CHINA EM FOCO

Opinião: Xizang, ou Tibete, 65 anos depois da libertação pacífica

Artigo do jornalista brasileiro radicado em Pequim Rafael Henrique Zerbetto desconstrói ilações de "genocídio cultural" na região autônoma chinesa

Créditos: Xinhua - Praça do Palácio Potala em Lhasa, capital da Região Autônoma do Tibete, no sudoeste da China
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Nos últimos anos, diversos veículos da imprensa ocidental têm acusado a China de “genocídio cultural” contra minorias étnicas, que estariam perdendo sua língua e suas tradições. Como exemplo citam a “imposição” do termo mandarim Xizang em lugar do termo “tibetano” Tibete.

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Acontece que Tibete vem do latim Tibetum e nunca fez parte do idioma tibetano: tibetanos usam o termo Bod para se referir ao vasto território onde vivem, que vai além das fronteiras da região autônoma de Xizang, e o termo Ü-Tsang (em mandarim Wusizang) para a área de Xizang onde vive a maior parte dos membros da etnia.

O termo tibetano Tsang e o mandarim Zang são bem parecidos e dão nome à etnia tibetana, de modo que o termo Xizang – que não é neologismo – soa familiar para todos e foi bem aceito pela população local, sendo necessário para dar uma definição precisa dos limites geográficos dessa região autônoma.

A palavra Tibete, historicamente usada no Ocidente, não delimita de forma precisa a região e inclui territórios externos a ela, não tendo equivalente nem em mandarim, nem em tibetano.

Mulheres em trajes típicos locais dão as boas vindas aos passageiros na estação ferroviária de Lhasa. Atrás delas está o trem-bala Fuxing, capaz de atingir a velocidade de 350 km/h. (Foto: acervo pessoal)

Durante minha infância no Brasil, quase toda semana eu me deparava com um comentário na TV ou um artigo de jornal afirmando que a China oprime os tibetanos, e assim fui sendo condicionado a acreditar nisso até o dia em que fui provocado a citar um exemplo dessa opressão e fiquei mudo.

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Naquele momento percebi que todas aquelas críticas à China por violar direitos humanos em Xizang eram vazias, sem apresentar provas ou evidências, nem mesmo uma análise minimamente profunda que nos permitisse deduzir, a partir de fatos conhecidos, alguma anormalidade.

A verdade é que antes da Libertação de Xizang, em 1959, três pessoas e seu pequeno grupo de subordinados, que somavam menos de 5% da população local, eram donos de praticamente todas as terras agriculturáveis, montanhas, rios e animais de criação.

Os demais moradores de Xizang eram pedintes, servos ou escravos. Eles não tinham meios de subsistência, eram obrigados a pagar altos impostos aos detentores das riquezas e vistos pela elite local como “bois e cavalos falantes”.

E assim como os bois e os cavalos, eles tinham donos, que podiam acorrentá-los, castigá-los ou mesmo matá-los. Mesmo pequenos deslizes eram punidos com castigos severos, inclusive mutilações corporais.

Fotos antigas mostram instrumentos de tortura e servos sendo torturados (Foto: Xinhua)

No dia 28 de março de 1959, quando houve a libertação democrática de Xizang, uma multidão de tibetanos jogou à fogueira os papéis das dívidas impagáveis que os tornaram servos.

A terra em que os trabalhadores recém libertados viviam e trabalhavam foi distribuída entre eles, os impostos foram anulados e cada família recebeu uma casa para viver dignamente. Pela primeira vez foram tratados como seres humanos.

Seus antigos donos fugiram de Xizang temendo ser punidos por seus crimes, e no exterior mostraram-se como vítimas. As grandes potências capitalistas, no cenário da Guerra Fria, viram nisso uma oportunidade de difamar a China e, indiretamente, qualquer modelo alternativo de governança. Mas a verdade é que a maior parte dos tibetanos vive na China e é grata ao país pela vida mais confortável e próspera que têm agora.

Mas quais foram as mudanças que aconteceram em Xizang desde sua libertação pacífica? Há um ano, através da janela do meu hotel em Linzhi, pude ver crianças chegando à escola para ter aulas. Em 1951, quando o Exército de Libertação Nacional chegou a Xizang, 95% da população local era analfabeta e as mulheres eram proibidas de estudar.

Agora, 99% da população de Xizang sabe ler e escrever, e todas as crianças frequentam a escola, onde aprendem não apenas o currículo escolar tradicional, mas também disciplinas específicas da realidade local, como caligrafia, danças e música tradicionais de Xizang, o que contribui para preservar a cultura local e transmiti-la às novas gerações.

Aula de caligrafia em uma escola primária em Linzhi (Foto: acervo pessoal)

Eu também conheci uma jovem tibetana, de Lhasa, que veio para Pequim estudar engenharia na renomada Universidade Tsinghua, com planos de retornar a Xizang após graduar-se e contribuir para o desenvolvimento da região. Ela é uma de muitas estudantes tibetanas nas universidades chinesas.

Em Linzhi, conheci um casal de meia idade que conseguiu se livrar da pobreza há poucos anos. Tendo crescido em um povoado isolado, eles não tiveram oportunidade de continuar seus estudos, mas agora, realocados em um local com melhores perspectivas econômicas, se orgulham da filha que estuda na Universidade de Chengdu, na província vizinha de Sichuan, e será a primeira pessoa da família a ter um diploma.

Xizang precisa de profissionais qualificados para se desenvolver e conservar seu patrimônio, tanto material como imaterial, e isso é feito dando aos estudantes locais acesso facilitado ao ensino superior.

Também os hábitos alimentares em Xizang mudaram drasticamente: por conta do clima local, a dieta em Xizang antes dependia fortemente de leite, carne e gordura de iaque, mas agora muitos agricultores locais estão aumentando sua renda através do plantio de legumes e verduras em estufas, enquanto comerciantes compram produtos frescos vindos de outros lugares da China, dando a todos acesso a uma alimentação mais variada e gostosa.

Xizang possui paisagens incrivelmente belas e uma cultura riquíssima, por isso, o turismo tornou-se uma das principais estratégias de combate à pobreza em lugares pitorescos. O governo local realizou melhorias no acesso às vilas e aldeias e ajudou os moradores a empreender pequenos negócios, como pousadas, comércio de produtos locais e artesanato, o que resultou em aumento expressivo da renda dos moradores, que agora têm maior qualidade de vida.

Pessoas em uma rua comercial no centro de Lhasa (Foto: acervo pessoal)

A prosperidade de Xizang é evidente: de 1951 até dois anos atrás, a expectativa de vida saltou de 35.5 a 71 anos, enquanto o PIB regional foi de 174 milhões para 190 bilhões de yuans.

Ao viajar de trem bala de Linzhi a Lhasa, notei que tanto turistas quanto a população local, utilizam o trem. Automóveis e motocicletas se popularizam na região e facilitam o deslocamento dos moradores, enquanto modernas auto estradas e ferrovias ligam a região ao resto da China e outras estão em construção.

A população de Xizang já se acostumou à tecnologia, interagindo em redes sociais e fazendo compras online como qualquer pessoa faz em outro lugar da China. Nas regiões autônomas, línguas locais são, oficiais, juntamente com o mandarim. Essas línguas são de fato usadas no dia a dia e possuem diferentes sistemas de escrita.

Graças a esforços do governo e dos acadêmicos chineses, elas ganharam tipos móveis para tipografia no século passado e hoje existem no mundo digital, possibilitando a existência de publicações e periódicos nessas línguas.

Contrariando os fatos, os críticos à China evocam o argumento de que o desenvolvimento está “matando a cultura tibetana” e seria “contrário ao desejo da população”, agindo como porta-vozes de um grupo, mas sem ouvi-lo nem conhecer sua realidade.

A vida em Xizang é bem melhor agora. Os moradores estão satisfeitos por ter oportunidades que seus pais e avós nunca tiveram e pela certeza de que seus filhos terão uma vida ainda melhor no futuro.

* Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital nacional da China, há oito anos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum