A administração Trump foi desmentida sobre o Canal do Panamá após anunciar um suposto acordo com o governo panamenho que permitiria o trânsito de embarcações dos EUA sem pagamento de taxas. A Autoridade do Canal do Panamá negou a informação.
Durante uma coletiva de imprensa do Ministério das Relações Exteriores chinês nesta quinta-feira (6), o porta-voz Guo Jiakun reafirmou que a posição da China sobre a questão já foi expressa diversas vezes.
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"Como sempre, a China respeita a soberania do Panamá sobre o canal e o reconhece como uma via navegável internacional permanentemente neutra. Respeitamos a gestão e operação do canal pelo governo do Panamá. A China nunca interferiu", afirmou.
A falsa alegação dos EUA
Em postagem no X nesta quarta-feira (6), o Departamento de Estado dos EUA anunciou que embarcações governamentais poderiam transitar pelo canal sem taxas.
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"As embarcações do governo dos EUA agora podem transitar pelo Canal do Panamá sem pagar taxas, economizando milhões de dólares por ano para o governo dos EUA", afirmou a publicação.
No entanto, no mesmo dia, a Autoridade do Canal do Panamá divulgou um comunicado negando a informação.
"Em resposta a uma publicação do Departamento de Estado dos Estados Unidos, a Autoridade do Canal do Panamá, que está autorizada a definir pedágios e outras taxas para o trânsito no Canal, informa que não fez nenhum ajuste nas tarifas", diz a mensagem,
A entidade também ressaltou que está aberta ao diálogo com as autoridades dos EUA sobre o trânsito de embarcações militares.
Trump e o interesse no Canal do Panamá
Em 21 de dezembro de 2024, Donald Trump afirmou que os Estados Unidos deveriam retomar o controle do Canal do Panamá, alegando que as taxas cobradas pelo governo panamenho eram "exorbitantes" e violavam os Tratados Torrijos-Carter (leia abaixo). No dia seguinte, sugeriu que o canal estaria "caindo em mãos erradas", referindo-se à China.
Em 7 de janeiro de 2025, Trump reiterou sua intenção de reassumir o controle do canal e não descartou medidas econômicas ou militares contra o Panamá para garantir o que chamou de "segurança econômica" dos EUA.
Ele reforçou essa posição em seu discurso de posse em 20 de janeiro de 2025. Essas declarações geraram tensões diplomáticas, com autoridades panamenhas negando as alegações de influência chinesa e reafirmando sua soberania sobre o canal. A situação também provocou protestos no Panamá contra a possibilidade de intervenção dos EUA.
Rubio reforça posição de Trump
Em sua primeira viagem ao exterior como Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio exigiu que o Panamá reduzisse a influência chinesa sobre o Canal do Panamá, em meio ao agravamento das tensões diplomáticas.
A declaração, feita na segunda-feira (3), ocorreu após Trump prometer retomar o controle do canal, alegando riscos à segurança dos EUA. Enquanto o governo panamenho rejeitou as acusações de Washington e reafirmou sua soberania, a visita de Rubio gerou protestos na Cidade do Panamá.
O presidente panamenho, José Raúl Mulino, anunciou que não renovará o acordo com a iniciativa chinesa Cinturão e Rota, mas rejeitou qualquer negociação sobre a propriedade do canal.
As acusações de Washington, incluindo alegações de presença militar chinesa, foram amplamente desmentidas, alimentando a indignação entre os panamenhos, que lembram décadas de controle dos EUA sobre o canal.
A posição da China sobre o Canal do Panamá
Dois dias após a posse de Trump, em 22 de janeiro, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês Mao Ning comentou sobre as declarações do republicano a respeito do canal.
Ela reiterou que a China concorda com o presidente panamenho de que a soberania e a independência do Panamá não são negociáveis e que o Canal do Panamá não está sob controle direto ou indireto de nenhuma potência estrangeira.
"A China não participa da gestão ou operação do canal. A China nunca interferiu. Respeitamos a soberania do Panamá sobre o canal e o reconhecemos como uma hidrovia internacional permanentemente neutra", reforçou Mao.
Panamá e a Nova Rota da Seda
O Panamá foi o primeiro país da América Latina a aderir à Iniciativa do Cinturão e Rota da China, a Nova Rota da Seda, firmando um memorando de entendimento em 2017 para fortalecer a cooperação em infraestrutura e comércio.
No entanto, em fevereiro de 2025, sob pressão dos Estados Unidos, o presidente Mulino anunciou que o Panamá não renovaria sua participação na iniciativa. A decisão ocorreu após uma reunião com o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, que manifestou preocupações sobre a influência chinesa no Canal do Panamá.
Mulino também indicou que revisaria concessões portuárias operadas por empresas chinesas, como a Hutchison Ports, que administra dois portos próximos às entradas do canal.
EUA e China: principais usuários do Canal do Panamá
O Canal do Panamá é um dos pontos estratégicos mais importantes do comércio global e um reflexo da crescente disputa entre Estados Unidos e China pela influência na América Latina.
A via conecta os oceanos Atlântico e Pacífico, reduzindo drasticamente o tempo de transporte de mercadorias e militares entre os dois hemisférios. Como uma das principais artérias do comércio marítimo internacional, seu controle e acesso são fundamentais para qualquer potência econômica e militar com interesses globais.
Os Estados Unidos e a China são os principais usuários do Canal do Panamá, contribuindo significativamente para as receitas da Autoridade do Canal do Panamá. As tarifas são aplicadas de maneira equitativa a todas as nações, com base no tipo, tamanho e carga transportada pelas embarcações.
Entre 1999 e 2025, os EUA pagaram aproximadamente US$ 25,4 milhões pelo trânsito de embarcações militares, como navios de guerra e submarinos, o que equivale a menos de US$ 1 milhão por ano. Para embarcações comerciais, as tarifas variam conforme o volume transportado, sendo que grandes navios porta-contêineres podem pagar dezenas de milhares de dólares por travessia.
A China foi responsável por 21,4% do volume de carga que passou pelo canal entre outubro de 2023 e setembro de 2024, ficando atrás apenas dos EUA como maior usuário. Em 2023, a receita média por embarcação foi de aproximadamente US$ 341 mil. Apesar das tensões recentes sobre influência chinesa na região e debates sobre tarifas, a ACP mantém a política de aplicar tarifas uniformes, assegurando a neutralidade da via internacional.
O que são os Tratados Torrijos-Carter?
Os Tratados Torrijos-Carter foram assinados em 7 de setembro de 1977 entre o Panamá e os Estados Unidos, estabelecendo a transferência progressiva do controle do Canal do Panamá para o governo panamenho.
Esses acordos são considerados um marco na soberania do Panamá sobre o canal, que antes era controlado pelos EUA. Os tratados foram negociados entre o presidente dos EUA, Jimmy Carter, e o líder panamenho, Omar Torrijos.
O Tratado de Neutralidade Permanente garantiu que o canal permaneceria uma via neutra, acessível a embarcações de todas as nações em tempos de paz e guerra, sem privilégios ou vantagens para qualquer país.
Já o Tratado de Transferência do Canal determinou que o controle total do canal seria entregue ao Panamá até 31 de dezembro de 1999, com um período de transição entre 1979 e 1999, no qual os EUA ainda seriam responsáveis por sua defesa.
A assinatura desses tratados foi um passo fundamental para a soberania panamenha, encerrando décadas de insatisfação popular com a presença militar dos EUA na região.
O líder panamenho Omar Torrijos foi um dos principais responsáveis por essa conquista, buscando eliminar resquícios do colonialismo no país.
Após a transferência, o Panamá assumiu integralmente a gestão do canal, colhendo benefícios econômicos e consolidando sua posição geopolítica no comércio marítimo global.
Até hoje, esses tratados são um símbolo da luta panamenha por soberania e independência frente à influência histórica dos Estados Unidos.