CHINA EM FOCO

Guerra dos Chips: Medida dos EUA na disputa contra a China surte primeiros efeitos

Conhecida como ato de competição contra o mercado chinês para vencer a corrida do século 21, legislação da administração de Joe Biden já liberou metade dos incentivos previstos

Créditos: Canva - Lei dos Chips dos EUA começa a dar resultados
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Em 9 de agosto de 2022, cercado por um público animado de executivos de tecnologia, presidentes de sindicatos e líderes políticos de ambos os partidos, o presidente dos EUA, Joe Biden, assinou o Chips and Science Act, também conhecido como ato de competição com a China.

A Casa Branca informou que a legislação, que oferece bilhões em incentivos federais para apoiar a necessidade imediata de nacionalizar a fabricação avançada de chips, ajudará as empresas estadunidenses a "vencer a corrida do século 21" contra a China, que fechou significativamente a lacuna nas capacidades militares e tecnológicas.

Em pleno ano eleitoral nos EUA, com o pleito presidencial marcado para novembro, e quase dois anos depois de ser sancionada, a medida sinaliza os primeiros resultados.

Em artigo publicado no Financial Times desta quinta-feira (25), Chris Miller, autor do best-seller "A guerra dos chips: A batalha pela tecnologia que move o mundo" traça um panorama do que já mudou com a implementação dessa lei dos chips.

Reprodução Amazon

Miller contabiliza que com os recentes subsídios bilionários para os principais fabricantes de chips do mundo - Intel, TSMC, Samsung e Micro -, o governo dos EUA até agora gastou mais da metade de seus US$ 39 bilhões em incentivos do Chips Act.

Com isso, observa o autor, desencadeou-se um boom de investimentos inesperado. Ele cita que, segundo cálculos da Associação da Indústria de Semicondutores, empresas de chips e parceiros da cadeia de suprimentos anunciaram investimentos totalizando US$ 327 bilhões ao longo dos próximos 10 anos.

"As estatísticas dos EUA mostram um aumento impressionante de 15 vezes na construção de instalações de fabricação para dispositivos de computação e eletrônicos. O debate sobre o Chips Act tem se concentrado em atrasos e dificuldades de fabricação, mas o volume vasto de investimento conta uma história diferente", pondera Miller.

Investimento para reduzir vulnerabilidades

O premiado autor, que tem mestrado e doutorado em história pela Universidade Yale e bacharelado em história pela Universidade Harvard, observa que as escassezes durante a pandemia de Covid-19 mostraram como déficits mesmo pequenos de chips fundamentais de tecnologia mais baixa poderiam causar centenas de bilhões de dólares em danos econômicos.

O propósito do Chips Act, para além de competir com a China, é incentivar a construção de novas instalações de fabricação de chips nos EUA. A expectiva é que isso possa reduzir a dependência de um pequeno número de fornecedores do leste asiático - hoje quase todos os processadores de ponta são feitos em Taiwan.

O aumento dos investimentos resultantes do Chips Act tem reduzindo essas vulnerabilidades. Samsung, TSMC e Intel estão construindo novas fábricas importantes nos EUA.

Divulgação TSMC - Fábrica de chips em Taiwan

A Intel fabricará seus chips mais avançados lá, enquanto a TSMC introduzirá seu processo de 2 nanômetros em Arizona, cerca de dois anos após implementá-lo em Taiwan.

A secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo, observa que até 2030, os EUA provavelmente produzirão cerca de 20% dos chips mais avançados do mundo, ante zero hoje.

"Isso ainda não significa autossuficiência completa, dado que os EUA consomem mais de um quarto dos chips do mundo. A produção de smartphones e eletrônicos de consumo seria interrompida em caso de crise no leste asiático, um temor sempre presente", observa Miller no artigo.

Tensões em Taiwan e no Mar do Sul da China

De fato, o coração da produção de chips do mundo, a ilha chinesa de Taiwan, pode ser classificada como um barril de pólvora, ou silicone, em referência a um dos insumos para produção de semicondutores.

O Senado dos EUA aprovou na terça-feira (23) um amplo pacote de ajuda militar externa de US$ 95,3 bilhões para Ucrânia, Israel, Taiwan e parceiros no Indo-Pacífico.

Dessa bolada, US$ 8,1 bilhões vão para aliados no Indo-Pacífico, incluindo Taiwan, gesto que pode aumentar as tensões entre Washington e Pequim.

A China diuturnamente enfatiza que Taiwan é parte integrante do território do país e que qualquer movimento em direção à independência é inaceitável.

Em relação às questões econômicas, comerciais e tecnológicas, a China critica as medidas dos EUA, considerando-as como coerção econômica e bullying, e se opõe firmemente a qualquer tentativa de interferência nos assuntos do Mar do Sul da China, reafirmando sua soberania sobre as ilhas e águas adjacentes.

Já o governo taiwanês considera os Estados Unidos como o mais importante apoiador internacional e fornecedor de armas, apesar da ausência de laços diplomáticos formais.

Fabricação de chips nos EUA

Nesse cenário de disputas geopolíticas no Indo-Pacífico, cresce para Washington a relevância de transferir a produção de parte dos chips para território estadunidense. Essa produção seria aproximadamente suficiente para as necessidades de infraestrutura crítica como data centers e telecomunicações.

Mas é preciso ter em mente que nem toda fábrica pode produzir facilmente todos os tipos, mas os EUA terão muito mais margem para gerenciar choques.

Durante a pandemia ficou explícito que não são apenas os chips avançados que são economicamente críticos. Fabricantes de automóveis, mísseis ou dispositivos médicos precisam de grandes volumes de chips fundamentais também.

Miller analisa que nessa perspectiva, o Chips Act tem oferecido um novo suprimento significativo. As montadores Ford e GM, por exemplo, anunciaram importantes acordos de fornecimento a longo prazo com a fabricante de chips dos EUA, GlobalFoundries, que está expandindo a produção com US$ 1,5 bilhão em fundos do Chips Act.

A Microchip, uma fabricante amplamente utilizada de chips microcontroladores em Arizona, também recebeu uma subvenção para expandir. A Texas Instruments está construindo uma série de novas fábricas de chips fundamentais em Texas e Utah, catalisadas por generosos créditos fiscais de investimento. Poucos, se houver, desses investimentos teriam ocorrido sem o Chips Act.

O autor elenca que a produção em países aliados também tem contribuído. Japão e Europa estão investindo em capacidade de chips fundamentais. Microchip e Analog Devices, outra fabricante de chips dos EUA, anunciaram planos para transferir parte da produção da TSMC em Taiwan para a nova fábrica da empresa no Japão, proporcionando uma maior resiliência contra riscos da China.

Corrida por subsídios

Miller ressalta que as críticas contra a medida de Biden para conter a China estão focadas na possibilidade de que todos esses incentivos governamentais criem uma corrida de subsídios. Ele ressalta, porém que essa situação começou bem antes do Chips Act.

Ele cita um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2019 revelou que entre 2014 e 2018, pelo menos duas empresas estadunidenses receberam mais dinheiro de um governo estrangeiro do que dos EUA.

"Isso é em parte por que a fabricação de chips migrou para locais com altos subsídios. Agora, o Chips Act e incentivos semelhantes no Japão e na Europa estão atraindo investimentos de volta", comenta.

O autor questiona se todas essas promessas de fábricas serão construídas e responde que muitas delas já estão sendo. A escala da construção de fábricas nos EUA agora está esticando a capacidade dos contratados de encontrar trabalhadores com habilidades especializadas.

Miller destaca que a TSMC planeja a produção de chips em grande volume em sua primeira fábrica em Arizona no início do próximo ano. Se o mercado de chips enfraquecer, algumas fábricas poderiam ser adiadas, mas a distribuição de subsídios está vinculada ao progresso na colocação em funcionamento das fábricas.

No artigo, o autor pondera ainda que há o risco de que os contribuintes estadunidenses estejam comprando capacidade excessiva se essas novas instalações não encontrarem clientes. No entanto, comenta, muitos executivos de tecnologia, como Sam Altman, da OpenAI, estão mais preocupados com a escassez de chips de inteligência artificial (IA)do que com um excesso.

A TSMC observa que sua fábrica do Arizona trabalhará com Apple, Nvidia, Qualcomm e AMD - quatro de seus maiores clientes. A Intel anunciou recentemente um acordo para fabricar processadores de IA para a Microsoft.

Finalmente, Miller observa que os investidores vão debater se esses novos investimentos podem proporcionar um retorno financeiro adequado. Já os formuladores de políticas que veem o Chips Act como uma apólice de seguro contra choques geopolíticos acreditam que já está rendendo dividendos.