No dia 7 de janeiro, um forte terremoto na região autônoma de Xizang (Tibete), no sudoeste da China, causou 126 mortes e 188 feridos. Para explicar esses números, não devemos olhar apenas para a densidade populacional da região, pois as consequências do sismo teriam sido mais severas se o país não tivesse aprendido lições importantes com catástrofes naturais do passado.
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Graças ao desenvolvimento contínuo de políticas, técnicas, tecnologias, normas e treinamentos para lidar com desastres, o país asiático acumula conhecimentos valiosos sobre como proteger vidas e mitigar danos causados por terremotos, furacões e outras catástrofes naturais.
A importância do trabalho preventivo e da reação rápida
Na tarde do dia 12 de maio de 2008, o condado de Wenchuan, na província chinesa de Sichuan, sofreu um terremotos de magnitude 7,9 na escala Richter. Todas as estradas que davam acesso ao condado e todas as estruturas locais de comunicação foram destruídas, tornando impossível pedir ajuda.
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Porém, mesmo sem ter sido pedida, a ajuda foi enviada rapidamente: apenas 18 minutos após o primeiro tremor, a primeira equipe de socorristas já estava a caminho de Wenchuan.
A coordenação entre os serviços estatais de monitoramento geológico e atendimento a emergências possibilitou uma compreensão rápida da gravidade da situação e das localidades afetadas, com o envio imediato de equipes de socorro aos lugares certos. Uma equipe de militares enviada do município de Chongquing foi a primeira a chegar a Wenchuan.
Os atuais sistemas de prevenção de desastres da China são ainda mais eficientes e confiáveis: o maior sistema de aviso prévio de terremotos do mundo, desenvolvido pelo país, tornou-se completamente operacional no ano passado.
Após a detecção de um terremoto, é feita a coleta de informações sobre a onda primária, que causa menor dano, e os dados servem para prever os danos que serão causados pelo impacto da onda secundária, mais destrutiva. Em seguida, todas as pessoas na área de risco recebem mensagens de alerta em seus aparelhos eletrônicos, como celulares, e se preparam para o sismo.
Já as equipes de socorro dispõe de informações cada vez mais detalhadas e precisas, que lhes permitem realizar o trabalho da forma mais eficiente. Enquanto isso, longe do local do desastre, provisões estocadas para emergências começam a ser preparadas para o transporte: alimentos, roupas, remédios e outros materiais que forem necessários podem chegar rapidamente ao destino.
Imóveis mais seguros
Quando a República Popular da China foi fundada, em 1949,o país estava entre os mais pobres do mundo e seu governo tinha o grande desafio de resolver um grave déficit habitacional com orçamento, tecnologias e recursos limitados, uma vez que embargos impediam a importação de máquinas e materiais de construção. Naquelas condições, a solução foi construir imóveis baratos e de qualidade inferior.
Com o passar do tempo, a China realizou grandes avanços na construção civil, melhorando a qualidade de seus materiais de construção, elevando a qualificação de sua mão de obra e desenvolvendo tecnologias e técnicas de construção. Tudo isso trouxe um aumento evidente na qualidade dos imóveis, cada vez mais resistentes a terremotos, ventos fortes e outras adversidades.
Porém, a queda de imóveis novos durante o terremoto de Wenchuan, em 2008, especialmente a Escola Média Xuankou, inaugurada há menos de dois anos, evidenciou a necessidade de medidas mais rígidas em termos de normas para construção civil, inspeções de segurança e punição aos que não cumprirem com suas responsabilidades. Proteger vidas é a prioridade número um.
Desde então, as autoridades chinesas têm dado grande atenção à reforma, ou mesmo demolição seguida de reconstrução, de imóveis em todos os cantos do país para garantir habitação segura a seus 1,4 bilhão de habitantes. Um dos objetivos é que os imóveis resistam a terremotos.
Dentro do trabalho de eliminação da pobreza, foi efetivada a política Duas Garantias e Três Acessos, que visa garantir a cada cidadão chinês alimentos e vestuário e acesso a educação obrigatória, serviços básicos de saúde e moradia adequada.
Durante minhas visitas a vilarejos e áreas rurais da China, vi com meus próprios olhos essa transformação. Em muitas vilas que visitei, inclusive em Xizang, novas casas resistentes a terremotos foram construídas em substituição a imóveis velhos que estavam em condições inadequadas de habitação.
Minha visita a Haikou, na província de Hainan, no sul da China, em setembro de 2024, aconteceu pouco tempo depois da cidade ter sido atingida por um tufão, mas os sinais de dano eram bem poucos.
Ainda era possível ver algumas árvores caídas e danos menores a quiosques e calçadas. O trabalho de limpeza das ruas e coleta de entulho ainda estava em andamento. Alguns prédios apresentavam pequenos danos superficiais, que comprometiam a estética, mas não a estrutura.
Conservar a memória
Cada desastre deixa sua marca na história e nos ensina uma lição. Estudos sobre catástrofes naturais do passado contribuem para o desenvolvimento de imóveis mais seguros e para o aperfeiçoamento das políticas públicas. Além disso, a China dá grande atenção à preservação da memória dos desastres.
O grande terremoto de Wenchuan, uma das catástrofes mais traumáticas da história do país, é um bom exemplo. Para sua reconstrução, o escritório de arquitetura Jiakun desenvolveu uma técnica de reciclagem de tijolos a partir das ruínas dos imóveis antigos.
Além de reduzir o impacto ambiental da reconstrução do condado, esse tijolos “renascidos” simbolizam o renascimento de Wenchuan, contribuindo de forma inovadora para a preservação da memória e a recuperação emocional dos sobreviventes da tragédia.
As ruínas da escola Xuankou foram convertidas em um memorial, onde visitantes podem depositar flores em homenagem às vítimas da tragédia, visitar as ruínas e conhecer histórias sobre as pessoas que faleceram ali durante o terremoto.
Em Wenchuan também foi construído um museu sobre o terremoto, para abrigar alguns escombros da tragédia, conservar as histórias do salvamento e da reconstrução e homenagear as vítimas e os heróis daquele dia, além de informar sobre a reconstrução e educar os visitantes a respeito de terremotos. Há inclusive um simulador de terremoto e jogos educativos.
Embora o terremoto em Xizang tenha sido forte, a quantidade de mortos e feridos bem como as perdas materiais, são menores que o registrado em eventos semelhantes de décadas atrás. Isso mostra que a China tem feito um bom trabalho em gestão de desastres e tem muito a ensinar a outros países.
* Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital nacional da China, há nove anos.
** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum