CHINA EM FOCO

Pequim se irrita com mudança de rumo de Washington sobre Taiwan

Apoio dos EUA à ilha chinesa em organismos internacionais e remoção de cláusula anti-independência acendem alerta na China, que promete reação firme

Pequim se irrita com mudança de rumo dos EUA sobre Taiwan.Créditos: Shutterstock
Escrito en GLOBAL el

O governo de Donald Trump cruzou a linha vermelha da China ao promover uma mudança histórica na abordagem diplomática sobre Taiwan. Washington deu um novo passo em seu posicionamento em relação à ilha, gerando forte reação de Pequim.

A reviravolta foi sinalizada em dois eventos recentes: o apoio dos EUA à participação de Taiwan em organismos internacionais e a remoção de uma cláusula que reafirmava a não defesa da independência taiwanesa.

O primeiro sinal ocorreu no último sábado (15), durante um encontro trilateral entre os chanceleres dos EUA, Japão e Coreia do Sul, realizado em paralelo à Conferência de Segurança de Munique. 

Pela primeira vez, os três países declararam conjuntamente seu apoio à "participação significativa de Taiwan em organizações internacionais apropriadas" e se posicionaram contra qualquer tentativa unilateral de alteração do status quo no Indo-Pacífico, incluindo no Mar do Sul da China.

O segundo movimento veio pouco depois, quando o Departamento de Estado dos EUA alterou discretamente sua página oficial sobre relações com Taiwan, removendo a frase "não apoiamos a independência de Taiwan". Pequim interpretou essa mudança como um abandono da posição de neutralidade que Washington vinha mantendo, além de uma possível abertura para apoiar o separatismo taiwanês.

China reage e denuncia "interferência em assuntos internos"

A resposta chinesa veio rapidamente. Durante coletiva de imprensa do Ministério das Relações Exteriores da China, nesta segunda-feira (17), o porta-voz Guo Jiakun criticou duramente os EUA e seus aliados, acusando-os de formar "pequenos círculos para interferir nos assuntos internos da China" e "fomentar confronto e antagonismo".

"Taiwan é uma parte inalienável do território chinês. A questão de Taiwan é um assunto puramente interno da China, que não admite interferência externa."

Guo reiterou que a única maneira de manter a estabilidade no Estreito de Taiwan é respeitando o princípio de Uma Só China e se opondo ao separatismo taiwanês. Ele condenou qualquer tentativa de dar legitimidade internacional a Taiwan e alertou que Pequim não tolerará esforços para minar sua soberania territorial.

Além disso, o porta-voz chinês criticou o alinhamento estratégico entre Washington, Tóquio e Seul, enfatizando que a Ásia-Pacífico não deve ser transformada em um "tabuleiro de xadrez para disputas geopolíticas".

"Conclamamos os envolvidos a respeitar os esforços dos países da região pela paz e estabilidade, abandonar a mentalidade da Guerra Fria e cessar a escalada de tensões no Indo-Pacífico."

Mudança no site do Departamento de Estado gera mais atrito

O governo chinês também reagiu à alteração do site do Departamento de Estado dos EUA, onde a frase "não apoiamos a independência de Taiwan" foi removida de um documento oficial sobre as relações bilaterais.

Para Pequim, essa mudança representa um grave retrocesso nos compromissos assumidos por Washington nos três Comunicados Conjuntos China-EUA, que desde 1979 sustentam a política de Uma Só China.

"A história não pode ser alterada, os fatos não podem ser negados e a verdade não pode ser distorcida. A atualização do documento pelo Departamento de Estado dos EUA é mais uma demonstração da política errônea de 'usar Taiwan para conter a China'."

O governo chinês também advertiu que os EUA estão enviando um "sinal errado" aos separatistas taiwaneses, minando a estabilidade regional. Pequim exigiu que Washington corrija imediatamente sua posição, respeite seus compromissos diplomáticos e evite "graves danos" às relações bilaterais e à paz no Estreito de Taiwan.

Tensões crescentes e riscos na relação China-EUA

A questão de Taiwan tem sido um dos principais focos de atrito entre China e EUA, com Pequim vendo qualquer iniciativa de aproximação como um passo em direção ao reconhecimento da independência da ilha.

Sob a nova administração Trump, há expectativas de que Washington adote uma política externa ainda mais assertiva contra a China, fortalecendo alianças militares na Ásia e ampliando o apoio a Taiwan.

Pequim, por sua vez, já demonstrou que não hesitará em reagir, seja por meio de sanções econômicas, movimentações militares no Estreito de Taiwan ou pressão diplomática sobre aliados dos EUA.

O aumento da tensão entre as duas maiores potências do mundo pode desencadear novos desdobramentos estratégicos na região do Indo-Pacífico nos próximos meses.

Taiwan: A linha vermelha da China

A China considera a questão de Taiwan uma "linha vermelha inegociável", pois envolve sua soberania, integridade territorial e estabilidade política interna. Pequim vê qualquer tentativa de independência formal da ilha ou apoio estrangeiro ao separatismo como uma ameaça existencial.

1. Princípio de Uma Só China e Legitimidade Nacional

Desde a fundação da República Popular da China (RPC) em 1949, Pequim considera Taiwan uma província rebelde e parte inalienável de seu território. Esse entendimento é sustentado pelo Princípio de Uma Só China, que estabelece que existe apenas uma China e que o governo da RPC é seu único representante legítimo.

Taiwan, por outro lado, opera como um governo autônomo, com seu próprio sistema político, moeda, forças armadas e instituições de governo. No entanto, qualquer movimento em direção à independência formal é visto por Pequim como uma afronta direta à sua legitimidade.

2. Segurança e Estabilidade Interna da China

Para o Partido Comunista Chinês (PCCh), permitir a independência de Taiwan criaria um precedente perigoso para outras regiões da China, como Tibete e Xinjiang.

Além disso, a posição firme sobre Taiwan está ligada à estabilidade política do próprio PCCh. Qualquer concessão nesse tema poderia ser interpretada como fraqueza política, minando a autoridade do Partido.

3. Interesse Estratégico e Rivalidade com os EUA

Taiwan tem uma posição geoestratégica crítica no Indo-Pacífico, localizada entre o Mar do Sul da China e o Japão, controlando uma das rotas marítimas mais movimentadas do mundo.

Se Taiwan fortalecer seus laços militares com os EUA, Pequim teme que Washington possa instalar bases militares na ilha, alterando o equilíbrio de poder na região.

Os EUA já fornecem armas e assistência militar a Taiwan, o que Pequim considera uma violação da sua soberania.

O maior ponto de tensão entre China e EUA

A questão de Taiwan é o principal ponto de atrito entre China e EUA e um dos fatores que podem desencadear um grande conflito na Ásia. Pequim está disposta a usar todos os meios necessários para impedir a independência da ilha, e qualquer desvio desse princípio por parte de Washington ou seus aliados pode ter consequências militares e diplomáticas graves.

Por isso, a China exige que os EUA respeitem o princípio de Uma Só China, evitem fortalecer laços militares com Taiwan e cessem a estratégia de "usar Taiwan para conter a China".

Enquanto a ilha continuar sendo um território disputado e um ponto central na rivalidade entre Pequim e Washington, o Estreito de Taiwan permanecerá como uma das regiões mais instáveis e estratégicas do mundo.

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar