CHINA EM FOCO

Venda de portos no Panamá à BlackRock aumenta controle dos EUA e pressiona China

Negócio de US$ 22,8 bilhões acirra disputa entre Washington e Pequim pelo domínio das rotas comerciais globais

Negócio de US$ 22,8 bilhões acirra disputa entre Washington e Pequim pelo domínio das rotas comerciais globais.
Venda de portos no Panamá à BlackRock aumenta controle dos EUA e pressiona China.Negócio de US$ 22,8 bilhões acirra disputa entre Washington e Pequim pelo domínio das rotas comerciais globais.Créditos: Fotomontagem (Canva e Shutterstock)
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A venda dos portos de Balboa e Cristóbal, localizados no Canal do Panamá, da chinesa CK Hutchison Holdings para um consórcio liderado pela estadunidense BlackRock, não é apenas uma transação bilionária. O acordo, avaliado em US$ 22,8 bilhões, insere-se no contexto da crescente rivalidade entre China e Estados Unidos, onde infraestruturas logísticas tornaram-se peças estratégicas na disputa geopolítica global.

Com essa movimentação, Washington expande sua influência sobre uma das rotas comerciais mais importantes do mundo, enquanto Pequim avalia formas de mitigar os impactos dessa perda estratégica.

A China criticou a venda da empresa que controla portos no Panamá para investidores dos EUA, afirmando que a controladora, com sede em Hong Kong, deveria "pensar duas vezes" antes de fechar o acordo. Pequim classificou a transação como um caso de "política de poder", alegando que não atende aos interesses nacionais chineses.

Durante uma coletiva de imprensa do Ministério das Relações Exteriores da China, nesta terça-feira (18), a porta-voz Mao Ning abordou o assunto.

Ao ser questionada sobre uma possível investigação das autoridades chinesas a respeito da venda dos portos no exterior pela CK Hutchison, após a empresa ter concordado em vender suas operações no Panamá para a gigante estadunidense BlackRock, a porta-voz evitou uma resposta direta.

"Gostaria de enfatizar, de forma mais ampla, que a China se opõe firmemente a ações que infrinjam e prejudiquem os direitos e interesses legítimos de outros países por meio de coerção econômica, hegemonismo e intimidação", afirmou Mao Ning.

Negócio entre CK Hutchison e BlackRock

A CK Hutchison Holdings, conglomerado de Hong Kong controlado pelo bilionário chinês Li Ka-Shing, anunciou a venda de uma participação majoritária em seus portos no Canal do Panamá para um consórcio liderado pela BlackRock.

O acordo envolve a transferência de operações portuárias da CK Hutchison em 23 países, incluindo os portos de Balboa e Cristóbal, localizados em lados opostos do Canal do Panamá.

A transação gerou reações significativas de autoridades e veículos de comunicação chineses. O jornal Ta Kung Pao publicou um editorial condenando o acordo, alertando que permitir a "americanização" do canal poderia comprometer sua neutralidade política e operacional, além de abrir espaço para sanções comerciais ou restrições impostas por Washington.

Além disso, a Administração de Assuntos de Hong Kong e Macau da China repostou o artigo com um comentário crítico, classificando o acordo como uma "traição aos interesses chineses".

Leia aqui o artigo do Ta Kung Pao na íntegra, em chinês

A reação oficial e a repercussão na mídia indicam que Pequim enxerga o negócio como uma ameaça estratégica, especialmente diante da crescente tensão comercial entre China e EUA.

O líder de Hong Kong, John Lee, também se manifestou, enfatizando a importância de práticas comerciais internacionais justas e condenando a coerção econômica, sem mencionar diretamente o presidente dos EUA, Donald Trump, que elogiou o acordo.

Reação do mercado e tensões diplomáticas

As ações da CK Hutchison, sediada em Hong Kong, caíram mais de 6% na sexta-feira (14), após a publicação do editorial do Ta Kung Pao.

Na semana passada, a CK Hutchison fechou um acordo para vender uma participação majoritária na Panama Ports Company, que detém o contrato para administrar os portos de Balboa e Cristóbal até 2047, para um consórcio liderado pela BlackRock.

A decisão veio após pressões de Trump, que considera que a China exerce influência excessiva sobre essa rota comercial estratégica.

Dimensão das empresas envolvidas

  • CK Hutchison Holdings é um conglomerado multinacional com sede em Hong Kong, atuando nos setores de portos, varejo, infraestrutura e telecomunicações. Em 2023, a empresa reportou um faturamento de US$ 59 bilhões e empregava mais de 300 mil pessoas globalmente.
     
  • BlackRock é uma gigante da gestão de investimentos e a maior gestora de ativos do mundo. Até dezembro de 2024, administrava cerca de US$ 11,5 trilhões em ativos, com presença em 30 países e clientes em mais de 100 nações.

Controle estratégico sobre rotas comerciais

O Canal do Panamá conecta os oceanos Atlântico e Pacífico e é fundamental para o comércio internacional, servindo como um ponto de passagem essencial para mercadorias chinesas com destino às Américas e Europa.

Atualmente, 14% do comércio global da China passa pelo canal, tornando-o um ativo estratégico para a logística do país.A venda dos portos Balboa e Cristóbal fortalece o controle dos EUA sobre esse corredor marítimo, limitando a influência da China na América Latina.

Com a BlackRock no comando, os EUA podem impor tarifas, sanções ou restrições logísticas sobre cargas chinesas, aumentando os custos do comércio marítimo para Pequim e dificultando sua presença econômica na região.

Escalada da guerra comercial entre China e EUA

A transação ocorre em meio a uma crescente tensão comercial entre as duas maiores economias do mundo. O governo dos EUA tem pressionado para reduzir a dependência das cadeias de suprimentos ligadas à China e reforçar suas próprias rotas estratégicas.

A China pode retaliar economicamente, impondo barreiras comerciais a empresas dos EUA, diversificando suas rotas comerciais e aumentando investimentos em infraestrutura alternativa, como o Corredor China-Eurásia e o Canal da Nicarágua.

Uma mudança no tabuleiro geopolítico

A venda dos portos do Panamá não é apenas um acordo financeiro – ela redefine o equilíbrio de poder nas rotas comerciais globais.

  • Os EUA consolidam sua posição no Canal do Panamá, enfraquecendo a capacidade da China de manter sua influência na América Latina.
     
  • A China pode buscar rotas alternativas, mas enfrenta desafios logísticos, políticos e ambientais para estabelecer um novo canal viável.
     
  • A América Latina se torna um campo de batalha geopolítico, onde investimentos chineses e estadunidenses disputarão influência sobre infraestrutura e comércio.

Diante desse cenário, o mundo acompanha os próximos passos de Pequim, que deverá buscar novas estratégias para garantir sua presença no comércio global, enquanto Washington se fortalece como o principal controlador da infraestrutura marítima no Hemisfério Ocidental.

O que pode acontecer agora?

A venda dos portos da CK Hutchison Holdings para a BlackRock pode ser afetada por vários órgãos do governo chinês e do Partido Comunista da China (PCCh), que têm autoridade para regular investimentos estratégicos, interferir em transações internacionais e impor restrições a empresas chinesas quando há riscos políticos ou de segurança nacional.

1. Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC)

  • Função: Planejamento econômico e regulação de investimentos estratégicos.
     
  • Potencial interferência: A NDRC pode avaliar se a venda compromete interesses estratégicos chineses, como o controle de infraestrutura crítica e a segurança das cadeias de suprimentos internacionais.

2. Ministério do Comércio da China (MOFCOM)

  • Função: Regulação do comércio exterior e investimento internacional.
     
  • Potencial interferência: O MOFCOM pode revisar a venda e impor restrições ou aprovar a transação com base em políticas comerciais e diplomáticas da China.

3. Comissão Reguladora de Valores Mobiliários da China (CSRC)

  • Função: Supervisão do mercado financeiro e proteção de investidores.
     
  • Potencial interferência: Como a CK Hutchison é uma empresa listada na Bolsa de Hong Kong, a CSRC pode avaliar o impacto da venda para acionistas chineses e até exigir medidas de proteção contra desvalorização ou influência externa.

4. Ministério das Relações Exteriores da China

  • Função: Diplomacia e proteção dos interesses chineses no exterior.
     
  • Potencial interferência: O Ministério das Relações Exteriores pode pressionar diplomaticamente o Panamá ou os EUA para reverter ou limitar o impacto do acordo, denunciando-o como um caso de interferência americana na economia chinesa.

5. Comissão Central de Assuntos Políticos e Jurídicos do PCCh

  • Função: Coordenação entre os órgãos de segurança, justiça e regulamentação econômica do Partido.
     
  • Potencial interferência: Se o PCCh considerar que a venda prejudica a influência chinesa no comércio global, essa comissão pode acionar órgãos reguladores para bloquear a transação ou exigir contrapartidas da CK Hutchison.

6. Administração Estatal para Regulação do Mercado (SAMR)

  • Função: Controle de concorrência e regulamentação de fusões e aquisições.
     
  • Potencial interferência: A SAMR pode avaliar se a venda gera riscos para a competitividade da China no setor de infraestrutura portuária e bloquear ou modificar os termos do acordo.

7. Escritório de Assuntos de Hong Kong e Macau do Conselho de Estado (HKMAO)

  • Função: Supervisão política e econômica sobre Hong Kong e Macau.
     
  • Potencial interferência: Como a CK Hutchison está sediada em Hong Kong, o HKMAO pode pressionar autoridades locais para impedir a concretização da venda ou influenciar acionistas chineses a rejeitarem o acordo.

8. Comissão de Supervisão e Administração de Ativos Estatais (SASAC)

  • Função: Administração de empresas estatais chinesas e investimentos estratégicos.
     
  • Potencial interferência: A SASAC pode coordenar empresas estatais chinesas para oferecer uma oferta rival ou intervir no setor portuário para reduzir o impacto da venda.

9. Banco Popular da China (PBoC)

  • Função: Política monetária e regulação de fluxos financeiros internacionais.
     
  • Potencial interferência: O PBoC pode restringir transações financeiras ligadas ao negócio, dificultando a transferência de recursos da CK Hutchison para o exterior.

10. Comitê Central de Segurança Nacional do PCCh

  • Função: Proteção da soberania e segurança econômica da China.
     
  • Potencial interferência: Se a China considerar que a venda compromete interesses nacionais, o Comitê Central de Segurança Nacional pode classificar o caso como uma ameaça estratégica e coordenar ações contra a BlackRock ou o Panamá.

Diante do peso geopolítico da transação, o governo chinês pode:

  • Revisar a venda por meio do MOFCOM, da NDRC ou da SAMR, alegando risco à segurança nacional.
     
  • Bloquear a saída de capitais da CK Hutchison, impedindo que a empresa finalize a transação.
     
  • Pressionar diplomática e financeiramente o Panamá para dificultar a operação da BlackRock no país.
     
  • Coordenar empresas estatais para comprar os ativos da CK Hutchison e manter os portos sob controle chinês.
     
  • Aumentar investimentos em rotas alternativas, como o Canal da Nicarágua e outros portos na América Latina.

A interferência chinesa dependerá do impacto estratégico da venda para Pequim e da disposição do governo de enfrentar os EUA nessa nova disputa pelo controle do comércio global.

No dia 9 de março, o historiador e analista de geopolítica Marco Fernandes participou do Jornal da Fórum, programa da TV Fórum, e comentou a compra de portos no Canal do Panamá. Confira:

 

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