Embora o café hoje seja a bebida quente mais popular no Brasil, há dois séculos a situação era bem diferente: era o chá importado da China que não podia faltar na mesa do brasileiro. No início do século XIX, Dom João VI trouxe cerca de 300 trabalhadores chineses ao Brasil junto com as primeiras mudas da planta, para o projeto ambicioso de transformar o chá em um produto de exportação brasileiro.
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Essa primeira imigração em massa de chineses no Brasil fortaleceu os laços entre os dois povos, que tinham em comum o gosto pelo chá, bebida que naquele momento se firma como um símbolo da amizade entre Brasil e China.
No entanto, foi a cafeicultura que acabou se disseminando pelo sudeste do país nas décadas seguintes, tornando o café não apenas o principal produto de exportação, mas também um elemento da cultura nacional, que foi gradativamente ocupando o lugar outrora ocupado pelo chá nas mesas brasileiras.
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Há 50 anos, quando Brasil e China oficializaram suas relações diplomáticas, autoridades dos dois países, entre elas o então ministro do comércio e indústria, Severo Gomes, e o ministro do comércio exterior, Azeredo da Silveira, e o vice-ministro chinês de comércio exterior, Chen Jie, brindaram com café a brasileiro a amizade entre os dois países.
No dia 5 de junho deste ano, durante o Fórum Empresarial Brasil-China, em Pequim, a delegação brasileira comandada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, junto com autoridades chinesas presentes, recordou aquele momento com um gesto simbólico, brindando com café brasileiro para desejar que essa relação bilateral seja ainda mais próspera ao longo das próximas décadas.
Mas há uma importante diferença entre aquele brinde de 50 anos atrás e o de agora: há cinco décadas, o café era praticamente desconhecido pelos chineses, que agora estão entre seus principais consumidores. Nas últimas décadas, os cafés se popularizaram tanto nas grandes cidades chinesas, que Xangai se tornou a capital mundial dos cafés, com quase 8 mil estabelecimentos.
“As pessoas em Xangai frequentam cafeterias para desfrutar de uma xícara de café, mesmo quando estão em reuniões de negócios, encontros ou sessões de trabalho. Você pode vê-las saboreando seu café, criando um pequeno momento, que é um agrado pessoal de que você pode desfrutar mesmo durante um dia agitado em Xangai”, afirma Aleksandra Antonenko, russa radicada na cidade.
“Quando penso em tomar meu café em Xangai, recordo todas as maravilhosas memórias e sentimentos que ele traz. A cidade transformou o café em uma bebida que me deixa feliz.”
Os cafés estão cada vez mais presentes no dia a dia dos chineses, sendo comuns até mesmo nos prédios de escritórios, onde servem como espaços de convívio, descanso e até mesmo de trabalho. Muitos chineses conservam a tradição de oferecer chá às visitas, mas é cada vez mais comum perguntarem “você prefere chá ou café?”
Curiosamente, no Brasil a situação não é muito diferente: embora a maioria das famílias brasileiras tenha o hábito de oferecer café às visitas, também há aquelas que oferecem chá como alternativa, mas o termo “chá” na maioria das vezes se refere ao chá mate, feito com a erva mate e não com folhas de chá.
Nas últimas décadas, enquanto os chineses se acostumaram ao café, brasileiros em busca de um estilo de vida mais saudável acabaram redescobrindo o chá. O primeiro a ganhar fama foi o chá verde por conta de seus benefícios à saúde humana. Depois foi a vez do chá preto e, em menor grau, do chá branco, tornarem-se populares em alguns círculos sociais brasileiros. Mas foi como ingrediente adicionado a bebidas geladas e alimentos industrializados que o chá conseguiu conquistar um público mais vasto no Brasil.
Assim como Brasil está longe de ser um dos principais destinos das exportações chinesas de chá, também o café brasileiro tem ocupado pouco espaço no mercado chinês, e uma das causas disso é o custo, visto que o café produzido no sudeste asiático tem custo de transporte reduzido por conta da proximidade geográfica e goza de vantagens tarifárias decorrentes de vantajosos acordos comerciais com a China.
Outra causa da baixa popularidade do café brasileiro são as exigências do consumidor chinês, que busca um produto fresco e moído na hora do preparo, para conservar da melhor forma possível seu sabor e aroma. Por conta disso, a China prefere comprar café em grãos, enquanto muitos produtores brasileiros focam na exportação de café torrado e moído para agregar valor à sua produção. Fora isso, o imposto de importação do grão in natura na China também é mais baixo, o que favorece seu beneficiamento em solo chinês.
Enquanto isso, a juventude chinesa lidera uma mudança radical na forma como café e chá são consumidos no país asiático. Ao invés da tradicional cerimônia do chá, a maioria dos jovens chineses preferem o “chá com bolhas”, com uma apresentação moderna e descolada e preparado com gelo, leite, frutas e gelatinas, que dão maior complexidade ao gosto e à consistência da bebida. Para atender às demandas do público jovem, foi necessário trazer inovação a essa bebida milenar.
O consumo de café na China segue um caminho semelhante: nos cafés chineses, as opções disponíveis vão muito além dos produtos tradicionais, como espresso, cappuccino e latte, há cafés preparados com adição de flores, creme de leite, chocolate e até mesmo gelo e suco de frutas. Em casa, chineses gostam de explorar o gosto e o aroma do café experimentando produtos com diferentes características, incluindo os famosos Kopi Luwak da Indonésia e Blue Mountain da Jamaica.
Para melhor atender às exigências do consumidor chinês, o Brasil precisa desenvolver sua indústria de cafés especiais, que é relativamente nova neste setor tradicionalmente acostumado à exportação do grão a granel ao invés de um produto acabado.
O Brasil precisa dar mais atenção à classificação de seus cafés, valorizando a indicação geográfica, o grau de pureza, as diferentes técnicas de cultivo e processamento, entre tantas outras características que criam um produto único, e em seguida fazer um bom trabalho de branding para criar, popularizar e valorizar marcas brasileiras de cafés especiais.
Segundo dados de 2023 da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil tem 13 regiões produtoras de café protegidas por indicação geográfica, nas quais o clima, o solo e o conhecimento humano criam um produto com características únicas; e nove denominações de origem, que reconhecem a tradição de uma região em produzir café.
Até agora, a marca brasileira Unique Cafés é a que melhor se posicionou no mercado chinês, oferecendo uma vasta gama de produtos com diferentes características, tanto em grãos quanto em pó, oriundos de diferentes regiões do Brasil.
A tradicional exportação de café como commoditie também tem espaço no mercado chinês: com produtos padronizados sendo vendidos por todo o país, as grandes redes de cafeterias precisam comprar café em grande quantidade.
A Luckin Coffee, maior rede de cafeterias da China, com 18.590 lojas, anunciou a compra de 120 mil toneladas de café brasileiro a um preço estimado em 500 milhões de dólares, com planos de aumentar as encomendas do Brasil nos próximos anos.
“O café brasileiro é campeão, tem aroma, tem sabor, a Luckin Coffee fez uma excelente escolha”, declarou o vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, durante visita a uma loja da rede. “O café também simboliza a amizade. No Brasil, quando chega visita, a gente oferece um café”, completou
* Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital nacional da China, há oito anos.