersônicas, operações cibernéticas sofisticadas e crescente presença no espaço.
O relatório destaca ainda o fortalecimento do Exército de Libertação Popular (PLA, na sigla em inglês), a crescente pressão sobre Taiwan e o avanço chinês em setores estratégicos, como inteligência artificial e exploração espacial.
Militarização e pressão sobre Taiwan
O relatório aponta que a China tem ampliado sua capacidade militar para impedir qualquer intervenção dos EUA em Taiwan. Entre os avanços mais recentes estão:
- Porta-aviões Fujian (CV-18), em fase de testes, previsto para entrar em operação em 2025.
- Míssil balístico DF-27, de alcance entre 5 mil km e 8 mil km, equipado com tecnologia hipersônica.
- Fortalecimento das forças terrestres, incluindo sistemas de foguetes de longo alcance, como o PCH191.
Além da estratégia militar, Pequim tem aumentado a pressão diplomática sobre Taiwan, reduzindo significativamente o número de países que reconhecem sua soberania — de 22 aliados em 2016 para apenas 12 atualmente.
Ameaças cibernéticas e espaciais
A China foi classificada como o ator mais ativo e persistente em ataques cibernéticos contra os EUA. O documento menciona operações patrocinadas pelo governo chinês, como a "Volt Typhoon", que busca infiltrar-se em infraestruturas críticas para possíveis conflitos futuros.
Em outubro de 2024, um relatório publicado pelo Centro Nacional de Resposta a Emergências de Vírus Computacionais da China (CVERC) contestou as acusações dos Estados Unidos de que Pequim estaria por trás do grupo de hackers Volt Typhoon, supostamente responsável por ataques cibernéticos a infraestruturas críticas estadunidenses. Segundo o documento, as evidências apresentadas por Washington são questionáveis e politicamente motivadas.
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A investigação da China ocorreu mais de um ano após os EUA, apoiados pelos países da aliança Cinco Olhos (Five Eyes) — EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia —, terem divulgado que o Volt Typhoon seria patrocinado pelo Estado chinês. Pequim, no entanto, nega envolvimento e acusa os EUA de usar a questão cibernética para justificar sua política de contenção contra a China.
No setor espacial, Pequim tem expandido suas capacidades, consolidando-se como um rival direto dos EUA. Os principais avanços incluem:
- Expansão da rede de satélites de vigilância e comunicação, com cobertura global.
- Testes de armas anti-satélites e tecnologias de interferência eletrônica.
- Planos para um pouso tripulado na Lua até 2030 e a construção de uma base lunar até 2035.
Influência global e tecnologia
O relatório também acusa a China de usar sua posição dominante nas cadeias globais de suprimentos para influenciar a política internacional. Algumas medidas adotadas por Pequim incluem:
- Restrições na exportação de metais essenciais para semicondutores, em resposta a sanções dos EUA.
- Expansão no setor de Inteligência Artificial (IA), buscando ultrapassar os EUA até 2030.
- Ampliação da presença no Ártico e Groenlândia, visando acesso a recursos naturais estratégicos.
Outras ameaças destacadas
Além da China, o relatório menciona Rússia, Irã e Coreia do Norte como desafios significativos à segurança dos EUA:
- Rússia: Fortalece sua cooperação militar com China, Irã e Coreia do Norte, enquanto segue em guerra contra a Ucrânia.
- Irã: Mantém programas de mísseis e drones, além de fornecer armas para grupos militantes aliados.
- Coreia do Norte: Desenvolve armas hipersônicas e mísseis intercontinentais, aprofundando laços militares com Moscou.
Com essas conclusões, o relatório reforça as tensões entre Washington e Pequim, sugerindo que os EUA devem fortalecer sua presença no Indo-Pacífico e adotar medidas mais rígidas contra a influência chinesa globalmente.
Audiência no Senado dos EUA
O ATA 2025 foi apresentado durante audiência do Comitê de Inteligência do Senado dos EUA nesta terça-feira (25). O evento, que contou com a presença da Diretora de Inteligência Nacional, Tulsi Gabbard, e do Diretor da CIA, John Ratcliffe, abordou temas como avanços militares chineses, influência global de Pequim e a crise do fentanil, que tem causado milhares de mortes por overdose nos EUA.
Um dos momentos mais tensos da audiência ocorreu quando Ratcliffe afirmou que a China tem feito "esforços intermitentes" para conter o fluxo de produtos químicos precursores do fentanil, droga responsável por uma grave crise de overdose nos EUA. O relatório sugere que Pequim hesita em reprimir empresas chinesas lucrativas que fabricam esses produtos.
Diante disso, Trump aumentou as tarifas sobre todas as importações chinesas em 20%, acusando Pequim de não conter os embarques de precursores químicos do fentanil. A China nega envolvimento na crise.
"Nada impede a China de reprimir os precursores de fentanil", declarou Ratcliffe.
O Senador Tom Cotton, presidente do Comitê de Inteligência, reforçou as críticas, destacando que pela primeira vez um relatório de inteligência classifica os cartéis de drogas estrangeiros como uma das maiores ameaças à segurança nacional. Segundo ele, cartéis mexicanos utilizam insumos chineses para fabricar e traficar opioides sintéticos para os Estados Unidos.
Gabbard revelou que, no período de 12 meses encerrado em outubro de 2024, mais de 54 mil estadunidenses morreram devido ao consumo de opioides sintéticos, número que continua a crescer.
A audiência ocorreu em um momento de endurecimento das políticas de Washington contra a China. O governo Trump anunciou um aumento de 20% nas tarifas sobre todas as importações chinesas, justificando a medida como uma resposta à falta de ação de Pequim na contenção do fentanil.
Além disso, os senadores do Comitê de Inteligência alertaram para a necessidade de reforçar a presença militar dos EUA no Indo-Pacífico, de aprofundar sanções contra empresas chinesas de tecnologia e de fortalecer alianças estratégicas com Taiwan e países do Sudeste Asiático.
A sessão também foi marcada por tensões políticas internas, com senadores democratas questionando duramente os chefes da inteligência sobre a revelação de que altos funcionários da administração Trump discutiram planos militares altamente sensíveis em um grupo de mensagens no aplicativo Signal, no qual um jornalista foi acidentalmente incluído.
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ATA 2025: O impacto do relatório na política externa dos EUA
O Relatório Anual de Ameaças (ATA) é um documento produzido pela Comunidade de Inteligência dos EUA, que reúne agências como a CIA, NSA, FBI e DIA. Ele serve como referência para decisões estratégicas do governo e é apresentado ao Congresso dos EUA para subsidiar políticas de segurança.
Seus impactos incluem:
- Sanções econômicas contra adversários estratégicos.
- Justificativa para aumento do orçamento militar.
- Regulação mais rígida de tecnologia e segurança cibernética.
Com a China sendo apontada como a maior ameaça militar, econômica e cibernética aos EUA, espera-se um endurecimento das políticas comerciais e tecnológicas contra Pequim, além de um reforço na presença militar estadunidense na Ásia, ampliando as tensões diplomáticas entre as duas potências.
Leia aqui o ATA 2025 em inglês