Desde 1º de dezembro de 2024 a China zerou tarifas para produtos dos países menos desenvolvidos (PMDs). A medida beneficia mais de 30 países da África, além de nações da Ásia, da Oceania e América, com o Haiti.
Essa medida histórica foi anunciada por Xi Jinping durante a Cúpula de Pequim do Fórum de Cooperação China-África, realizada em 5 de setembro. Na Ação de Parceria para a Prosperidade Comercial a China alarga voluntária e unilateralmente a abertura de mercado.
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Xi falou sobre a decisão de oferecer, a todos os PMDs que têm relações diplomáticas com a China, incluindo 33 países africanos, o tratamento de taxas alfandegárias zero para 100% dos produtos deles.
Ele anunciou a ampliação do acesso ao mercado chinês para os produtos agrícolas africanos para aprofundar a cooperação nas áreas como comércio eletrônico e lançar um "programa de elevação da qualidade China-África".
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"Isso fez da China o primeiro entre os grandes países em desenvolvimento e a primeira das maiores economias do mundo a tomar tal medida, e ajudará a tornar o grande mercado da China em grandes oportunidades para a África", discursou Xi.
Leia aqui o discurso completo.
Trump e a África
Em contraste, a relação do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, com os países africanos foi marcada por negligência, declarações desrespeitosas e falta de uma estratégia abrangente em seu primeiro mandato.
Embora alguns programas importantes tenham sido mantidos, como o PEPFAR, programa vital para o combate ao HIV/AIDS, iniciado por George W. Bush, a falta de engajamento diplomático e o foco quase exclusivo em segurança reduziram a influência americana no continente, permitindo que rivais como China e Rússia expandissem sua presença na região.
Em 2018, Trump foi amplamente criticado por se referir a países africanos como "shithole countries" (países de merda, em tradução livre) durante uma reunião sobre imigração. A declaração gerou indignação global, especialmente entre líderes africanos e da diáspora, prejudicando a imagem dos EUA no continente.
Tarifaço
Trump já deu o tom protecionista de que vai usar sanções econômicas para tentar impor suas vontades na sua próxima administração. Já anunciou, por exemplo, a intenção de impor tarifas de até 100% sobre produtos dos países do BRICS—Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul—caso avancem com planos de criar uma moeda alternativa ao dólar. Também já avisou que quer taxar os seus vizinhos México e Canadá e a China.
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Durante seu primeiro mandato, Trump adotou uma política tarifária controversa e redefiniu as relações comerciais globais, especialmente com a China. Embora tenha gerado alguns ganhos industriais, também aumentou custos para consumidores, trouxe instabilidade às cadeias de suprimentos e provocou retaliações.
EUA e UE na África
A presença estratégica da China no continente africano acordou governos ocidentais, especialmente os EUA e a União Europeia (UE), para o financiamento de rotas de infraestrutura para fazer frente ao alcance da potência asiática.
Desde a década de 1980, a China tem consolidado sua presença na África e, desde 2013, por meio da iniciativa Cinturão e Rota (BRI), promove relações comerciais mais fortes e oferece empréstimos vantajosos por intermédio do Banco de Desenvolvimento Asiático.
O presidente dos Estados Unidos em fim de mandato Joe Biden prestou uma visita oficial ao continente africano nesta quarta-feira (4), cumprindo uma promessa que havia feito no início de seu mandato aos "45 do segundo tempo" — é a primeira vez que o presidente visita a África, e, já que deve deixar a Casa Branca em 20 de janeiro, em ocasião da posse de Trump, também a última.
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Biden foi o primeiro presidente dos EUA a visitar países africanos desde 2015. Ele esteve lá para anunciar o Corredor de Lobito, um projeto estratégico que conecta o porto de Lobito, no Atlântico, a diversas rotas na costa africana, facilitando a exportação de commodities minerais.
Este corredor, fruto de parcerias público-privadas, busca competir com rotas financiadas pela China, como o corredor Mombasa-Nairobi no Índico, e atuar como uma alternativa logística e política ao domínio chinês na África.
China em África
Além da tarifa zero para os países africanos, na FOCAC Xi também anunciou planos de ação para os próximos três anos que inclui investimento de 360 bilhões de yuans em apoio financeiro (244,8 bilhões de reais), incluindo 210 bilhões (142,8 bilhões de reais) em linhas de crédito e 80 bilhões (54,4 bilhões de reais) em assistência direta.
Xi falou ainda da criação de centros de estudo China-África e treinamento para líderes; promoção de zonas industriais e tecnologia digital; implementação de 30 projetos de infraestrutura para integrar o continente; construção de hospitais e combate à malária; investimentos para melhorar a produção agrícola e criar empregos; projetos de energia limpa e conservação da biodiversidade; e treinamento de forças de segurança africanas e assistência milita
Modelo para o Sul Global
O presidente chinês enfatizou que a modernização China-África será um modelo para o Sul Global, abrindo um "novo capítulo esplêndido de desenvolvimento na história humana".
"Diz um provérbio africano, 'Amigo é aquele com quem você compartilha o caminho'. No caminho à modernização, ninguém e nenhum país deve ser deixado para trás. Vamos unir as grandes forças dos mais de 2.800 milhões de chineses e africanos e avançar de mãos dadas no nosso caminho compartilhado à modernização, promover a modernização do Sul Global com a modernização China-África e abrir um novo capítulo esplêndido de desenvolvimento na história humana", disse.
O que os países beneficiados acham?
A isenção total de tarifas da China para todos os produtos dos países menos desenvolvidos (PMDs) com os quais mantém relações diplomáticas, na explicação das autoridades do país, atende às necessidades de desenvolvimento de nações do Sul Global, reforçando o compromisso chinês em compartilhar oportunidades de crescimento econômico.
A política deve intensificar o comércio China-África e ampliar o acesso de produtos agrícolas africanos ao mercado chinês. A rede chinesa CGTN ouviu especialistas de países beneficiados pela medida.
Zimbábue: Christopher Mutsvangwa, membro do partido ZANU-PF, destacou o interesse crescente dos consumidores chineses por produtos agrícolas africanos, como laranjas do Zimbábue. Ele prevê que outros itens, como gergelim, também terão espaço no mercado chinês.
Madagascar: Produtos agrícolas, têxteis, frutos do mar e artesanato do país se beneficiarão das novas condições comerciais. Michel Anondraka, diretor-geral de Agricultura e Pecuária de Madagascar, ressaltou que o mercado chinês ajudará a modernizar a agricultura local.
Tanzânia: Durante a 7ª China International Import Expo, produtos apícolas tanzanianos ganharam destaque. Jackson Mponela, gerente de produção da Tanzania Future Enterprises, disse que a entrada no mercado chinês é um marco para a expansão global do mel tanzaniano.
Apoio Ampliado
Além das isenções tarifárias, a China está adotando medidas abrangentes para promover o comércio com a África, incluindo suporte ao e-commerce transfronteiriço, facilitação de acordos comerciais e participação de expositores africanos em feiras na China. Durante a recente Import Expo, mais de 120 estandes gratuitos foram oferecidos a expositores de 37 PMDs, com destaque para produtos agrícolas africanos.
A política de tarifa zero visa promover o desenvolvimento por meio do comércio, fortalecendo a cooperação econômica no Sul Global. Yang Baorong, pesquisador do Instituto China-África, destacou que a medida não só impulsiona a cooperação industrial entre China e África, mas também encoraja outros países do Sul Global a buscar a modernização conjunta.
Perspectiva Ocidental
Analistas ocidentais manifestaram ceticismo em relação à efetividade da medida para as economias africanas. Emmanuel Owusu-Sekyere, diretor de investigação, política e programas do Centro Africano para a Transformação Econômica em Accra, no Gana, disse ao veículo de propaganda dos EUA VOA que as economias africanas não são suficientemente diversificadas para fornecer a qualidade e a escala necessárias para atender às exigências sofisticadas de um mercado vasto como o chinês.
Além disso, apontou, há preocupações de que a iniciativa possa beneficiar mais as empresas chinesas do que as africanas, considerando as atuais estruturas econômicas e capacidades produtivas dos países beneficiados.
Diferença de olhares para a África
A relação entre a África e as duas maiores potências do planeta, a China e os Estados Unidos, tem profundas diferenças relacionadas a história, economia, estratégias e ideologias.
A relação da China com a África se baseia em uma abordagem de "não interferência" nos assuntos internos dos países africanos. Isso significa que o país asiático não impõe condições políticas para seus investimentos, como mudanças de regime ou governança.
Por meio da iniciativa Cinturão e Rota, a China investe pesadamente em infraestrutura, como estradas, portos e ferrovias, o que tem sido bem recebido em muitos países africanos que precisam de infraestrutura básica para o desenvolvimento.
A China também fornece empréstimos a taxas preferenciais e incentivos comerciais, como a recente isenção tarifária para produtos de PMDs, incluindo muitos países africanos.
Os Estados Unidos adotam uma abordagem mais condicionada, muitas vezes vinculando ajuda e investimentos a critérios de governança, direitos humanos e transparência. Eles priorizam setores como saúde, ajuda humanitária e programas de segurança, com menor ênfase em infraestrutura.
O foco dos EUA frequentemente reflete preocupações estratégicas, como contrabalançar a influência chinesa no continente e combater o terrorismo.
Investimentos
Os investimentos chineses na África são amplamente voltados para infraestrutura e setores de recursos naturais, como mineração e petróleo, garantindo acesso a matérias-primas essenciais para sua economia.
As empresas chinesas geralmente oferecem pacotes completos de financiamento, construção e operação, muitas vezes empregando trabalhadores chineses, o que gera críticas por limitar a criação de empregos locais.
Os investimentos dos EUA se concentram em setores como tecnologia, inovação, saúde e meio ambiente, com iniciativas como a Power Africa, destinada a ampliar o acesso à energia. O modelo estadunidense enfatiza parcerias público-privadas e programas de capacitação, como o Young African Leaders Initiative (YALI).
Percepção na África
Muitos países africanos veem a China como um parceiro pragmático que oferece soluções rápidas e palpáveis para desafios de desenvolvimento, como infraestrutura e financiamento. No entanto, há críticas relacionadas a endividamento, uso de mão de obra chinesa e falta de transferência tecnológica significativa.
A relação com os EUA é muitas vezes vista como mais paternalista, com foco em assistência ao invés de parcerias comerciais equilibradas. Programas de ajuda estadunidense são amplamente apreciados, mas são vistos como menos tangíveis em termos de impacto imediato no desenvolvimento econômico.
A África é central para a estratégia global da China, especialmente na construção de alianças no Sul Global e no acesso a recursos naturais. A diplomacia econômica chinesa busca expandir sua influência por meio de isenções tarifárias, grandes projetos de infraestrutura e financiamento direto.
Para os EUA, a África é uma arena para contrabalançar a influência chinesa e russa. O foco está em segurança, combate ao terrorismo e proteção de interesses estratégicos. A relação é moldada por preocupações de longo prazo, como o avanço da democracia e o respeito aos direitos humanos.
A China posiciona sua narrativa como um "parceiro de desenvolvimento" igualitário, destacando que não tem histórico colonial na África. Isso ressoa com muitos países africanos, que veem a China como uma alternativa ao Ocidente, que tem um legado colonial e neocolonial na região.
O papel dos EUA é frequentemente associado à Guerra Fria, quando o país buscava influenciar governos africanos para conter a expansão soviética. A abordagem de Washington, muitas vezes é vista como uma extensão desse período, com foco em segurança e ideologia.
A relação da África com a China é mais transacional e centrada no desenvolvimento econômico imediato, enquanto com os EUA ela é moldada por valores ideológicos e condições políticas.
Ambas as abordagens oferecem vantagens e desafios, mas juntas refletem uma competição crescente por influência em um continente cada vez mais estratégico para a geopolítica global.
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