A China responde por mais de 90% da produção mundial de violinos, e a aldeia de Donggaocun, no distrito de Pinggu, nos arredores de Pequim, é parte importante da história dessa indústria no país e responsável por 30% do mercado global de violinos.
Iniciado em 2010, o projeto Vale da Música da China, que organiza anualmente um festival musical, já levou à aldeia mais de 5 milhões de artistas de todos os cantos do mundo. A iniciativa tem contribuído para impulsionar não apenas a fabricação de violinos e outros instrumentos de corda, mas também a educação musical de crianças e jovens, os intercâmbios culturais e o turismo.
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Na esteira disso tudo, a indústria de instrumentos musicais acabou dando uma contribuição decisiva à eliminação da pobreza extrema no distrito, ao empoderamento feminino e à vida cultural do distrito.
Por trás de violinos há histórias
Antigamente os violinos chineses eram fabricados exclusivamente por empresas estatais. Foi somente após a reforma e abertura econômica da China, iniciada pelo presidente Deng Xiaoping no final dos anos 70, que empreendedores privados receberam permissão para atuar no setor.
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Liu Yundong, fundador e presidente da Huadong Instrumentos Musicais, aprendeu a fazer violinos como aprendiz de um luthier em Pequim. Em 1988, quando faliram as estatais Xinghai de Pequim e Companhia de Violinos de Tianjin, ele adquiriu tecnologia e equipamentos dessas empresas para fundar a Huadong em Donggaocun.
Naquela época, ninguém em Pinggu sabia tocar violino, muito menos fazer um. Liu convidou especialistas das duas empresas falidas para virem a Donggaocun ensinar a técnica, e nunca parou de investir na qualificação profissional de seus funcionários.
Chen Fengjun é um exemplo de que esse investimento vale a pena. Aos 17 anos ele saiu de sua cidade natal, na província de Anhui, para procurar trabalho em Pequim. Foi contratado pela Huadong. Após mais de 20 anos de aprendizado e prática dentro da fábrica, ele agora é um luthier experiente que faz violinos de alta qualidade, tendo recebido do governo de Pinggu o título honorário de mestre artesão a nível distrital.
“É fácil fazer um violino. Difícil é fazer um bom violino”, explica Liu Yundong.
A Huadong usa duas técnicas diferentes para fazer instrumentos musicais. Uma é a linha de montagem, através da qual cada parte do instrumento é feita por um artesão diferente. Esse método permite a produção em grande escala e reduz o custo do produto final.
Já os instrumentos de alta qualidade, voltados para músicos profissionais, são totalmente feitos por luthiers como Chen Fengjun. Cada luthier tem seu próprio ateliê com todo o equipamento necessário para fazer o instrumento com suas próprias mãos, com total controle do processo desde a escolha da madeira até o acabamento. Além de violinos de diferentes tamanhos e escalas, a Huadong também fabrica violoncelos e contrabaixos.
Toda a madeira utilizada na fabricação dos instrumentos é importada, a maior parte da Europa, mas também da América, inclusive do Brasil. As ripas chegam de navio à província de Shandong, onde são transformadas em peças semi-acabadas e enviadas à fábrica.
Donggaocun já teve mais fábricas de violinos: há duas décadas, o povoado produzia em média 300 mil violinos por ano, dois terços deles fabricados pela Huadong.
De lá para cá, muitas dessas fábricas, que geram poeira e gases, não conseguiram se adequar às leis ambientais cada vez mais rígidas do município e acabaram se mudando para outros lugares.
Para se adaptar à nova realidade, a Huadong decidiu focar em qualidade, reduzindo a produção para 80 mil unidades por ano e buscando agregar valor aos seus produtos.
"Hoje, na internet, os nossos violinos de alta qualidade não são vendidos por menos de 10 mil yuans (1.378 dólares), e os mais baratos custam entre 600 yuans (82,68 dólares) e 3 mil yuans (413,38 dólares)", disse Liu.
A melhora na qualidade dos produtos também traz ganhos para a reputação da empresa. Liu diz com orgulho, que instrumentos feitos pela Huadong são tocados por músicos e orquestras de renome, e mostra fotografias para provar o que diz. O primeiro violino da Huadong a ganhar o primeiro prêmio em uma exposição internacional é exibido como um troféu na sede da empresa.
A música contra a pobreza
A economia do distrito de Pinggu é de base agrícola, com destaque para a produção de frutas. Para aumentar a renda dos camponeses, o governo adotou diferentes estratégias, como o desenvolvimento do turismo rural e do setor de esportes de inverno, que gera empregos sazonais nas estações de esqui.
Mas e quanto aos moradores de aldeias e vilarejos? Cerca de 90% das pessoas empregadas pela Huadong na fabricação de violinos moram em diferentes aldeias e vilarejos de Pinggu, sendo que pelo menos 150 trabalham na fábrica, enquanto as demais trabalham em casa.
Ao entrar na fábrica, me surpreendi ao constatar que a vasta maioria das pessoas trabalhando na fabricação dos instrumentos são mulheres. Elas se dedicam principalmente a trabalhos delicados, como colar, envernizar e montar os violinos.
Segundo uma dessas trabalhadoras, as mulheres em Pinggu antes não encontravam trabalho perto de casa e as oportunidades de emprego eram na cidade, a pelo menos uma hora de viagem dali. Como o trabalho na fábrica de violinos não é pesado para elas, o emprego na Huadong acabou virando uma oportunidade de ouro para as mulheres locais.
Além disso, a possibilidade de trabalhar em casa beneficia as mulheres de meia idade, que precisam cuidar de crianças ou idosos. A empresa envia os materiais a elas e depois coleta o que foi produzido.
Há alguns anos, com apoio do governo local, a Huadong montou seu próprio centro de treinamento, com três funções distintas. A primeira é uma exposição permanente de instrumentos musicais, aberta ao público e gratuita, que inclui instrumentos tradicionais e étnicos chineses para divulgar a cultura musical.
A segunda é o comércio de instrumentos musicais e acessórios, que inclui a revenda de produtos fabricados por outras empresas. Já terceira é o ensino subsidiado de música a 300 crianças e jovens de Pinggu.
“Nós doamos os instrumentos musicais aos alunos, e os professores nós trazemos de Pequim, eles são do Conservatório Nacional de Música ou do Conservatório Central de Música. Na cidade, a hora-aula sai por 400-500 RMB, e aqui oferecemos por apenas 200 RMB. Na verdade estamos perdendo dinheiro aqui”, explicou Liu.
A Huadong também construiu sua própria sala de concertos em Dongaocun, onde músicos convidados, vindos da China e do exterior, se apresentam, e os moradores do distrito de Pinggu recebem convites para assistir às apresentações gratuitamente.
Nas paredes da sede da empresa e do centro de treinamento, há quadros com mensagens deixadas por músicos chineses e estrangeiros que visitaram Donggaocun para conhecer de perto como seus instrumentos são fabricados e apresentaram sua música para a comunidade local.
Em Pinggu, onde antes havia pobreza, agora há sonhos embalados pelo som dos violinos.
* Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital nacional da China, há nove anos.
** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum