CHINA EM FOCO

Multipolarização é um fato consumado? O que revela o Relatório de Segurança de Munique 2025

Com o avanço do protecionismo de Donald Trump e a ascensão da China, o mundo caminha para um cenário mais fragmentado e instável e desafia a teoria do "fim da história" de Fukuyama

Com o avanço do protecionismo de Donald Trump e a ascensão da China, o mundo caminha para um cenário mais fragmentado e instável e desafia a teoria do 'fim da história' de Fukuyama.
Multipolarização é um fato consumado? O que revela o Relatório de Segurança de Munique 2025.Com o avanço do protecionismo de Donald Trump e a ascensão da China, o mundo caminha para um cenário mais fragmentado e instável e desafia a teoria do "fim da história" de Fukuyama.Créditos: Reprodução Internet
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O Relatório de Segurança de Munique 2025, ao abordar a multipolarização, reflete um mundo cada vez mais fragmentado e competitivo, onde a ascensão de novas potências desafia a ordem tradicional liderada pelos Estados Unidos

Esse contexto se torna ainda mais relevante diante do crescente protecionismo econômico dos EUA sob a presidência de Donald Trump, que tende a acelerar a multipolarização ao afastar aliados históricos e fortalecer a busca por autonomia de outros países e blocos.

China e o avanço da multipolarização

O relatório de Munique destaca a China como a principal defensora global dessa nova ordem, promovendo um mundo multipolar igualitário e ordenado. 

Durante coletiva de imprensa do Ministério das Relações Exteriores chinês, em Pequim nesta terça-feira (11), o porta-voz Guo Jiakun enfatizou que cada vez mais pessoas veem o mundo se tornando multipolar e que essa é uma tendência irreversível.

Guo destacou que a China defende uma globalização econômica universalmente benéfica e inclusiva e que Pequim está comprometida com o multilateralismo, a proteção da Carta das Nações Unidas e a promoção da estabilidade global. 

"Estamos comprometidos com a prática do verdadeiro multilateralismo e chamamos os países do mundo a desempenharem um papel construtivo na resolução de questões internacionais e regionais sensíveis", afirmou o porta-voz.

Guo também ressaltou que a China tem sido a maior força motriz do crescimento econômico global nos últimos anos, respondendo por cerca de 30% do crescimento mundial.

Multipolarização em contraposição ao "Fim da História"

O relatório de Munique desafia diretamente a teoria de "O Fim da História e o Último Homem" (1992), de Francis Fukuyama, que argumentava que o colapso da União Soviética consolidou a democracia liberal e o capitalismo como o modelo definitivo para a humanidade. 

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O documento sobre multipolarização da Conferência de Munique destaca que, ao contrário do previsto por Fukuyama, o mundo está se fragmentando em múltiplos polos de poder, com diferentes visões de governança e desenvolvimento econômico.

Fukuyama escreveu sua tese no auge da unipolaridade estadunidense, quando os EUA pareciam ser a única superpotência incontestável. O relatório de Munique, por outro lado, mostra que esse momento passou e que o poder global está se redistribuindo entre atores como China, Rússia, Índia e Brasil.

O relatório de Munique aponta ainda que, longe de uma convergência universal para o liberalismo, o mundo vive uma nova era de competição entre democracias liberais e modelos alternativos de governança, como os sistemas políticos da China e da Rússia.

Fukuyama previu que, sem desafios ideológicos, os conflitos diminuiriam. O relatório de Munique, no entanto, aponta que a multipolarização pode levar ao oposto: um mundo sem regras claras, onde disputas regionais e crises humanitárias sejam exacerbadas por jogos de influência entre grandes potências.

Protecionismo de Trump e a multipolarização

A política externa dos EUA sob Trump não apenas fortalece a multipolarização, mas também a torna mais caótica e imprevisível. O relatório de Munique destaca que:

Enfraquecimento da ordem Liberal internacional: O protecionismo de Trump mina organizações multilaterais como ONU, OMC e FMI, incentivando potências emergentes a buscar alternativas ao sistema dominado pelo Ocidente.

Fortalecimento da China e do Sul Global: O vácuo deixado pelos EUA em algumas regiões permite que Pequim amplie sua influência, acelerando a desdolarização e promovendo novas estruturas de governança econômica.

Tensões com a União Europeia: A pressão de Washington sobre a Europa pode aprofundar divisões dentro do bloco e levar alguns países a defender maior autonomia estratégica.

Dilemas para o Brasil e outras potências emergentes: O Brasil, sob o governo Lula, busca reformar a governança global e fortalecer o Sul Global, mas pode enfrentar barreiras comerciais impostas pelos EUA.

Corrida tecnológica e a fragmentação da economia global: As sanções dos EUA contra a China podem acelerar a divisão do mundo em dois blocos econômicos rivais, prejudicando cadeias produtivas globais.

Destaques do Relatório de Segurança de Munique 2025

O Relatório de Segurança de Munique 2025, intitulado Multipolarization, apresenta uma análise abrangente da dinâmica global e da fragmentação do poder internacional. 

O documento destaca que, embora não seja certo que o mundo já tenha atingido um estado plenamente multipolar, está evidente um processo de multipolarização caracterizado pela dispersão do poder entre mais atores e pelo aumento da polarização ideológica, tanto no âmbito internacional quanto no doméstico.

O levantamento mostra que Pequim busca se posicionar como líder do Sul Global, promovendo uma narrativa de que defende os interesses dos países em desenvolvimento contra a dominação ocidental. 

No entanto, o relatório destaca que essa postura é vista com ceticismo por muitos países ocidentais, que consideram a retórica chinesa uma cobertura para ampliar sua influência e competir com os Estados Unidos.

Papel da China na multipolarização

Posicionamento global: A China promove um discurso a favor da multipolaridade e contra o que chama de hegemonia dos EUA. No entanto, sua política externa ainda enfrenta desconfiança, especialmente entre democracias ocidentais.

Desafios internos: Apesar dos avanços econômicos e militares, Pequim enfrenta obstáculos internos significativos, como o desaquecimento econômico e o envelhecimento populacional.

Competição com os EUA: A rivalidade entre China e EUA continua sendo um eixo central da geopolítica global. Sob a presidência de Donald Trump, os esforços de Washington para conter Pequim devem se intensificar.

Rede de alianças: A China busca consolidar sua influência por meio de iniciativas como a Nova Rota da Seda e o fortalecimento do BRICS, atraindo países descontentes com a ordem ocidental.

Militarização: O relatório menciona que a China está investindo pesadamente em modernização militar e pode estar no caminho para se tornar a segunda superpotência nuclear global, atrás apenas dos EUA e da Rússia.

Multipolaridade ou hegemonia alternativa? Há um debate sobre se a China realmente busca um mundo multipolar ou se sua meta final é estabelecer uma nova forma de dominação global, substituindo os EUA como potência preponderante.

O relatório conclui que, apesar dos desafios, Pequim continuará sendo um dos principais atores da nova ordem mundial emergente, disputando influência não apenas com os EUA, mas também com outras potências regionais, como a Índia e a União Europeia.

Um mundo em transformação

O relatório de Munique observa que o sistema internacional exibe elementos de unipolaridade, bipolaridade, multipolaridade e não-polaridade. 

Apesar da influência ainda dominante dos Estados Unidos em setores como defesa e economia, o poder está cada vez mais disperso. China, Rússia, União Europeia, Índia, Japão e Brasil emergem como potências regionais com visões próprias sobre a nova ordem global.

De acordo com a análise, os principais desafios da multipolarização incluem a falta de consenso sobre regras comuns, o aumento das tensões entre democracias e as chamadas "autocracias" e a dificuldade de ações coordenadas diante de crises globais, como mudanças climáticas e conflitos regionais.

Principais protagonistas da multipolarização

Estados Unidos: A reeleição de Donald Trump sinaliza um afastamento do internacionalismo liberal. A política externa de Washington deve focar na competição com a China e possivelmente reduzir o apoio à segurança europeia e ucraniana.

China: Pequim se posiciona como líder do Sul Global e busca influenciar a ordem internacional, apesar de enfrentar desafios internos e o aumento da pressão dos EUA.

União Europeia: O bloco encara desafios com o crescimento do populismo e o impacto da guerra na Ucrânia, o que pode reconfigurar seu papel no mundo.

Rússia: O Kremlin busca uma ordem multipolar baseada em "estados civilizatórios" e continua sua ofensiva contra a ordem liberal.

Índia: Nova Deli aposta na multipolaridade para consolidar seu status de grande potência, mas enfrenta desafios internos e pressão da China em sua região.

Brasil: O governo Lula vê a multipolarização como uma oportunidade para reformar as instituições globais e fortalecer a voz do Sul Global, especialmente nas questões de segurança alimentar e mudança climática.

África do Sul: Pretória defende uma multipolaridade que corrija desigualdades históricas, mas enfrenta desafios domésticos e questionamentos sobre sua liderança no continente africano.

Riscos e oportunidades

Enquanto alguns veem a multipolaridade como uma chance de tornar a governança global mais justa e inclusiva, outros alertam para os riscos de instabilidade e novos conflitos. A multipolarização pode resultar em um mundo sem regras claras, em que disputas regionais e crises humanitárias sejam exacerbadas por jogos de influência entre grandes potências.

O Relatório de Segurança de Munique 2025 conclui que a multipolaridade não é apenas uma redistribuição de poder, mas também um fenômeno de crescente polarização ideológica. O desafio para a comunidade internacional será encontrar formas de cooperação que reduzam os riscos de fragmentação e instabilidade global.

Leia aqui o Relatório de Segurança de Munique 2025 (em inglês)

O retorno da História?

Se Fukuyama via a democracia liberal como o destino final da política mundial, o Relatório de Munique 2025 sugere que essa luta ainda está longe de ser decidida. 

A ascensão da multipolaridade representa não apenas uma redistribuição do poder global, mas também uma rejeição da ideia de que o Ocidente detém o modelo definitivo de governança. O desafio para a comunidade internacional será encontrar formas de cooperação que reduzam os riscos de fragmentação e instabilidade global.

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