CHINA EM FOCO

BYD e Vale do Lítio: Bolsonaro e a entrega da riqueza mineral para a China

Montadora chinesa expande mineração em Minas Gerais graças a medidas “patriotas” do governo de extrema direita e entreguismo de Romeu Zema

BYD e Vale do Lítio: Bolsonaro e a entrega da riqueza mineral para a China.Montadora chinesa expande mineração em Minas Gerais graças a medidas “patriotas” do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro e entreguismo de Romeu Zema.Créditos: Fotomontagem (Alan Santos e Caio Guatelli)
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A montadora chinesa BYD expandiu sua atuação no Brasil ao adquirir direitos minerais sobre dois terrenos em Coronel Murta, Minas Gerais, região rica em lítio e parte do chamado "Vale do Lítio", localizado no Vale do Jequitinhonha.

De acordo com a Reuters, a compra foi realizada em 2023 por meio da subsidiária Exploração Mineral do Brasil e representa a entrada da empresa no setor de mineração, consolidando sua aposta na maior economia da América Latina.

O investimento ocorre em meio a uma corrida global pelo lítio, impulsionada pela crescente demanda por baterias de veículos elétricos. Com 852 hectares de área adquirida, os terrenos da BYD fazem fronteira com áreas da mineradora Atlas Lithium, empresa estadunidense que também realiza pesquisas na região. 

A BYD, que já investe em uma fábrica de veículos elétricos na Bahia, vê no lítio brasileiro uma oportunidade estratégica para garantir suprimentos essenciais à sua cadeia produtiva.

A subsidiária criada para gerir os ativos minerais foi fundada com um capital social de R$ 4 milhões e registrou um lucro de R$ 213 mil em 2023 devido a variações cambiais. No entanto, documentos analisados pela Reuters indicam que a empresa segue em fase de pesquisa, sem movimentações financeiras significativas até o momento.

A BYD não comentou oficialmente sobre a aquisição, mas especialistas apontam que a entrada da companhia na mineração pode acelerar sua integração na cadeia de suprimentos de lítio na América do Sul. No Chile, a empresa foi uma das seis autorizadas a concorrer a um grande projeto de extração do mineral e já anunciou planos para instalar uma fábrica de cátodos de lítio no norte do país.

Bolsonaro flexibilizou regras para explorar lítio

O “negócio da China” só foi possível graças a uma medida do governo Bolsonaro, que abriu as portas da mineração de lítio para investidores estrangeiros. Em 2022, o governo "patriota" de extrema direita flexibilizou controles de exportação do metal, reduzindo a burocracia e incentivando investimentos.

Em 5 de julho de 2022, Bolsonaro promulgou o Decreto nº 11.120, que flexibilizou as regras para exportação e importação de lítio e seus derivados no Brasil. Anteriormente, essas operações estavam sujeitas à autorização prévia da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

Com a nova medida, o comércio exterior de lítio passou a ser livre de restrições, exceto aquelas previstas em lei ou determinadas pela Câmara de Comércio Exterior (Camex).

À época, o Ministério de Minas e Energia (MME), sob a liderança do ministro Adolfo Sachsida, justificou a mudança como uma forma de dinamizar o mercado brasileiro de lítio para atrair investimentos em pesquisa, produção mineral e desenvolvimento de tecnologias associadas, como a fabricação de baterias para veículos elétricos.

A expectativa do MME era de que essa flexibilização posicionasse o Brasil de maneira competitiva no mercado global de lítio, resultando em investimentos significativos, especialmente no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, onde se concentra a maior parte das reservas nacionais do mineral.

A medida de Bolsonaro gerou preocupações entre especialistas e organizações sociais. Críticos argumentam que a desregulamentação pode favorecer a exploração por multinacionais, sem garantir benefícios concretos para as comunidades locais.

Há receios de que a flexibilização intensifique a atuação de grandes corporações em regiões historicamente vulneráveis, como o Vale do Jequitinhonha, sem assegurar a distribuição equitativa dos lucros ou a proteção ambiental adequada.

A Revista Fórum pediu um posicionamento do MME do governo Lula sobre essa medida de Bolsonaro. Ainda não houve resposta.

Modelo liberal entrega riquezas a estrangeiros

A medida de Bolsonaro foi na contramão de países como Argentina, Bolívia e Chile, que mantêm forte controle estatal sobre suas reservas. O Brasil optou por um modelo entreguista e liberal, que atraiu a atenção de empresas da China, Arábia Saudita e Estados Unidos.

O Vale do Jequitinhonha, onde está localizada Coronel Murta, desponta como a principal região para a exploração do lítio no Brasil. Diferente dos salares andinos, onde o mineral é extraído de salmouras, o lítio brasileiro se encontra em rochas duras, permitindo a aplicação de técnicas tradicionais de mineração.

Apesar do potencial de crescimento, o país ainda responde por apenas 1,5% da produção global de lítio. O governo de Minas Gerais estima que essa participação possa subir para 5% nos próximos dez anos, impulsionada pelo Projeto Vale do Lítio, iniciativa lançada em 2023 para estimular a exploração sustentável do mineral na região.

Projeto Vale do Lítio: o entreguismo de Zema 

Quem não perdeu tempo com a medida de Bolsonaro foi o aliado do ex-presidente em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo). Com investimentos estimados em R$ 15 bilhões até 2030, ele lançou o Projeto Vale do Lítio.

A iniciativa de Zema pretende transformar a região do Vale do Jequitinhonha em um polo estratégico de extração e processamento do lítio. Para isso, está entregando a estrangeiros as reservas do metal estratégico sob a justificativa de impulsionar o desenvolvimento econômico local e atrair empresas interessadas em agregar valor à cadeia produtiva do mineral.

Ao contrário do que reza a cartilha neoliberal de Zema, a atividade mineradora, especialmente quando conduzida por multinacionais, pode intensificar a concentração de renda e criar dependência econômica nas comunidades locais. 

Embora a mineração possa gerar empregos e receitas fiscais, esses benefícios frequentemente não são distribuídos de forma equitativa, resultando em disparidades socioeconômicas.

Concentração de renda e dependência econômica

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), publicado durante a gestão do ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, mostra que a mineração pode levar à concentração de renda, onde os lucros são majoritariamente direcionados às empresas e acionistas, enquanto as comunidades locais recebem uma parcela mínima dos benefícios econômicos. 

Intitulado “Uma investigação sobre a minero-dependência em Brumadinho-MG: as metáforas do processo de formação da dinâmica econômica local” o estudo analisou a dependência da atividade de mineração da cidade de Brumadinho-MG.

O estudo conclui que a minero-dependência de Brumadinho representa um entrave ao seu desenvolvimento sustentável, reforçando desigualdades sociais e econômicas. Para romper esse ciclo, é necessário um esforço conjunto entre setor público, privado e sociedade civil para encontrar alternativas que garantam uma economia mais diversificada e menos vulnerável às flutuações do mercado de commodities.

Exemplo da mineração na China

Um exemplo de soberania nacional sobre os recursos minerais vem justamente da China. No que diz respeito aos investimentos estrangeiros, o país asiático adota uma abordagem cautelosa e estratégica.

Embora a China seja um dos maiores consumidores de produtos minerais, especialmente commodities como carvão e minério de ferro, o setor de mineração é amplamente dominado por empresas estatais chinesas.

A participação estrangeira é limitada e geralmente ocorre por meio de joint ventures ou parcerias que envolvem transferência de tecnologia e conhecimento. Essa política visa garantir o controle sobre recursos estratégicos e promover o desenvolvimento sustentável da indústria mineral.

Em 2023, o Ministério dos Recursos Naturais da China anunciou a descoberta de 124 novos locais de mineração, dos quais 44 são de grande extensão, 52 de médio porte e 28 pequenos.

Essas descobertas refletem os esforços contínuos do país em expandir e diversificar sua base mineral, dentro de um projeto nacional de desenvolvimento.

Brasil deveria se inspirar na China

Enquanto o Brasil abre suas riquezas minerais para empresas estrangeiras, a China protege suas reservas e fortalece sua indústria nacional. O modelo adotado pelo governo Bolsonaro desregulamentou o mercado de lítio, beneficiando multinacionais e investidores estrangeiros, sem garantir que os lucros gerados fiquem no país.

O Vale do Jequitinhonha, que poderia se tornar um polo industrial nacional para o processamento do lítio, corre o risco de se transformar em apenas mais uma zona de extração para exportação, deixando comunidades locais dependentes e sem alternativas econômicas sustentáveis.

A decisão sobre o futuro do lítio no Brasil não pode se limitar à exploração de suas reservas, mas deve considerar políticas de industrialização e desenvolvimento tecnológico, garantindo que o país tenha soberania sobre seus recursos estratégicos.

 

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