CHINA EM FOCO

O samba brasileiro na China - Por Rafael Henrique Zerbetto

Brasileiro radicado em Pequim fala sobre a experiência de músicos do Brasil na potência asiática

O samba brasileiro na China.Baile de carnaval do Quebra Cavaco no Modernista em Pequim, em fevereiro de 2024.Créditos: Rafael Henrique Zerbetto (acervo pessoal)
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A música brasileira, com sua riqueza de ritmos e estilos, sempre teve grande impacto na cena musical internacional. Aqui na China, quando vou à padaria ou a um café, muitas vezes ouço alguma canção brasileira como música ambiente, geralmente bossa nova.

Mas o episódio mais curioso, e hilário, que experimentei com relação à música brasileira na China foi quando fui a um restaurante russo e percebi que estava tocando Tonico e Tinoco. Os donos do restaurante eram chineses, que não entendiam a língua e julgaram se tratar de música russa por conta do arranjo musical com acordeon.

Anedotas à parte, o gênero musical brasileiro mais conhecido é, sem dúvida, o samba, oriundo das comunidades afro-brasileiras urbanas no início do século 20, mas com uma origem mais antiga, que vem dos batuques rurais do Brasil colonial.

Muito além de se popularizar no Brasil e no exterior, o samba também se tornou um elemento essencial da identidade brasileira, adquirindo um importante papel na vida cultural das comunidades brasileiras no exterior.

Artistas promovem a cultura brasileira

Versátil, o samba pode exigir apenas um banquinho e um violão, ou dezenas de ritmistas. Muitos músicos brasileiros que vivem na China vieram ao país justamente para se apresentar em bares e restaurantes. Alguns ficam por um tempo e vão embora, enquanto outros construíram uma vida no país asiático.

Nascido no Rio de Janeiro, Paulo César da Silva, o PC, radicado em Xangai desde 1998, é um dos brasileiros que construíram uma carreira musical na China.

PC veio parar na Ásia graças à família japonesa Taichi, que viveu no Brasil e decidiu promover a cultura e a culinária brasileira no Japão, inaugurando churrascarias e convidando artistas brasileiros para se apresentar.

O sucesso do empreendimento da família Taichi inspirou o grupo hoteleiro chinês Jingjiang a abrir uma churrascaria com música ao vivo em Xangai, criando uma oportunidade de trabalho para PC na China.

“Sambistas famosos fazem parte deste processo, como o grupo Sururu na Roda da Nilze Carvalho, Os morenos, Razão Brasileira, Olodum, Os cavaquinistas Nadinho, Vicente Felisberto, e Toninho Branco do grupo Bokaloka, o grande violonista José Soares, o flautista Robson, conhecido como Binho, que até hoje vive no Japão, e outros mais,” recorda PC.

“Chegamos em Xangai em 1998 e começamos a divulgar o samba e a culinária brasileira, porém o samba pegou força com a chegada do músico Aldeir Ferreira e do vice-cônsul do Brasil na época, Roberto Mascarenhas, isso já nos anos 2000.”

Na China, PC, Aldeir e outros músicos brasileiros fundaram os Golden Brazilians, grupo que acumula mais de cinco mil apresentações de música, dança e capoeira.

Assim como outros artistas brasileiros radicados na China, eles se apresentam principalmente em bares, restaurantes e hotéis, mas também recebem convites para apresentações em outras cidades, o que permitiu aos Golden Brazilians levar a cultura brasileira a todos os cantos do país.

Espaço para artistas amadores e profissionais

Quando os Golden Brazilians estão se apresentando nos bares de Xangai, é comum vermos diferentes instrumentos sobre a mesa. Quem quer se juntar à roda pode pegar o instrumento que souber tocar e mandar ver. Para muitos brasileiros na China, essa é uma forma de se integrar e se sentir em casa.

Já na capital Pequim, durante muito tempo a cena do samba foi dominada pelos grupos Templo do Samba e Samb’A’zul, criados por chineses que estudaram percussão brasileira no exterior. O Templo do Samba aparece, inclusive, na lista de escolas de samba certificadas pela Associação Internacional de Samba.

O Templo do Samba oferece aulas de percussão mais características do samba carioca, enquanto o Samb’A’zul dá destaque ao Axé e outros estilos musicais da Bahia. Em comum, os dois grupos se voltam ao ensino, bem mais que às apresentações musicais.

Uma comunidade em constante mudança

O caso dos Golden Brazilians, um pequeno grupo de artistas brasileiros que se estabeleceu na China por um longo tempo, trazendo estabilidade à cena do samba em Xangai, não se repetiu em Pequim: embora o Templo do Samba exista desde 2006, durante longo tempo o grupo passou despercebido por boa parte da comunidade brasileira.

Isso se explica, em parte, pelo dinamismo da comunidade de expatriados na China: como a maioria dos estrangeiros fica no país apenas por alguns anos e depois vai embora, a interação com chineses acaba sendo limitada, especialmente por conta das dificuldades relacionadas à língua e às barreiras culturais.

Já os grupos musicais formados por estrangeiros conseguem maior visibilidade entre os expatriados, mas precisam se renovar com frequência, sendo que nem sempre vai haver um músico disponível para substituir o que foi embora.

O caso mais recente é o do Quebra Cavaco, grupo de samba criado por brasileiros durante a pandemia de Covid-19, que afetou de forma crítica a cena musical da capital chinesa, para ocupar o imenso vazio deixado pela falta de música brasileira na cidade.

Durante anos, o Quebra Cavaco se apresentou nas noites de Pequim, sempre atraindo uma multidão de brasileiros às suas apresentações. Sua formação mudou diversas vezes ao longo do tempo, por conta do dinamismo da comunidade brasileira, e sempre que algum integrante ia embora, havia boatos de que o grupo iria se desfazer.

O que de fato aconteceu foi uma diminuição na quantidade de instrumentistas, que afetou o repertório e a forma do grupo se apresentar, mas não sua sobrevivência. Inicialmente o Quebra Cavaco fazia rodas de samba inesquecíveis, cheias de clássicos do samba que qualquer brasileiro sabe cantar.

Mais tarde o repertório das rodas de samba foi mudando, incorporando cada vez mais adaptações de canções brasileiras que originalmente integram outros estilos musicais, como o rock.

Nas últimas apresentações, o Quebra Cavaco já era outro: ao invés de tocar em roda ao redor de uma mesa, foi parar em cima do palco. A qualidade da música não caiu, ao contrário, até melhorou, mas porque o grupo pediu reforço aos percussionistas do Templo do Samba e do Samb’A’zul, que passaram a se apresentar como convidados.

Essa ajuda dos músicos chineses permitiu à comunidade brasileira celebrar o carnaval em 2024 e 2025, em duas apresentações memoráveis do Quebra Cavaco com seus convidados.

O carnaval de 2025, comemorado um pouco antes das datas oficiais no Brasil, foi também a despedida do grupo, que agora perde mais um integrante: o percussionista Pedro Henrique está de mudança para o exterior.

Adeus ou até breve?

Com a comunidade brasileira em Pequim renovando-se constantemente, parece ser questão de tempo até que o Quebra Cavaco volte à ativa ou surja algum novo grupo, assim como muitos que existiram no passado.

No Brasil ou na China, o samba agoniza mas não morre.

* Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital nacional da China, há nove anos.

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

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